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    História da edição

    Champions 04/05: Um milagre em Istambul

    Texto por Jorge Ferreira Fernandes
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    Por causa do nervosismo, da importância do momento, do medo, do receio, da pouca personalidade, as finais, as mais importantes, sobretudo, não costumam ser o palco das exibições memoráveis ou do espetáculo. Ao longo de todas estas décadas de futebol, assistimos a grandes equipas, a implacáveis conjuntos que na altura de todas as decisões...fraquejaram. Não necessariamente perderam, mas, sentindo a irreversibilidade da ocasião, como que se esconderam e procuraram o mais fácil, o mais seguro. Agora, ignore tudo isto e apaixone-se pelo milagre de Istambul. 

    Naquela noite de 25 de maio de 2005, a capital turca viveu uma das grandes noites da história do futebol europeu. Não faltavam nomes lendários, qualidade, mas o que verdadeiramente ficou para a história foi a reviravolta do Liverpool. Um Liverpool que tinha a final praticamente perdida ao intervalo, que não mostrava ter soluções para superar um conjunto tão poderoso como o AC Milan, que tinha sofrido três golos sem resposta nos primeiros 45 minutos e que, mesmo assim, encontrou uma força qualquer para não desistir e para ir em busca do sonho. A inspiração valeu a transferência da decisão para os penáltis e, aí, ninguém já podia evitar que este comboio chegasse ao seu destino. 

    Não faltaram mesmo emoções a esta edição da Champions. Mesmo para o Liverpool, que passaria por uma autêntica odisseia, nem sequer a própria fase de grupos chegou a ser fácil. Diante dos reds estava o finalista vencido da competição (Mónaco), um semi-finalista (Deportivo) e os gregos do Olympiacos. O equilíbrio acabou por ser nota dominante nesses jogos e uma derrota na penúltima jornada, diante do Mónaco, quase tramou o futuro europeu a Gerrard e companhia. Para que o futuro finalista garantisse a passagem aos oitavos, a receita era simples: ganhar a última partida, em Anfield, por dois golos de diferença aos gregos. Na ocasião mais importante, no momento de todas as decisões, sobressaiu a experiência e a qualidade dos reds, que ganharam por 3x1. Rivaldo, a estrela da companhia do adversário, ainda inaugurou o marcador, mas a segunda parte foi uma daquelas mágicas que o lado vermelho da cidade dos Beatles já se habituou a viver ao longo dos anos. Pongolle empatou no início, Mellor deu esperança a 10 minutos do final e, a menos de cinco minutos dos 90, apareceu Gerrard, com um grande pontapé, para um dos golos mais importantes da carreira. 

    Quanto às equipas portuguesas, depois do falhanço da pré-eliminatória para o Benfica, eliminado de forma clara pelo Anderlecht, sobrou o campeão nacional e europeu FC Porto. E que sorteio, este da Champions que colocou frente a frente dragões e os blues de José Mourinho, Ricardo Carvalho e Paulo Ferreira, poucos meses depois de Gelsenkirchen. Se os londrinos se apresentavam como favoritos, se o PSG era, à partida, a equipa menos forte, então a luta pela qualificação decidida com os russos do CSKA. O empate sem golos na primeira jornada e a derrota em Stamford Bridge confirmaram as dificuldades, mas foi a derrota em Paris que deixou tudo mais complicada e que obrigou os azuis e brancos a uma segunda volta perfeita. Foi quase, com tudo a ficar decidido no Dragão, na última jornada, frente a um já apurado Chelsea. O início não foi nada fácil, Duff abriu o placard, o FC Porto não conseguia esconder as suas limitações, bem visíveis, também, nas provas domésticas, mas apareceu Diego e, no final, o herói Benni McCarthy, decisivo em mais uma grande e decisiva vitória além-fronteiras. 

    A primeira fase também teve o condão de juntar dois campeões de países importantes no mesmo grupo. O Valência e o Werder Bremen não deixaram de surpreender em Espanha e na Alemanha, respetivamente, mas, nos oitavos, só houve lugar para um, tendo os che desiludido e permitido o apuramento do conjunto de Thomas Schaaf e do Inter de Milão, que, com 14 pontos, foi uma das melhores equipas do primeiro conjunto de jogos da Champions 2004/2005. Só a Juventus, com 16, fez melhor. As equipas italianas pareciam estar prontas para, mais uma vez, marcarem o futebol do Velho Continente. 

    Foi mesmo na Bota da Europa que o FC Porto, logo depois de passar com dificuldades o seu grupo, caiu na Liga dos Campeões 2004/2005. O adversário foram os nerrazzurri, que contavam já com um grande Adriano na frente de ataque. O Imperador não apareceu na primeira-mão, o golo do Inter ficou para Martins, o dos azuis e brancos para Ricardo Costa, mas, em Milão, a equipa comandada por José Couceiro nunca conseguiu lidar com a força, a potência, a qualidade técnica e a capacidade finalizadora do avançado internacional brasileiro. O campeão europeu despedia-se com toda a naturalidade, numa época de muitas mudanças e de pouco rendimento. 

    Os dragões, diga-se, não foram os únicos finalistas a caírem logo na primeira fase de eliminações. O Mónaco, a grande surpresa de 2003/2004, foi surpreendido por um grande PSV. O Liverpool, que tinha passado por muitas dificuldades, eliminou com toda a autoridade o Bayer Leverkusen, o Bayern de Munique, num confronto muito equilibrado, mandou para casa o Arsenal, o Real Madrid, pelo segundo ano consecutivo, caía quando ainda estavam 16 equipas em prova e o AC Milan, campeão europeu dois anos antes, ultrapassou o Manchester United

    Mas o grande confronto dos oitavos de final foi o que colocou frente a frente José Mourinho e o Barcelona. Já com um Ronaldinho intratável no flanco esquerdo, a desequilibrar, a fintar, a passar, a rematar, os catalães eram um coletivo muito forte, um dos grandes candidatos à vitória final. Depois de uma primeira-mão em que o Barça foi mais forte em Camp Nou, a decisão ficou adiada para o jogo de Stamford Bridge. E que jogo! Ainda antes dos 20 minutos, os blues já venciam por uns impressionantes 3x0. Ronaldinho, primeiro de penálti e depois com um fantástico pontapé na zona da meia lua, deixou os culé, novamente, em vantagem, antes de Terry, à entrada para o último quarto de hora, aproveitar toda a sua capacidade na bola parada ofensiva e marcar o folo do apuramento. Que grande festa em Londres, o Chelsea estava novamente nos quartos e um possível concorrente direto tinha ficado para trás. 

    Para os quartos ficou guardado o momento mais triste desta Champions. Milan e Inter tinham todas as condições para protagonizar um magnífico espetáculo. Havia mais qualidade do lado vermelho e negro de Milão, mas a equipa de Mancini já tinha mostrado alguns créditos. No primeiro jogo, os rossoneri foram melhores e ganharam por 2x0. A eliminatória não estava decidida, mas a vantagem era importante, especialmente se tivermos em conta que os nerrazzurri teriam de marcar, pelo menos, dois golos a uma defesa que tinha Cafú, Nesta, Stam e Maldini. Acabaram por não marcar nenhum, Sheva, esse sim, faturou, mas o jogo nem chegou a terminar, depois de vários adeptos do Inter terem arremessado tochas para o relvado. Uma delas atingiu Dida, guardião brasileiro do AC Milan. O árbitro e os jogadores ainda tentaram um regresso, mas uma segunda vaga de mau comportamento materializou, de vez, o final antecipado da partida, a derrota administrativa por 0x3 e a passagem do futuro finalista vencido da prova. 

    Com dificuldades, Liverpool e Chelsea, duas equipas que, desde a chegada de Mourinho, começavam a construir uma rivalidade muito própria, também seguiram rumo às meias-finais. Os blues voltaram a marcar por quatro ocasiões em casa, desta vez diante do Bayern, e a vantagem de dois golos foi gerida com tranquilidade em solo alemão. É certo que o resultado final oferece-nos uma ideia de permanente equilíbrio (6x5), mas este conjunto londrino tinha passado uma imagem de força muito importante para a concorrência. Tal como os reds de Rafa Benítez que, depois de uma fase de grupos emocionante, ameaçavam poder conquistar o título europeu. Os quartos trouxeram um embate complicado com a Juventus, mas a curta vantagem assegurada em Anfield foi gerida com sucesso em Turim. Duas das equipas mais fortes da Premier League iam discutir um lugar na final de Istambul. 

    Apesar do golo de diferença que separou o Liverpool e a Juventus, o duelo mais emocionantes dos quartos foi o protagonizado entre PSV e Lyon. Se os franceses tinham neste ano uma oportunidade única de dar sequência europeia a todo o domínio doméstico, os holandeses apresentavam-se como uma espécie de surpresa. Não faltavam grandes e importantes nomes a este conjunto de Eindhoven. Gomes defendia as redes, o brasileiro Alex, antes dos anos no Chelsea, comandava a defesa, Van Bommel e Cocu, dois dos médios mais importantes do futebol das tulipas no início do século, organizavam as operações a meio-campo, Park Ji Sung, antes do protagonismo com Alex Ferguson no Manchester United, desequilibrava no último terço. Muito mais do que um conjunto interessante de individualidades, uma equipa bem oleada que teve a competência e a qualidade para ultrapassar o adversário francês nas grandes penalidades, depois de duas igualdades a uma bola. Fechava-se cada vez mais a porta ao sonho europeu do grande Lyon de Juninho Pernambucano. 

    Habituada a apenas ser grande no seu país e a ter muitas dificuldades em aparecer nas fases adiantadas da Liga dos Campeões, o PSV aparecia nas meias finais contra o favorito AC Milan. E que grande réplica deu a equipa de Guus Hiddink! É verdade que o jogo de Milão foi complicado, por todo o talento que estava do outro lado, mas a atitude positiva e o futebol descomplexado dos holandeses voltou a deixar uma marca. Anular a desvantagem de 2x0 seria uma missão muito complicada, mas a verdade é que os golos de Park e de Cocu abriram a porta ao prolongamento. Mesmo no final, apareceu Kaká para salvar os rossoneri, num castigo demasiado duro para quem surpreendeu tanto ao longo daqueles meses de 2005. Se a Champions daquele ano foi emocionante, então o PSV contribuiu e muito para essas memórias. 

    Quem iria fazer companhia ao Milan de Ancelotti na final? Os candidatos eram dois, Chelsea e Liverpool, numa rivalidade que ganhou algum destaque a partir do momento em que José Mourinho e Rafa Benítez entraram no verão de 2004 em Stamford Bridge e Anfield, respetivamente. Os duelos entre reds e blues ficaram marcados pelo rigor tático, pela busca de um certo perfeccionismo posicional, pela ausência de muitas oportunidades, pela ideia cada vez mais rigorosa do futebol inglês. Filosofias bem mais rígidas que ficaram bem patentes nos dois jogos das meias-finais. Depois de uma igualdade a zeros em Londres, a decisão da eliminatória ficou adiada para a cidade dos Beatles. Aí, assistiu-se a mais uma partida disputada, equilibrada, sem grandes dotes criativos, decidida por um golo de Luis García, logo na primeira dezena de minutos. Ainda hoje se discute se a bola entrou mesmo na baliza de Cech, mas o que é certo é que esse toque do espanhol valeu uma final europeia ao Liverpool

    Chegávamos, então, a Istambul. A capital turca que viveu uma das grandes finais da história da Champions. O AC Milan fez uma primeira parte praticamente perfeita, perante um adversário completamente inoperante e com uma tendência perigosa para o erro. Uma superioridade italiana que foi clara desde o primeiro minuto, quando um quase quarentão Maldini abriu o marcador. Depois, Kaká abriu o livro e Crespo, o argentino que fazia uma dupla de ataque temível com Shevchenko, bisou. A qualidade era tanta, a consistência defensiva parecia tão à prova de bala que ao Liverpool, em teoria, restava deixar uma boa imagem nos segundos 45 minutos. 

    O que aconteceu depois do regresso dos balneários é quase inexplicável do ponto de vista racional e pertence à lista das maiores reviravoltas que este desporto já viu. Em apenas 15 minutos, os reds recuperaram de uma desvantagem de 0x3, com Smicer, Gerrard e Xabi Slonso a marcarem os três golos da turma de Benítez. O jogo seguiu para um improvável prolongamento e, já aí, Dudek foi decisivo, com uma dupla defesa perante Sheva que só não ficou ainda mais para a história devido a todas as circunstâncias. O filme repetiu-se nas grandes penalidades e o Liverpool pôde festejar uma Liga dos Campeões que parecia quase uma utopia uma dezena de minutos antes. 

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    jogos históricos
    U Quarta, 25 Maio 2005 - 19:45
    Atatürk Olympic
    Mejuto González
    3-3
    (3-2 g.p.)
    Steven Gerrard 54'
    Vladimír Šmicer 56'
    Xabi Alonso 60'
    Paolo Maldini 1'
    Hernan Crespo 39' 44'
    Estádio
    Atatürk Olympic
    Lotação76092
    Medidas105m x 70m
    Inauguração2002