Apresentado como treinador do FC Porto em junho de 2017, Sérgio Conceição foi bastante claro nas primeiras palavras e deixou uma frase forte: “Não venho para aqui aprender, venho para aqui ensinar. Eu sou o treinador do FC Porto!”
Falou, emocionado, de ambição, exigência, rigor, raça, disciplina, pressão, sonhos, alegrias, amor ao clube, resultados, títulos. Fez apenas uma promessa: a de que ia trabalhar com uma ambição muito grande para o principal objetivo - a conquista do Campeonato.
Estava apresentado e era claro o perfil do treinador: ex-jogador do clube, experiência internacional, imagem carismática, conhecido dos adeptos, equipas à sua imagem e bons resultados por onde passou. Faltava-lhe um teste a este nível.
O seu percurso tem muitos momentos marcantes mas há um que importa recordar para percebermos bem quem é este homem que chegava ao leme da equipa: o dia 17 de janeiro de 2016, em que se jogou um Vitória de Guimarães 1 x 0 FC Porto, carregado de dúvidas e boatos, uma vez que Julen Lopetegui tinha deixado os Dragões, Rui Barros assegurava interinamente a liderança da equipa e o nome de Sérgio Conceição era um dos mais falados para ocupar o cargo. Lamentavelmente, as suspeições sobre interesse no treinador e o seu impacto na abordagem ao jogo, lançaram dúvidas sobre a partida na qual o FC Porto precisava de vitórias como de pão para a boca. No final, vitória da equipa de Guimarães e uma declaração forte do homem sobre o qual recaiam todos os olhares:
“Os meus pais eram analfabetos mas sempre me passaram princípios fantásticos. Esses princípios têm a ver com dignidade e honestidade.”
Sérgio Conceição igual a si mesmo, frontal, assertivo. Como era enquanto jogador, como foi por onde passou enquanto treinador, como é agora no FCP. Coerente, portanto.
Regressando ao clube para o lugar de treinador, herdou uma equipa triste, que tinha terminado a época anterior sem chama e com o ex-treinador a sair (por vontade própria e de todos) para outro desafio. O clube, financeiramente muito limitado, preparava uma equipa da qual tinham saído jogadores importantes, para o lugar dos quais não havia contratações, apenas regressos de emprestados. À medida que os sinais positivos dos primeiros testes eram reforçados com boas exibições e 5 vitórias nas 5 primeiras jornadas, o mercado fechava e com ele fechava-se o plantel. Ficava assim no ar a questão: terá o FC Porto equipa, e plantel, para ser campeão?
“Largos dias têm cem anos”, uma frase bem conhecida do universo azul e branco, não deixa esquecer que o caminho é longo e que há que estar bem preparado para todos os momentos. Foi nisso que se focou o treinador do FC Porto: preparar a equipa para vencer, com os jogadores que tinha, sem se iludir ou perder tempo com os que desejaria ter.
A época começou bem e acaba melhor. No caminho, mais altos que baixos, com alguns momentos decisivos, a saber:
- O arranque inicial, com 10 vitórias e 1 empate em Alvalade, mostrava ao que vinha este FC Porto;
- A substituição de Iker Casillas por José Sá, que envolveu diretamente os Guarda-Redes mas que chegou indiretamente a todos os jogadores, com a mensagem clara de que ninguém, independentemente do estatuto, está acima da equipa, da exigência diária do treino e do mérito conquistado em campo;
- A força da vitória em Santa Maria da Feira e da reviravolta com o Vitória de Guimarães, no Dragão, mais importantes do que se imagina, reforçando a ambição do grupo;
- O perdão a Soares e através dele, o colocar dos interesses da equipa acima do seu orgulho pessoal, mostrando que sendo um líder exigente e com o qual não é fácil trabalhar, como o próprio admite, também sabe aceitar um pedido de desculpas e seguir em frente, procurando mais uma vitória em vez de criar um bode expiatório;
- As reações às derrotas na Liga dos Campeões e às eliminações nos penalties, perante o Sporting, quer na Taça da Liga quer na Taça de Portugal, sem permitir que a equipa acusasse qualquer quebra de confiança;
- A recuperação da Liderança com uma segunda-parte soberba na Luz, consumada com o golo de Herrera, a cabeçada de Marega e o balanço necessário para enfrentar o sprint final com rotação de Campeão. Desde os tempos de Mourinho que o sucesso do FC Porto não tinha uma marca tão grande do treinador como tem este 28º título liderado por Sérgio Conceição, que venceu por ter conseguido vários méritos, entre os quais se destacam:
1. A construção da equipa à medida das características dos jogadores, tornando-os todos úteis, fazendo-os sentirem-se importantes e, a qualquer momento, a solução que a equipa precisava; Montou bem a equipa, ora num 4x4x2 forte e pressionante, ora com um 4x3x3 equilibrado e consistente, em função de cada momento, das opções disponíveis e dos adversários.
2. A coesão do grupo, verdadeiramente unido e com carisma, tornando-o coeso e à sua imagem, recuperando a mística que vinha faltando e que parecia perdida, conquistando os adeptos. A roda do grupo que marcava o final dos jogos tornou-se uma imagem de marca e, se há imagens que valem mil palavras, essa é uma delas;
3. A gestão dos egos e dos estatutos, colocando sempre em primeiro lugar o que é melhor para a equipa, independentemente de serem mediáticos ou patinhos feios, em fim de contrato ou formados no clube, em afirmação ou regressados de empréstimos;
4. A confiança nos duelos com os rivais, jogando sempre olhos nos olhos, abordando os desafios sem medos nem opções que evidenciassem marcha atrás por ter menos craques, tanto em casa como fora, jogando sempre para ganhar.
Contudo, não se pense que foi uma época perfeita e imaculada. Sérgio Conceição teve também os seus momentos infelizes: esteve mal quando se referiu a Rui Vitória, desnecessariamente, de forma deselegante e pouco digna para um colega de profissão, comparando-o a um boneco cuja expressão é manipulada; na mesma linha, com a frustração da derrota em Paços de Ferreira, errou ao não cumprimentar o treinador adversário, invocando que este incentivava o anti-jogo. Tendo ou não razão, pouco importa… se a tinha, perdia-a. Se não a tinha, pior ficava. Foram exceções que confirmaram a regra.
A resposta - a única possível - a todas as dúvidas, surgiu em campo e no fim da época, como deve ser sempre, com o título de Campeão.
No final, contas feitas, o que aprendemos com Sérgio Conceição?
Aprendemos que é possível construir a melhor equipa e ser Campeão sem ter os melhores talentos, uma mão cheia de reforços ou um investimento acima das possibilidades.
Algo simples e, talvez por isso, esquecido por muita gente, que se deslumbra com os talentos individuais, que quer sempre mais um reforço ou captar mais um investidor. Legítimo, claro que sim, mas secundário - o prioritário é construir a melhor equipa.
Para terminar, voltamos ao início: Sérgio Conceição começou a sua apresentação, emocionado, ao falar das pessoas mais importantes da sua vida, os seus pais, que estariam felizes e orgulhosos, onde quer que estivessem, por chegar onde tinha chegado. Termina a época Campeão, amplamente reconhecido como o grande obreiro do título, dedicando-o aos seus pais, que estarão agora certamente ainda mais orgulhosos e felizes: não porque ganhou, mas sim, pela forma como ganhou e pelo cunho pessoal que teve neste campeonato.
Chapeau!