“Mal fecho os olhos, é a primeira coisa que vejo. Não consigo dormir, não consigo comer, vivo num constante sobressalto. Tenho medo, confesso. Pavor. A minha vida tornou-se num inferno. Assalta-me um constante receio que da próxima vez que feche os olhos ele reapareça. Assim mesmo, com aqueles olhos esbugalhados, tresloucados, como quem rasteja pelo submundo, sedento de sangue e vingança.”
Palavras de António Xavier, extremo do Marítimo.
“É aquele sorriso, Deus meu. Aquele esgar demoníaco, casamento perfeito entre a insanidade e a maldade pura. Ainda não parei de tremer. Preciso de salvação. Salvação!”, exclama o funchalense Brito, olhos raiados de sangue fixados no companheiro Alex Soares. Este, solidário, passa nervosamente a mão trémula pelo terço que segura com a sofreguidão semelhante à de um Eliseu agarrando um bilhete para a Feira do Fumeiro de Montalegre.
Estamos no vestiário visitante do Municipal de Braga, arena onde o Marítimo irá disputar um desafio respeitante à jornada 27. Mas a escassos minutos do apito inicial, o tema reinante está longe de ser o desporto Rei.
“Sobrevivência. Sanidade mental e paz de espírito, pô. É isso. Só quero que um anjo me ponha a mão no ombro e me sussurre ao ouvido : Patrick, cara, isso foi apenas um pesadelo.”
O desabafo do brasileiro Patrick Vieira desliza pelo destroçado balneário maritimista como vapor de cigarro eletrónico na face do presidente do Arouca. Denso, confuso e cortante. Cabisbaixa, a atmosfera pinta ânimos a negro e as frias paredes transpiram suores nervosos. A iminente ameaça de morte e destruição teve origem no aeroporto da Madeira, antes da equipa embarcar na aeronave para cruzar o Atlântico.
O turco Erdem Şen explica : “Eu avisar! Esses infiéis olharem todos nas olhos de maldito busto de Cristiano. Eu gritar: não olhar nas olhos! Não olhar nas olhos! Mas eles olhar. Cambada. Agora sofrei nas demoníacas garras de Íncubo e Súcubo!”
Destroçada, a equipa do Funchal entrou desorientada em campo e antes da meia hora de jogo já se encontrava no fundo do oceano, tendo a formação minhota enfiado três rojões na panela ilhéu - naturalmente sem resposta do adversário.
A coisa eventualmente compôs-se e a squadra verde-rubra, liderada pelo bravo guerreiro Otomano Şen, acabaria por recuperar da desvantagem. Mas a lição fora aprendida:
“Isso aí foi exorcismo, como os cara dos filmes. Mas não voltamo a cair no mesmo erro não. Na próxima deslocação os cara já falou que vamo de ônibus para o continente.”, exclamou o sempre eloquente Raúl.
Todavia, a tenebrosa saga acima descrita não foi o único ponto de interesse do fim de semana. É verdade, houve clássico (!), nobre ator secundário com papel modesto em filme dedicado às artes da infernal representação. Haja euforia! Traição! Depressão! Polémica! Vingança! Paixão! Força bruta! Comoção! Azeite!
Azeite? Sim, azeite. A verdadeira razão pela qual Jonas passou noventa e dois minutos a conhecer bem de perto o impecável relvado da Luz deveu-se a um concerto dos Santamaria, celebrado no mesmo local na semana que antecedeu o clássico.
“Pô cara, eu tentei ficar de pé, juro que tentei. Mas não dava mesmo. Cada vez que tentava correr, escorregava feito esquimó de patins em linha. Aí chegou um ponto em que desisti mesmo e me dediquei a encontrar o brinco do Vítor Baptista. Só no finzinho da partida o Luisão me disse que tinha sido perdido no estádio antigo. Pô, tinha que esperar até final para revelar isso? Fiquei brabo.”
“A mim disseram-me que ele não se aguentava de pé devido ao rasto de azeite deixado pelo concerto dos Santamaria. É tramado. Mas aqueles solos de sintetizador são brutais. Valeu a pena”, afirmou Luís Filipe Vieira, desapontado pela receita do concerto não ter chegado para pagar a sua dívida ao BES.
“Mas mas quem quem disse disse que que os os Santamaria Santamaria são são azeiteiros azeiteiros, ca&€%§$ ca&€%§$? Parto-lhes parto-lhes já já a a m£#$@ m£#$@ da da boca boca toda toda, ca&€%§$ ca&€%§$!”, afirmou o fanático André André, duplamente revoltado.
Curiosamente, Jonas aguentou-se na vertical em dois momentos-chave da partida : quando enfiou o perú no forno de Casillas e na ocasião em que abalroou o casco do estoico life-coach Nuno, a Susana Torres da Nação azul-e-branca.
Contudo, tal como no placard final, aqui também houve empate. Nuno manteve-se firme e hirto, imóvel e inflexível, recordando-nos os seus tempos de guarda-redes.
Conclusão : o presente é reflexo do passado e a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida. O que explica muita coisa.