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    Barbados x Grenada: o auto-golo intencional

    Texto por Ricardo Miguel Gonçalves
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    É um célebre episódio do desporto, o duelo que Barbados e Grenada disputaram no dia 27 de janeiro de 1994. «Célebre» dentro do possível, claro, uma vez que se tratam de duas minúsculas nações, de quase nula relevância no panorama futebolístico mundial, mas é possível que já tenha ouvido falar dos detalhes que tornaram essa partida especial...

    A chave para ter sucesso no futebol é fazer mais golos que o adversário. É importante marcá-los especificamente na baliza do adversário. Certo? Por norma sim, tanto que este parágrafo parece uma inconveniente portagem no caminho para o óbvio, ainda assim, não foi isso que aconteceu nesse dia, quando um conjunto muito específico de circunstâncias atribuiu, por instantes, a mesma importância ao golo e ao auto-golo, dando a uma equipa a hercúlea tarefa de defender duas balizas! 

    Uma regra mal ponderada

    Corriam os anos 90, com o golo de ouro na moda, quando tudo aconteceu. Esse conceito de golo de ouro, que dava a vitória à equipa que marcasse primeiro no prolongamento, estava a ter o infeliz efeito secundário de futebol muito defensivo. O medo assombrava ambas as equipas.

    Para contrariar essa apreensão e tentar dar mais fulgor ao espetáculo desportivo, os organizadores da Caribbean Cup de 1994, com aval da FIFA, tiveram uma ideia e implementaram-na na primeira ronda da prova: em caso de empate, o primeiro golo do prolongamento não só significaria a vitória imediata, como valeria por dois

    A regra em causa não estava guardada para jogos a eliminar, sendo aplicada mesmo na ronda de qualificação para o torneio final, que era uma fase de grupos de três equipas. O tempo veio a provar que os responsáveis da CONCACAF, por melhores que fossem as suas intenções, não pensaram em todos os cenários...

    À entrada para o último jogo do Grupo A, Grenada liderava com três pontos graças a uma vitória por 2-0 sobre Porto Rico - tinham já beneficiado da regra, tendo marcado apenas um golo no prolongamento após um nulo em 90 minutos - e a seleção de Porto Rico, que tinha três pontos por ter batido Barbados por 1-0, já não tinha como chegar ao primeiro lugar, que era o único que dava o apuramento.

    Nesse último jogo, Barbados tinha que vencer por dois golos de diferença para chegar à fase final da quinta edição da Caribbean Cup. Já consegue imaginar o que aconteceu a seguir?

    Um jogo para a história

    No dia da decisão, tudo parecia decorrer dentro dos parâmetros habituais das competições desportivas. Em Saint Michael, a seleção da casa celebrou dois golos e chegou à vantagem de que precisava para saltar diretamente de último para primeiro no Grupo A.

    Tudo mudou quando, aos 83 minutos de jogo, Grenada marcou. De repente, o marcador mostrava um 2-1 que não seria suficiente para aos objetivos da equipa que estava a vencer.

    Terry Sealey fez o famoso auto-golo, depois teve de defender ambas as balizas
    A seleção de Barbados partiu para o ataque, ciente de que tinha pouco tempo para recuperar a vantagem de dois golos, mas à medida que o relógio se aproximava do fim, surgiu uma nova ideia... Marcar um auto-golo!

    Foi isso que aconteceu já perto do apito final, quando Terry Sealey, defesa barbadiano, trocou a bola com Horace Stoute, guarda-redes, até atirá-la para dentro da sua baliza de forma intencional.

    A reação dos adeptos e adversários foi de pura confusão, mas, a seu tempo, a seleção de Grenada apercebeu-se do significado do que estava a acontecer. Também eles podiam evitar o prolongamento e festejar o apuramento se marcassem qualquer golo! Foi assim que, nos poucos minutos que restavam do jogo, a seleção visitante batalhou para fazer um golo ou um auto-golo, enquanto Barbados defendia heroicamente as duas balizas.

    No fim, o empate manteve-se e o jogo foi empurrado para prolongamento, onde Trevor Thorne marcou pela seleção de Barbados um golo de ouro que, a dobrar, elevou o marcador para 4-2. Absolutamente épico!

    Tira de banda desenhada sobre o famoso episódio @Fubol Club de Lectura

    Barbados venceu, Grenada explodiu

    O que é hoje um divertido e quase lendário conto do desporto, pela forma como parece tirado de uma fábula desenhada para ensinar os mais pequenos a pensar fora da caixa, foi, então, visto como um ultraje.

    O selecionador nacional de Grenada, foi certamente um dos que mais efusivamente criticou as regras e o uso das mesmas, na conferência de imprensa que se seguiu ao jogo:

    «Sinto-me enganado. A pessoa que criou estas regras deve ser colocada num manicómio. O jogo nunca deveria ser jogado com tantos jogadores a correr pelo campo em confusão. Nem sabíamos em que direção atacar!», atirou, nesse dia, James Clarkson.

    A FIFA optou por não penalizar Barbados, uma vez que se limitaram a seguir as regras da competição, mas certo é que a regra não demorou muito tempo a ser riscada. Desde aí, o episódio foi contado e recontado em livros de lei desportiva, motivando a cautela de quem desenha novas regras, de forma por vezes leviana.

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    jogos históricos
    U Quinta, 27 Janeiro 1994 - 00:00
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