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    Serie B 2011/12
    Tragédias

    A trágica história do malogrado Piermario Morosini

    Texto por Ricardo Lestre
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    «Perdi a minha mãe há quatro anos [2008] e, por ele ter já ter passado por isso, era muito chegado a mim. Foi chocante ver as imagens na televisão. Ele queria levantar-se, mas caía. Quando vês isso, a única coisa que podes fazer é rezar ao Senhor para te dar uma mão».

    - Antonio Di Natale.

    Provavelmente, o nome Piermario Morosini diz-lhe muito pouco. Ou até pode dizer-lhe muito, caso se recorde do negro 14 de abril de 2012. A trágica história deste futebolista italiano é tão arrepiante que dá calafrios a quem procura encher-se de coragem para a contar. Respire fundo, esqueça tudo o que passa pela sua cabeça durante alguns minutos e, assim que terminar este texto, pare, reflita e avalie a sua vida, o seu bem mais precioso…

    qDepois de uma tragédia destas, o futebol deve refletir. O Piermario ensinou-nos que devemos enfrentar as adversidades da vida com um sorriso
    Cesare Prandelli, ex-seleccionador italiano
    Na Serie B – segundo escalão do futebol italiano –, Pescara e Livorno encontravam-se na jornada 35 com dois objetivos distintos. Os da casa, comandados pelo icónico Zdenek Zeman, lutavam pela subida de divisão – acabaram por se sagrar campeões -, ao passo que os visitantes tinham a manutenção na mira (escaparam por um ponto aos lugares de play-off de despromoção).

    A crónica pouca relevância teve e tem nos dias de hoje, até porque o jogo terminou mais cedo, com gritos, lágrimas e um 0x2 no marcador. As atenções, os holofotes e, sobretudo, as memórias vão diretamente para o minuto 31. Esse sim, congelou Itália, o futebol e o mundo. 

    Morosini, médio do Livorno de 25 anos, revelou, subitamente, dificuldades para manter-se em pé. Caiu uma primeira vez e levantou-se de seguida. Sofreu uma segunda recaída, mas conseguiu evitar a queda. À terceira, perdeu a batalha. O pânico instalou-se de imediato. Segundo o longo relatório final da autópsia, o futebolista faleceu devido «a uma miocardiopatia arritmogénica», uma doença genética rara que transforma progressivamente as células musculares do coração em gordura. «É muito difícil de detetar e o rapaz não tinha qualquer sinal de doença», revelou a perita Cristiana Basso, meses mais tarde.

    A vida no futebol e a tragédia familiar

    Morosini nasceu a 5 de julho de 1986, em Bérgamo, e o seu início de carreira não deixou ninguém indiferente. Formou-se na famosa academia da Atalanta, Centro Sportivo Bortolotti, e chegou a ser visto como um «menino de ouro». Estreou-se aos 15 anos pela seleção italiana sub-17, fez parte da equipa Primavera (sub-20) que perdeu a final de 2005 para a Roma e, um ano mais tarde, aos 20, estreou-se pelos sub-21, tendo, em 2009, disputado o Euro na Suécia devido ao bom rendimento mostrado no Vicenza. 

    Morosini com a camisola do Livorno @Getty / PIERANUNZI LUCIANO
    Anos antes, a Udinese já se havia rendido e investido na sua aquisição. Não vingou como bianconeri, viveu algumas etapas como emprestado e saiu, mas o presidente, Giampaolo Pozzo, chegou mesmo a descrevê-lo como o «modelo profissional».

    Piermario Morosini era um homem pacato e com um grande coração. Dentro das quatro linhas era, acima de tudo, um jogador correto: em mais de 100 encontros disputados, quase todos nos escalões secundários, recebeu um único cartão vermelho, por acumulação. Quem privou de perto conta que, apesar de reservado, era a simplicidade em pessoa e contagiava facilmente todos os que o rodeavam com um sorriso. Uma personalidade construída e moldada face às tragédias sofridas na adolescência que viraram a sua vida de pernas para o ar...

    «Estas coisas mudaram a minha vida e deixaram-me zangado, claro. Ao mesmo tempo deram-me a motivação para alcançar aquele que era o sonho dos meus pais: ver-me feliz no futebol», afirmou, em 2005, numa das raras entrevistas concedidas.

    Piermario Morosini
    Serie B Italiana
    137 Jogos  10995 Minutos
    2   32   0   12x

    ver mais �
    Morosini não era tipo de abrir a alma e fê-lo, sem receio, para enfrentar e revelar o seu drama familiar. Em 2001, aos 15 anos, perdeu a mãe, Camila. Dois anos mais tarde, Aldo, pai e melhor amigo, também faleceu. Meses depois, teve de lidar com o suicídio do irmão mais novo, Francesco, deficiente motor e que dependia da sua ajuda.

    Ainda bastante jovem, e desamparado, passou a tomar conta da irmã, Maria Carla, também ela fisicamente incapacitada, e agarrou-se ao futebol com unhas e dentes para poder viver desafogado.

    O que podia ter motivado fúria e raiva transformou-se, precisamente, no oposto. Até esse maldito 14 de abril de 2012, um dos dias mais negros da história do calcio...

    As polémicas

    A morte de Morosini, a caminho da unidade hospitalar, motivou o adiamento do campeonato italiano e chocou o planeta. Foram várias as declarações, os reports e as teorias. Algumas mais consistentes que outras.

    @Padova
    Relatos dizem que os media souberam do óbito do jogador pela «explosão de gritos e lágrimas» dos companheiros de equipa que se haviam deslocado ao hospital Santo Spirito, em Pescara.

    «Infelizmente, transmitiram-me a informação de que ele sofreu três ataques cardíacos de rápida sucessão. Estou sem palavras. É uma tragédia, não se pode morrer com esta idade num campo de futebol». Este era o estado de espírito de Daniele Sebastiani, presidente do clube da cidade, após a confirmação.

    Mais tarde, a procuradoria de Pescara abriu uma investigação e levou os quatro médicos envolvidos - médicos dos dois clubes, um paramédico e um clínico do hospital - nas tentativas de reanimação a julgamento por prestação de «ajuda inadequada», uma vez que a não utilização de desfribilhador e o «socorro desorganizado» terão tido influência no processo de salvamento.

    Para além disso, chegou-se a colocar em causa - entretanto o facto foi descartado - a presença de um carro de polícia na porta do estádio que atrasou a chegada da ambulância ao relvado, algo que, inicialmente, suscitou imensa polémica.

    '25' para a história

    Livorno e Vicenza retiraram e eternizaram o número 25. Itália uniu-se numa gigante homenagem a um lutador. Um lutador com um sorriso contagiante, tal como Pierluigi Casiraghi, treinador de Morosini nos sub-21, fez questão de lembrar.

    Com a camisola da Atalanta @Atalanta
    «Todos os treinadores gostariam de ter um jogador como o Piermario. Era um jogador modesto e um ótimo exemplo para os colegas de equipa», começou por dizer

    «Estive com ele durante dois anos na seleção nacional. Jogou o Euro 2009 na Suécia, inclusive a meia-final. Era um tipo calmo, pacífico e aos 20 anos ele já era muito maduro para alguém com essa idade, tendo em conta tudo o que lhe havia acontecido», acrescentou.

    «Nunca deixou que as tragédias familiares tivesse peso sobre ele e estava sempre a sorrir. Vou lembrar-me para sempre do sorriso dele. Dentro de campo era um médio certinho, algo que espelhava a sua personalidade, e sabia fazer de tudo. Também era um colega de equipa fora do campo e não era daqueles que viviam de forma excessiva. Ele gostava do seu trabalho e era muito profissional. Ele era assim porque sabia que tinha de suportar o resto da família», finalizou.

    Eterna maglia @Getty / Laura Lezza
    No «resto da família» estava incluída a irmã mais velha, incapacitada por um grave problema psicológico que a levou a permanecer durante vários anos numa instituição psiquiátrica de Bérgamo. A Udinese e, sobretudo, Antonio Di Natale, encarregaram-se de cuidar de Maria Carla e o ex-avançado assumiu a sua custódia.

    «O Mario [Morosini] era como um irmão para mim. Gostava dele de uma forma especial por tudo o que ele sofreu e por ser um rapaz espetacular. A irmã era tudo para ele», disse o internacional transalpino aos canais do clube, antes de rematar: «É fulcral que fiquemos ao lado da irmã do Piermario durante o resto da sua vida. Ela precisa de nós e nós queremos ajudar. Pela Maria Carla e pelo Mario, irei ficar ao seu lado o resto da minha vida».

    Os conflitos entre a vontade humana e os desígnios inelutáveis do destino são constantes e o destino foi cruel para com Piermario Morosini. Uma vida madrasta, repleta de tragédias que nenhum ser humano merece enfrentar. Para a eternidade fica a imagem do rapaz jovem e cheio de alegria que morreu tragicamente a fazer o que amava para orgulhar a família. Por tudo isso, o seu legado é indelével.

    Sempre con noi, Piermario Morosini.

    @Getty / Laura Lezza

    Comentários

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    motivo:
    GP
    Piermario Morosini
    2020-04-15 12h51m por Gprof_isBack
    Esta la em cima a sorrir ao lado de Davide Astori. Enfim que estejam em paz!
    Morosini
    2020-04-15 00h22m por manueldesousa
    DRAMÁTICA história de vida e um EXEMPLO, até ao fim!
    Para ser SEMPRE recordado!
    jogos históricos
    U Terça, 15 Maio 2012 - 19:45
    Stadio Adriatico
    Silvio Baratta
    0-2
    Federico Dionisi 4'
    Luca Belingheri 12'
    Estádio
    Stadio Adriatico
    Lotação19500
    Medidas105x68
    Inauguração1955