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    La Liga 2007/2008
    Tragédias

    Sevilhista até morrer: A trágica história de Antonio Puerta

    Texto por Hugo Filipe Martins
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    Quem passa por Sevilla sente imediatamente o espírito da cidade no que toca ao futebol. É vivido de forma intensa, com paixão entre os dois grandes clubes da região: Betis e Sevilla. A rivalidade entre estes dois emblemas já atingiu níveis preocupantes, mas um dia tudo mudou. Um dia de tristeza, muitas lágrimas e de uma união nunca vista até então. O dia da morte de Antonio Puerta.

    Depois de três dias no hospital a confirmação do falecimento do jogador de apenas 22 anos chocou o mundo do futebol e uniu toda a cidade. Sevilhistas e béticos, numa altura em que a rivalidade passava por um momento complicado, choraram juntos a partida de um dos seus, porque Puerta era de Sevilla e a perda era comum. A história e as imagens arrepiam, o sofrimento de Mar Roldán, namorada de Puerta, grávida de sete meses, não deixa ninguém indiferente.

    Antonio Puerta nasceu a 26 de novembro de 1984, no bairro de Nervión, a poucos metros do Ramón Sánchez Pizjuán e apesar de o pai ter chegado a jogar numa filial do grande rival do Sevilla, o Betis, Puerta sentiu ligação imediata com os Blanquirrojos, muito graças ao seu avô e prometeu que seria «sevilhista até à morte». Foi assim quando, a 28 de agosto de 2007, por volta das 14h30 espanholas, partiu.

    Com o Sevilla no coração

    Não é fácil contar a história do falecimento de Antonio Puerta, um esquerdino de 22 anos a viver a melhor fase da carreira, recentemente chamado à seleção, um dos principais responsáveis pelo melhor período da história do Sevilla. Por isso avisamos que também não vai ser fácil ler os próximos parágrafos, quer esteja a conhecer a história pela primeira vez, quer esteja a recordá-la.

    Ao minuto 29 da primeira jornada da Liga Espanhola, num Sevilla x Getafe, Antonio Puerta foi em perseguição de Pablo Hernández e quando a bola saiu pela linha de fundo caiu inanimado. Palop e Dragutinovic foram rapidamente ao auxílio do colega de equipa para o impedir de trincar a própria língua. Enquanto isso a preocupação instalou-se no Ramón Sánchez Pizjuán. A equipa médica apressou-se a chegar ao local para prestar auxílio ao jogador sevilhano, mas poucos esperavam que instantes depois Antonio Puerta deixasse as quatro linhas pelo próprio pé e chegasse inclusivamente a falar com um dos médicos.

    Enquanto o lateral/médio interior se foi levantando, um membro da equipa técnica fez sinal a Juande Ramos, treinador do Sevilla, a pedir substituição. Antonio Puerta não estava bem e os sinais dados pelo jogador quando este se levantou foram enganadores. Encaminhado diretamente para o balneário, Puerta saiu debaixo de aplausos e o jogo continuou, mas a aflição na zona do túnel e do exterior do estádio tornou-se cada vez maior.

    Mais de 10 mil pessoas no funeral @Getty Images

    A última imagem de Puerta no relvado tinha sido algo animadora, mas poucos minutos depois um funcionário do Sevilla saiu do túnel a gritar por uma ambulância. Antonio Puerta tinha sofrido uma paragem cardiorrespiratória quando se baixou para desapertar as chuteiras. O socorro foi imediato e o desfibrilhador instalado nos balneários do Sevilla, juntamente com a prontidão dos médicos, salvou Puerta da morte imediata. O espanhol foi então transportado de ambulância para o Hospital Sagrado Corazón, mas na viagem teve mais uma paragem cardiorrespiratória. Ao chegar ao hospital, já depois de uma massagem cardíaca na ambulância, os médicos consideraram o estado do jogador do Sevilla como «muito grave» e decidiram transferi-lo para os cuidados intensivos do hospital Virgen del Rocío.

    «Tivemos sorte, as máquinas e os médicos do clube conseguiram recuperá-lo, passámos por momentos terríveis. A vida de Puerta esteve em risco». Estas foram as palavras de José María del Nido, presidente do Sevilla na altura. Poucos pensavam na carreira futebolística do internacional espanhol, mas sim na sobrevivência. No entanto, o pior veio a confirmar-se. Depois de cerca de três dias no hospital e com a equipa em Atenas para realizar uma pré-eliminatória da Liga dos Campeões, a notícia que ninguém queria receber surgiu. Às 14h30 espanholas, Antonio Puerta morreu. Os relatos de Espanha afirmam que ao todo o jogador sofreu nove paragens cardiorrespiratórias e que apesar dos esforços dos médicos – esteve em coma induzido – Puerta não aguentou mais e partiu.

    Os sinais e a despedida

    Era a segunda vez que o futebol espanhol passava por uma tragédia semelhante. Era também a segunda vez que isto acontecia com o Sevilla. Em 1973, no estádio do Pontevedra, Pedro Berruezo faleceu com os mesmos problemas que Antonio Puerta. A morte foi em tudo semelhante e os sinais que a antecederam também. É que a morte de Antonio Puerta causou alguma polémica, não pela forma como os médicos agiram naquele jogo com o Getafe, nem nos dias que se seguiram, mas sim pelo que se passou antes. Isto porque houve dois sinais de alerta antes do sinal fatal.

    Nessa pré-época, no verão de 2006, Antonio Puerta já tinha perdido os sentidos duas vezes. Uma delas num treino da equipa de Sevilla, outra no intervalo de um jogo particular diante do Badajoz, em que acabou mesmo por cair nas escadas que davam acesso aos balneários. Nesse dia, Puerta não voltou ao relvado e os responsáveis médicos do clube de Sevilla fizeram vários exames para perceber o estado de saúde do seu jogador, entre os quais uma TAC e uma ecocardiografia. Os testes não detetaram qualquer problema e, 20 dias antes do jogo com o Getafe, Puerta foi bem-sucedido nas várias provas de esforço a que toda a equipa foi submetida. Os dois desmaios anteriores acabaram por ser atribuídos ao calor do verão de Sevilla e Puerta continuou a treinar normalmente para preparar o início de uma temporada que prometia.

    A cidade de Sevilla uniu-se para chorar a morte de Puerta @Getty Images

    Poucas semanas depois, Puerta não deu mais sinais. Aquela queda no relvado, o erguer como última esperança e o sofrimento nas cerca de 72 horas que se seguiram levaram uma das principais promessas da formação do Sevilla, que, veio a saber-se, morreu devido a uma displasia arritmogénica do ventrículo direito, uma doença hereditária, que fugiu aos exames e deixou uma dor enorme nos mais próximos de Antonio Puerta – a mãe e o irmão assistiram à cena inteira nos balneários -, nos que não o que conheciam pessoalmente, nos eternos rivais do Betis e naqueles que viriam a seguir, como o filho que nasceu dois meses depois. Aitor Antonio Puerta não teve oportunidade de se despedir do pai, mas terá ficado emocionado quando, anos mais tarde, viu as imagens das 10 mil pessoas que acompanharam o funeral.

    Enquanto tudo isto foi acontecendo, a equipa do Sevilla continuava na Grécia a tentar o adiamento do jogo com o Olympiacos, concedido depois de uma reunião em que o capitão de equipa, Javi Navarro, foi frio e intransigente. Em sofrimento, a equipa regressou à Andaluzia para se despedir do colega e encontrou uma cidade em lágrimas, não apenas vestida de vermelho, mas também de verde. As imagens de um adepto do Sevilla a consolar um “rival” do Betis marcaram o dia e repetiram-se várias vezes (o autocarro do Betis, assim como o do Sevilla, foi aplaudido à chegada). Com camisolas de clubes rivais, todos choraram a morte de um jovem da cidade, com muito para dar ao futebol e à família. «Puerta, amigo, Sevilla está contigo» e o hino do Sevilla, cantado por sevilhistas e béticos. Uma imagem nunca antes vista e que foi encarada como o último grande golo de Antonio Puerta, que, na despedida, uniu Sevilla, Espanha (vários clubes fizeram representar-se no futebol, com destaque para a presença de Sérgio Ramos, amigo de infância de Puerta e jogador do Real Madrid) e o mundo do futebol.

    «La zurda de Diamantes»

    Apesar da curta carreira, Puerta, «la zurda de diamantes», como ficou conhecido, transformou-se numa lenda do Sevilla. Foi graças à canhota de Puerta (zurda, em espanhol) que o Sevilla conseguiu marcar presença na final da Taça UEFA. Jesús Navas cruzou da direita e Puerta, suplente utilizado, aplicou um forte remate de pé esquerdo, ao minuto 101 do prolongamento, que apurou o clube para a final que viria a ser ganha diante do Middlesbrough, a primeira final nos últimos 40 anos de história do clube. Esse momento abriu um ciclo de cinco títulos em apenas quinze meses – maio de 2006 a agosto de 2007 –, os cinco títulos da carreira de Puerta.

    Duas Taças UEFA, uma Supertaça Europeia, uma Taça do Rei e uma Supertaça de Espanha. Estes foram os títulos do currículo de um jogador que era visto com uma das principais promessas do futebol espanhol e que chegou, na altura, a ser o jogador mais bem pago saído da formação do Sevilla. Aos 21 anos, Puerta já tinha jogado na seleção espanhola, no apuramento para o Euro 2008 que a Espanha viria a conquistar. Juntamente com Jesús Navas e Sérgio Ramos, o esquerdino era uma garantia de futuro do Sevilla, onde chegou com apenas 9 anos, rejeitando a proposta do rival Betis.

    Depois de falecer, o Sevilla tentou retirar o número 16 com a intenção de voltar a ser utilizado caso um dia o filho de Antonio Puerta jogasse pelo clube, mas as restritas regras da Liga Espanhola no que toca à numeração obrigaram o emblema da Andaluzia a voltar atrás com a decisão, embora o número 16 seja apenas utilizado por jogadores que, tal como Puerta, tenham saído da formação. Ao longo dos anos foram várias as homenagens para «la zurda de diamantes». O Sevilla criou o torneio Antonio Puerta e na cidade, junto ao estádio Ramón Sánchez Pizjuán, há uma rua chamada Antonio Puerta, uma estátua em sua honra e ainda uma escola de futebol chamada Centro Desportivo Antonio Puerta. Nas finais em que participa, Sérgio Ramos faz questão de vestir uma camisola com o nome do amigo por baixo da sua e Jesús Navas, quando regressou a Sevilla, não hesitou em usar o número 16 em honra do seu amigo de infância, com o qual chegou mesmo a partilhar quarto.

    Puerta tinha o sonho de, um dia, jogar no Manchester United, depois de se afirmar como lenda no Sevilla do seu coração, mas, aos 22 anos, com o símbolo do Sevilla ao peito, foi o coração que o levou: «Sevilhista até à morte».

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    jogos históricos
    U Sábado, 25 Agosto 2007 - 21:00
    Turienzo Álvarez
    4-1
    Jesús Navas 46'
    Luís Fabiano 67'
    Frédéric Kanouté 70'
    Aleksandr Kerzhakov 83'
    Pablo Hernández 3'