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Visão de jogo
Pedro Silva
2018/01/23
E0
Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

Com a época desportiva praticamente a meio é possível fazer alguns balanços sobre o que vem acontecendo, o que mudou e o que se mantém, procurando perceber os “como” e os “porquê”. Dentro de uma época desportiva cabem muitos altos e baixos, momentos distintos de euforia e depressão, onde tudo é posto em causa ou onde se consagram os campeões. Por isso se diz que “o futebol é o momento”.

Se queres conhecer o passado, examina o presente que é o resultado. Se queres conhecer o futuro, examina o presente que é a causa. - Confúcio

Analisemos o momento do futebol europeu: o presente como resultado, procurando depois as causas. O objeto de estudo é a comparação entre os campeões de 2017 e os atuais líderes das dez respetivas ligas, segundo a UEFA, as dez principais do velho continente.

Começando em Espanha, o Real Madrid de 2017 ganhou Campeonato, Liga dos Campeões, Supertaça de Espanha, Supertaça Europeia e Campeonato do Mundo de Clubes. Contudo, começa o novo ano em 4º lugar a 19 pontos do rival Barcelona.

Por terras de sua Majestade, o Chelsea, indiscutível campeão Inglês, é agora 3º classificado a 15 pontos do líder Manchester City.

Em Itália, a campeã Juventus está agora em segundo lugar, é certo que a apenas 1 ponto do líder Nápoles, mas começou a época num nível exibicional claramente inferior.

Na Alemanha, apesar do início de época atribulado, o Bayern retomou o caminho do sucesso e com Jupp Heynckes voltou ao topo da Bundesliga, que lidera com confortável margem de 16 pontos.

Em França, o Mónaco, campeão e semi-finalista da Liga dos Campões, segue em 4º lugar, bem atrás do novo líder PSG.

Na Rússia, o Spartak de Moscovo foi campeão na época passada e agora está a 8 pontos do novo líder, o Lokomotiv.

Em Portugal, o Benfica foi tetracampeão em Maio, somou a Taça de Portugal e em Agosto a Supertaça. Contudo, começa o novo ano no 3º lugar no Campeonato e fora de todas as outras competições.

O Shakhtar Donetsk de Paulo Fonseca, campeão ucraniano, dobra o ano na liderança e continua na rota do sucesso, à frente do rival Dynamo Kyev.

Na Bélgica, o atual campeão Anderlecht, está agora em 3º lugar, bem distante do líder Club Bruge, que segue isolado na frente da Liga.

Por fim, na Turquia o Besiktas é o campeão em título e está atualmente na 4º posição, correndo atrás de Fenerbahçe, Galatasaray e Basaksehir, o surpreendente líder.

Resumindo: das dez equipas que lideram as dez principais ligas europeias, apenas duas são campeões em título: Bayern e Shakhtar. Mais do que um facto curioso, é um facto que merece ser estudado.

Já sabemos quão difícil é gerir o fracasso num contexto tão competitivo como o Futebol atual, mas… será que é mais fácil gerir o sucesso? Que impacto tem nas equipas, nos treinadores, nas estruturas diretivas, a conquista de títulos? Como são geridos os bons momentos e os estados de euforia? Esta é uma pergunta importante porque, se por um lado, perante o fracasso é inevitável mudar (treinadores, táticas, jogadores… até dirigentes) e fazer algo diferente, por outro lado, perante o sucesso... o que acontece?

Será que em equipa que ganha… também se mexe?!

O sucesso é um mau perdedor: seduz pessoas espertas a pensarem que não podem perder. – Bill Gates

Ao nível do foco, da motivação e da confiança, quer para treinadores quer para jogadores, é completamente diferente trabalhar com o conforto das vitórias do que com a pressão das derrotas. É evidente que gerir o fracasso é mais sensível, mas gerir o sucesso é mais exigente. São duas formas distintas de trabalhar a equipa, de passar a mensagem, de mobilizar energias.

Perante os exemplos anteriormente apresentados, que razões podem existir para justificar que 80% dos campeões em título nas principais ligas europeias, não consigam a esta altura, manter-se no topo?

O que será que não fizeram 80% dos campeões em título? Que erros cometeram? Quantos ainda vão a tempo de corrigir e vencer novamente?

Tu escalas para alcançar o cume mas, uma vez lá chegado, descobres que todos os caminhos te levam para baixo.” - Stanislaw Jerzy Lec

Vamos às causas:

Uma das principais é o factor concorrencial. Quando uma equipa ganha, assim como quando uma marca assume a liderança de um mercado, torna-se o principal alvo a abater. Essa passa a ser a referência sobre qual recai maior atenção, gerando também maior pressão e elevando ainda mais as expectativas, servindo aos seus rivais de objeto de estudo para copiar boas práticas, perfis de liderança, perfis de jogadores, metodologias de intervenção, posicionamento e abordagens ao mercado, etc.

Além disto, quando uma equipa atinge um elevado nível, de desempenho e resultados, consumado com a conquista de títulos, é normal ver cobiçados alguns dos meus melhores jogadores e treinadores, aproveitando para fazer negócios que reforçam a estabilidade financeira. Desta forma, consumam-se as saídas de alguns dos melhores elementos, que implicam mudanças… e as mudanças implicam um novo processo coletivo de adaptação, ao qual corresponde normalmente uma descida do rendimento até que os novos processos (e os novos elementos) se estabilizem e encontrem o caminho do sucesso.

Enquanto organismo vivo e dinâmico, tal e qual como os seres vivos, uma equipa precisa de se alimentar, diversificar e renovar.

Para se alimentar, a equipa precisa de ter sempre um novo objetivo para atingir, principalmente decomposto em pequenos objetivos intermédios, cuja concretização sirva de reforço, celebrando as pequenas vitórias, mantendo elevados os níveis de motivação e confiança para as grandes conquistas.

Além disto, a equipa precisa de diversificar, ou seja, manter uma constante necessidade de aprendizagem, facilitada pela inovação e pelo cultivo da criatividade, através da variação de estímulos, em treino e em jogo. Jogador, equipa e treinador nunca se podem sentir como um produto acabado, impossível de melhorar ou de alterar, mas sim como algo que todos os dias está a ser desenvolvido e aprimorado, corrigindo lacunas, potenciando valências e procurando algo diferente que complete as suas competências e rotinas.

Por fim, mesmo numa dinâmica de vitórias, a equipa precisa de se renovar e isso acontece com a antecipação da entrada de novos elementos que ofereçam à equipa outras características, outras soluções, precavendo eventuais saídas, promovendo o rejuvenescimento da equipa e do plantel com a entrada de elementos novos ou mais jovens. Para alguns treinadores, plantar árvores das quais nunca irão colher frutos. Para outros, dar experiência aos potenciais, para que se tornem mais competentes e melhor preparados, mesmo que o seu papel principal não esteja previsto para o presente, mas sim para o futuro.

Olhemos para os campeões de 2017: será que se alimentaram, diversificaram e renovaram? Uma equipa, mesmo na plenitude do sucesso, que não se alimente, não diversifique e não se renove, começa a perder enquanto está a ganhar. Os resultados evidenciam muita competência mas também camuflam muita falta dela.

Gerir o sucesso é mais exigente do que gerir o fracasso: requer um trabalho distinto, requer estar um passo à frente de tudo e de todos: manter a fome de vencer e saber como alimentar a equipa; promover a necessidade de aprender e por isso diversificar os métodos; construir o futuro renovando a equipa de hoje para ter uma melhor equipa amanhã.

Fazer isto quando se perde é necessário; fazer isto quando se ganha é opcional. É esta opção que distingue os que ganham dos que continuam a ganhar.

Somos o que fazemos repetidamente. A excelência é um hábito, não um feito.” – Aristóteles

Por tudo isto, acredito que em equipa que ganha… também se mexe!... Porque se os jogadores mudam, se a equipa muda, se os adversários mudam, se os constrangimentos mudam… o errado é continuar na mesma.



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