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2024/03/18
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«O Futebol sob uma perspetiva de cultura pop»

O Tempo, esse grande juiz - como diz Marguerite Yourcenar. O futuro a definir e a reinventar a dimensão do Passado, como terá dito o mago argentino Jorge Luís Borges.

Foi uma semana intensa para a Oitava Arte. Algumas coincidências: com 20 anos, a eliminatória dos oitavos da Champions que iniciou a caminhada final para o Mónaco, em Gelsenkirchen; e a recordação da inacreditável receção da equipa que eliminou o Aberdeen, em 1984, e foi recebida em plena pista do então limitado «Aeroapeadeiro» de Pedras Rubras, transformado em São Bento aéreo.

Essas memórias, entre tantas outras, cruzam-se com a partida no que costumo chamar o Comboio do Big Adios de Jaime Fernandes, o célebre locutor da produtora Quadrante Norte que, sob a direção de Ilídio Inácio, reinventou a reportagem radiofónica nacional com repórter de pista, comentadores e os delirantes relatos de Gomes Amaro - também ele falecido recentemente.

Jaime Fernandes foi, durante muitos anos, a Voz da Feira do Livro do Porto. Teve um papel fundamental na minha carreira mediática e não poderia deixar de manifestar-lhe neste momento a minha gratidão. Chegados aqui, outra das memórias da semana foi a bizarra final de Basileia de 1984, perante uma Juventus com os seus tiques de Vecchia Signora e uma equipa ultra «mimada», num Estádio St. Jakob praticamente lotado por tiffosi da Velha Guarda - um ano depois, aconteceria o desastre de Heysel, em que muitos dos que estiveram em Basileia e outros fãs do histórico Liverpool construíram uma das noites mais horríveis da História do Belo Jogo.

Poderão, e concordo, tentar estabelecer todas as ligações (e memórias pessoais) que construo como se fossem um guião aparentemente sem ligação.

Mas, e como muitos sabem em especial os leitores habituais deste espaço de total liberdade narrativa, a cultura pop cruza-se e muito com o ponto de partida desta prosa. E o fabuloso escritor argentino Cortazar, na sua Rayuella ou Jogo da vida, poderia concretizar e ligar páginas distantes como no seu livro onde não há coincidências, mas sim energias que se manifestam.

Aqui chegado, qual seria a possibilidade de numa conferência/convívio na FNAC sobre os 50 anos dos AC/DC, todos estes nomes e momentos surgirem como se de um filme se tratasse? Zero, dirão, mas.. quase a começar mais um momento de café, conversa e sons, alguém se aproxima e me cumprimenta.

Durante alguns segundos fiquei com a sensação que conhecia aquele rosto... e assim era. Esteve nas Antas, onde seria substituído já no final por Vernelhinho, o mesmo que na Escócia marcou um dos golos mais «nevoeirentos» que algum dia pude celebrar. E esteve em Basileia, desta vez como suplente utilizado.

Chama-se José Alberto Costa, um Senhor que já conhecia mas que não reconheci imediatamente. Estava ali porque sabia da sessão que iria apresentar juntamente com o Miguel Quintão e, enquanto foi possível, conversamos sobre todas estas coincidências, a que junto uma informação nova: a arbitragem de um tal Adolf Prokop foi de tal ordem que a revolta (justa, mas real Politik) tomou conta dos dragões.

Soube mais tarde que a total superioridade numérica de tiffosi, e o contexto da época, poderiam colocar em perigo a intensa - mas modesta - falange de apoio dos portistas, em caso de improvável vitória.

Muitos ainda se lembram que o coração do excêntrico Zé Beto - e na altura vizinho - não resistiu e a suspensão de um ano, resultado dos protestos digamos, mais veementes, acabaria por ter consequências decisivas na sua carreira e quase em modo six degrees of separation poderia ter alterado a História do Futebol Português e de outra lenda, a quem presto a minha homenagem, Artur Jorge.

E ee o Rei tivesse abandonado a liderança da equipa, após o pesadelo monstruoso de 3 de outubro de 1984? Nessa tragédia desportiva, os rústicos galeses do Wrexham eliminaram o FC Porto, numa noite de tempestade de que fui uma das vítimas, ao fazerem o 4-3 que lhes deu a inacreditável passagem à fase seguinte.

Na baliza, onde deveria estar o suspenso Zé Beto, estava o jugoslavo Petar Borota, outro exótico keeper. A revelação final deste encontro casual com um dos meus heróis de juventude tem a ver com Zé Beto. O poderoso esquerdino revelou-me que o momento de paixão louca e revolta de quem sente só não escalou para outros patamares devido à sua intervenção.

Por vezes penso no que serão os estádios de imersão visual, tipo a Esfera de Las Vegas, e como lendas como o eterno Costa (e outras) podiam e deviam ser apresentadas aos mais jovens. Vamos a tempo? Espero que sim!



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