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Visão de jogo
Pedro Silva
2018/08/28
E0
Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

Na semana passada escrevi neste mesmo espaço que ‘o Vitória tem tudo a ganhar!... vencer o campeão em título em pleno Dragão, seria o quebrar de um início de época “apreensivo” de uma equipa de quem se espera futebol de qualidade e bons resultados…’.

Confesso até o seguinte: a meio da semana, em conversa com um amigo, dei-lhe o meu prognóstico: o Vitória vai ganhar ao Porto. Não que tenha qualquer tipo de interesse na vitória de uma ou outra equipa. E também não, não tenho contactos privilegiados lá em cima nem sou adivinho: era um feeling, assente naquilo que tinha visto de uma e de outra equipa. Adicionalmente, outra variável importante: estava convicto que o Benfica ia perder o dérbi da 2ª Circular - o que não se verificou exatamente assim, apesar de o empate servir melhor o Sporting que o Benfica – e isto podia servir de tónico para o Porto relaxar. Foi esta última o que aconteceu.

Naturalmente, quando o resultado está em 2-0 a favor do Porto, poucos pensariam que o resultado podia ainda inverter-se... Mas, no final, o meu feeling confirmou-se e o Vitória venceu mesmo no Dragão.

Antes desta jornada já tinha assistido a vários jogos de ambas as equipas e são, obviamente, muito diferentes as ilações retiradas sobre cada uma das dinâmicas. São ideias de jogo diferentes, de líderes diferentes, em clubes diferentes, de dimensões, históricos e objetivos diferentes, com um ponto comum: ambas querem ganhar à sua maneira.

Os modelos de jogo que cada uma das equipas apresenta são substancialmente diferentes e, como deve ser, refletem bem o estilo dos próprios líderes, as suas ideias, a sua personalidade. Víssemos jogar cada uma das equipas, sem camisolas nem outras informações, e seria fácil dizer qual das equipas era treinada por Sérgio Conceição e qual era treinada por Luís Castro. E ainda bem: é um sinal de identidade.

Na primeira jornada, após a goleada do Porto ao Desportivo de Chaves, em conversa com alguns colegas que também tinham visto o jogo, falávamos sobre alguns dados e do que tínhamos visto, e eu defendi uma ideia que gerou alguma controvérsia e muita divergência: mesmo nesse jogo, o Porto não jogou bem. ‘Jogou muito’, mas penso que não ‘jogou bem’.

Qual é afinal a diferença entre o ‘jogar muito’ e o ‘jogar bem’?

O Porto de Sérgio Conceição é uma equipa idealizada, construída e treinada para ‘jogar muito’, ou seja, para atacar muitas vezes e de forma rápida, para interpretar o jogo e as suas oportunidades numa perspetiva vertical, para acelerar o jogo nos movimentos interiores de Brahimi, na profundidade de Marega, no jogo interior com meia-distância de Herrera e Sérgio Oliveira, no envolvimento ofensivo de Alex Teles, por um lado, Ricardo/Maxi por outro. Muito sucintamente, foi assim que o Porto venceu o último campeonato… e bem!

Contudo, também desde o ano passado sinto que, por vezes, falta ao Porto ‘jogar bem’. A expressão ‘jogar bem’ não significa que, por oposição, o Porto ‘jogue mal’. Significa apenas que há muitos momentos do jogo em que tem dificuldade em adaptar-se e não ‘jogar muito’, não perder nem recuperar tantas bolas, não verticalizar, esticar, rematar, forçar… quando aquilo que o jogo está a pedir, e a proporcionar, é outro tipo de jogo: mais fluído sem ser lento, mais dinâmico sem ser agressivo, mais envolvente sem ser mastigado. O que tem acontecido é que, depois de um golo ou de uma vantagem, a equipa entra na vertigem: ou continua a ‘jogar muito’ – e pode criar uma goleada- ou não consegue‘jogar bem’ - e perde duas vezes a vantagem de dois golos. É uma equipa no abismo do jogo e do golo, o que é bom para o espetáculo, porque assenta numa grande quantidade de ações ofensivas e de oportunidades, mas que por vezes tem pouca qualidade, no processo e nas ações, traindo a sua própria equipa.

‘Jogar bem’ não significa ‘jogar bonito’, mas sim conseguir fazer aquilo que as circunstâncias momentâneas e contextuais do jogo (equipa, adversário, resultado, relvado, ambiente, fadiga, etc…) mais beneficiam a sua equipa. Para este Porto, significaria conseguir também fazer um tipo de jogo, com e sem bola, em que a equipa não cometa tantos erros, forçados e não forçados, como vinha cometendo e como mais uma vez cometeu. É certo que contra o Desportivo de Chaves, numa goleada 5-0, é mais difícil reparar nesses erros porque não deram oportunidades nem golos ao adversário, mas estavam lá. Com o Belenenses já foram mais evidentes e assustaram o marcador. Com o Vitória mantiveram-se e custaram caro.

Sérgio Conceição dizia no início de época que, para ser novamente campeão, o Porto precisava de manter intacta a sua capacidade e as ideias de sucesso do ano anterior. Verdade!... mas eu acrescento que talvez não seja suficiente: além de fazer o mesmo, a equipa terá de lhe acrescentar competências novas para enfrentar problemas antigos.



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