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Visão de jogo
Pedro Silva
2018/08/10
E2
Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

Começa hoje a Liga Portuguesa 2018-2019, herdando uma época anterior que foi pontualmente interessante e, em certos momentos, chegou a ser competitiva. Contudo, é fácil perceber que há ainda muito por fazer. Logo à partida para o novo campeonato, confesso um misto de sentimentos, positivos e negativos, e também de expectativas, ora em alta ora em baixa: vejo tantas ‘rosas’ como ‘espinhos’, poucas novidades animadoras e demasiado ‘mais do mesmo’.  

O que me interessa verdadeiramente é o futebol que teremos até fim de maio, nos 306 jogos que se seguem, nas ideias de jogo que se defrontarão e na qualidade dos que as executarão. Essa é que vai ser a nossa Liga!... ou será que mais importante é o que se joga cá fora?

Por que razão me interessa isto (e o que daqui advém) e por que razão me despoleta isto um misto de sensações e de expectativas? Simplesmente porque o nosso futebol continua cheio de contradições. Alguns exemplos:

- O Portugal campeão europeu de Seniores ocupava antes do Mundial o 4º lugar do Ranking FIFA mas tem apenas o 7º Ranking da UEFA para clubes e já nem coloca duas equipas diretamente na Liga dos Campeões;

- O Portugal campeão europeu de Sub-19, mesmo com equipas B e Sub-23 tem jovens valores a transbordarem para as divisões secundárias, continua a ser um país importador em grande escala, maioritariamente de jogadores sul-americanos e africanos;

- O Portugal reconhecido internacionalmente como berço de bons treinadores e de jogadores dotados tecnicamente, tem uma das Ligas europeias com menor tempo útil de jogo (menos de 50min por jogo);

- O Portugal que tem uma Federação em clara afirmação europeia, a nível desportivo e institucional, demorou 12 anos a resolver o ‘Caso Mateus’ e no fim das contas tem uma equipa no terceiro escalão com promoção garantida para a I Liga da próxima época. “Mas isto é antigo e vem de trás”… mas esperem.. então não é que esta semana, Santa Clara, Académica de Viseu e União da Madeira ainda andam às turras a ver quem tem razão? E, já agora, para quando estão previstas as novidades sobre os inúmeros casos que estão em investigação?

- O Portugal dos clubes titulados internacionalmente, tem no defeso dirigentes a apregoar, em boa retórica e cheios de demagogia, uma melhor cultura desportiva e mais elevação no relacionamento entre instituições, mas simultaneamente está mergulhado em ‘casos de polícia’, suspeitas de corrupção, emails, vouchers, relações promiscuas com claques, invasões de centros de treino de árbitros, invasões de academias de clubes, interrogatórios, escutas, detenções, fianças, liberdades condicionais, comunicados, silêncios… e, à primeira oportunidade, estão os mesmos dirigentes, com a maior das latas, a disparar para todo o lado, a lançar suspeitas sobre tudo e sobre todos. Já agora, quando acabarem e se forem capazes, digam sem se rir: “Foram eles que começaram!”

Afinal, qual é o nosso futebol, entre estas e outras incoerências?...

Quem cuida do nosso futebol quando cada clube cuida apenas de si?

Será que esta época o fosso entre grandes e pequenos vai diminuir? Quem acredita que a centralização dos direitos televisivos daria muito a ganhar a todos, principalmente aos mais pequenos? Mas para quê pensar nisso se cada um vendeu os seus direitos e esfregou as mãos de contente?

Será que esta época teremos mais equipas a apostar no futebol positivo para atingir objetivos em vez do tradicional ‘jogar para o pontinho’?

Será que esta época vamos ter mais jogos ao fim da manhã, de sábado e domingo, e menos jogos às 21h ou à 2ª feira à noite?

Será esta época que um país apaixonado por futebol vai ter mais gente nos estádios? Será que o preço dos bilhetes vai ser revisto? Será que teremos mais segurança, nesses mesmos estádios e à volta deles, para que as famílias possam ir tranquilamente?

Quem vai abrir o clube à comunidade? Quem se vai lembrar dos seus adeptos ao longo da época, evitando as típicas portas abertas na última jornada, em que estando quase a descer de divisão e com um futebol sofrível, decidem que afinal o público é importante?...

Será que é esta época que os clubes deixam de se queixar de regulamentos que votaram favoravelmente em assembleia geral da Liga?

Quando tencionam pensar no todo, em vez das partes? Quando vão perceber que além de sermos competitivos precisamos de ser colaborativos? Quem dá o primeiro passo e completa o verso: “Muito mais é o que nos une…”

Se é verdade que a Liga vai começar agora dentro de campo, também é verdade que fora dele já começou há muito. Pelo que se vê e se ouve, fora de campo, está tudo na mesma.

Contudo, a partir de hoje, a nossa Liga tem a oportunidade de mostrar um caminho diferente… para melhor. Um caminho de afirmação do futebol positivo, futebol de qualidade, futebol com prazer, futebol para a família e os amigos, futebol para outros públicos, outros povos, com melhores jogos, com mais tempo útil e menos faltas, com mais golos, mais adeptos, mais emoção.

Chegou a hora dos mais importantes: os treinadores e os jogadores.

Aos recém-chegados: sejam bem-vindos, sintam-se em casa!

Aos mais jovens: confiança rapazes, façam a diferença para melhor!

A todos e a qualquer um: pensem nos milhões de pessoas que contaram os dias até aqui chegarmos. Pensem no privilégio que têm por fazerem do futebol a vossa profissão. Pensem nas crianças que adormecem agarradas à bola e sonham fazer uma defesa com o mesmo estilo, um desarme com a mesma força ou marcar um golo com o mesmo remate. Pensem nos ‘velhotes’ que não largam o rádio e memorizam o vosso nome, mesmo que não saibam de onde vêm e como aqui chegaram. Pensem em todos os que tiram ao pão para pagar as quotas. Pensem nos que estão longe e a cada jogo se sentem mais perto.

Pensem em tudo o que sempre sonharam fazer… e façam!

Está tudo por fazer… façam o vosso melhor!



Comentários

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motivo:
LU
Bom artigo
2018-08-10 13h07m por luis_henrique
O maior problema para mim é mesmo o tempo de jogo útil. Ou se mudam as regras e passam a medir o tempo como no basquetebol ou a arbitragem tem mudar drasticamente.

Os árbitros são os maiores culpados pois assinalam qualquer faltinha fácil, assim o jogadores sabem que se perdem uma bola é só mergulhar para sacar a falta que provavelmente vai funcionar. O anti jogo continua a ser praticado de uma forma ridiculamente excessiva e é um absurdo como os árbitro em vez de punirem estes atos com cartões, só contribuem para a perda do tempo. . .
Pedro Silva - Comentário
2018-08-10 11h37m por Paddock10
Excelente artigo. Parabéns!

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