De Standard Football Club a Royal Standard Club Liégeois, foram vários os nomes do Standard Liège, um dos mais emblemáticos clubes da história do futebol belga. Com gerações de jogadores como Axel Witsel, Marouane Fellaini e Steven Defour, o clube de Michel Preud’homme conta com uma história gloriosa, afetada por um escândalo que arriscou a existência do clube, mas que o sangue português ajudou a ultrapassar.
A fundação e os primeiros anos
Em 1898, um grupo de estudantes do Colégio Saint-Servais decidiu fundar o Standard Football Club Liégeois. Com o descontentamento dos jovens em relação ao FC Liégeois na base da decisão, o nome do clube foi escolhido através de uma votação – Skill era a outra opção – e teve como inspiração o emblema francês Standard AC.
Joseph Dobatty foi eleito o primeiro presidente do clube, que atingiu a segunda divisão belga apenas cinco anos após a sua formação. A equipa disputou a primeira temporada no principal escalão belga em 1909, mas sofreu a despromoção poucos anos depois e só regressaria à primeira divisão em 1921. Desta vez, no entanto, à subida seguiu-se a estabilidade que estaria na base dos sucessos futuros.
A chegada do «Monsieur Standard» e as primeiras glórias
Pouco depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, Roger Petit, antigo jogador do clube, assumiu o cargo de secretário do clube, juntando-se ao presidente Paul Henrard. A dupla estava destinada ao sucesso, mas teve de esperar até 1954 – o ano seguinte à passagem de Petit a diretor do clube - para dar a primeira grande alegria aos adeptos do Standard, com a conquista da Taça da Bélgica.
Comandados pelo técnico francês André Riou, o Standard juntou à Taça o primeiro título de campeão belga na temporada de 1957/58, que levaria ainda o clube à primeira participação numa competição europeia, na época seguinte.
Até à data nenhuma equipa belga havia vencido qualquer partida na recém-criada Taça dos Clubes Campeões Europeus - fundada em 1955 -, mas o emblema de Liège estava destinado a mudar a história. Depois de eliminar o Hearts na 1ª pré-eliminatória, quis o destino que o Standard marcasse encontro com o Sporting na 1ª ronda, onde voltou a ter sucesso com um resultado agregado de 2x6, mesmo depois de uma primeira mão equilibrada (2x3). A caminhada só terminou nos quartos de final, aos pés do Stade de Reims, finalista vencido dessa edição.
Seguiram-se épocas de sucesso, com dois novos títulos de campeão em 1960/61 e 1962/62 e duas Taças da Bélgica consecutivas entre 1965/66 e 1966/67. A evolução do clube culminou ainda na chegada às meias-finais da Taça dos Campeões Europeus em 1961/62 – caíram aos pés do poderoso Real Madrid - e ainda às meias-finais da Taça das Taças, em 1966/67.
O triplete de René Hauss
Apesar do sucesso, a verdade é que, entre 1963/64 e 1967/68, o domínio interno pertenceu ao Anderlecht, com cinco campeonatos consecutivos. Em 1968 chegou ao clube um novo treinador, o francês René Hauss, com o intuito de alterar o panorama interno.
A resposta foi imediata, com o Standard Liège a sagrar-se campeão nacional logo no primeiro ano do técnico. Liderados pelo talentoso Wilfried Van Moer, seguiram-se mais dois títulos de campeões consecutivos, naquele que foi o primeiro triplete da história do clube.
Hauss ficaria em Liège até 1973 e, para além do sucesso interno, elevou ainda o nome do clube fora de portas, com duas chegadas aos quartos de final da Taça dos Campeões Europeus, eliminando, numa das quais, o todo poderoso Real Madrid, na 2ª ronda da prova.
A ciência de Raymond
A sucessão de Hauss não foi fácil, com vários técnicos a passar pelo clube sem sucesso, num total de oito temporadas sem conquistar qualquer título nas nove temporadas que seguiram o triplete (à exceção de um Taça da Liga em 1975).
A travessia no deserto chegou ao fim com o técnico austríaco Ernst Happel. Depois do vice-campeonato na época de estreia, Happel voltar a deixar o Standard na rota das conquistas ao vencer a Taça da Bélgica, em 1981, numa equipa que contava com o jovem Michel Preud’homme e com Luís Norton de Matos – o primeiro português a representar o clube.
O belga Raymond Goethals substituiu Happel no comando técnico do clube em 1981 e aproveitou da melhor forma o potencial de um plantel já sem Norton de Matos, implementando a sua filosofia e garantindo o bicampeonato (1981/82 e 1982/83) e ainda a conquista de duas Supertaças Belgas (1982, 1983).
O sucesso de Raymond-la-science não se ficou pelas provas internas, com o clube a atingir ainda a final da Taça das Taças em 1982. Numa caminhada que envolveu a eliminação do FC Porto nas meias-finais, o Standard foi derrotado pelo Barcelona no jogo decisivo (2x1), em Camp Nou.
O caso «Standard-Waterschei» e a quase falência
O enorme sucesso de Raymond Goethals teve um final precoce em 1984, com o rebentar do escândalo «Standard-Waterschei». Com o intuito de garantir o título belga e poupar os jogadores para a final europeia, o clube abordou o capitão do Waterschei para garantir que os restantes jogadores ofereciam o triunfo na última jornada.
O esquema foi descoberto e envolveu muitos jogadores importantes, como o capitão Eric Gerets, e o próprio técnico, que se viu obrigado a escapar para Portugal para evitar a suspensão – comandou o Vitória SC durante uma temporada. De resto, só três atletas escaparam às pesadas suspensões, que atingiram os seis meses: Guy Vandersmissen , Théo Poel e Michel Preud’homme.
O escândalo resultou ainda na saída de Roger Petit, o «Monsieur Standard», e numa seca de títulos, apenas quebrada com a conquista da Taça da Bélgica em 1992/93. O clube bateu definitivamente no fundo em 1998, com a quase falência, apenas evitada por um investimento de quase 25 milhões de euros do empresário suíço Robert Louis-Dreyfus.
A salvação e a ligação a Portugal
O investimento foi impulsionado por Lucien D'Onofrio, amigo pessoal de Robert Louis-Dreyfus, que assumiria o cargo de vice-presidente do clube. Apesar do investimento, o pódio era o mais perto que o clube conseguia chegar do tão desejado título, que continuava a escapar.
Muitos dos portugueses chegaram já em final de carreira ou em fases descendentes, como Jorge Costa ou Ricardo Sá Pinto, mas os nomes vão desde Dimas, a António Folha, Almani Moreira, Ricardo Rocha, Rogério Matias, Areias ou Nuno André Coelho.
O regresso à glória à boleia da geração de ouro
O tão desejado campeonato acabou por chegar 19 anos depois do último campeonato conquistado e 18 anos após o escândalo de resultados, em 2007/08. A época nem começou da melhor forma, com várias saídas importantes, a eliminação europeia precoce e trocas no comando técnico, mas Michel Preud’homme conseguiu mesmo devolver a glória ao Standard Liège, agora como treinador.
A geração de ouro do Standard conquistaria ainda duas Supertaças (2008 e 2009) e uma Taça da Bélgica (2010/11). A Taça de 2011 seria o último título da «Era D’Onofrio», que terminou no final dessa temporada, após a morte de Robert Louis-Dreyfus.
As mudanças no leme e a conquista com sotaque português
A Robert Louis-Dreyfus seguiu-se Roland Duchâtelet, mas a estadia foi curta e nada bem sucedida – para além de não conquistar qualquer troféu, o Standard ainda perdeu os principais atletas. O então vice-presidente Bruno Venezi assumiu a liderança do clube em 2015 e apresentou desde logo uma visão diferente, com um projeto virado para os sócios, inspirado no Barcelona.
Logo no primeiro ano de Venezi, os adeptos tiveram motivos para festejar, com a conquista da Taça da Bélgica (2015/16). Em 2017/18, Ricardo Sá Pinto regressou ao clube, agora como treinador principal, e conseguiu um excelente segundo lugar e novo sucesso nas taças, com a conquista da Taça da Bélgica, o último troféu ganho pelo clube, até à data.
No entanto, o técnico português apenas ficaria na Bélgica nessa mesma temporada e para o seu lugar foi um nome bem conhecido do futebol português, o antigo guarda-redes belga Michel Preud'Homme.
O antigo guardião do Benfica esteve no comando do Standard, equipa onde foi formado, até 2020 e acabou por ser substituído por Philippe Montanier, que, também apenas esteve ali durante uma época. A instabilidade exibicional e administrativa reinava na turma de Liège, que nunca conseguia realmente voltar à glória. O clube não mais voltou a conquistar títulos e o melhor que conseguiu no principal escalão do futebol belga foi um 4º lugar em 2018/19 e 2020/21.