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Gareth Bale: o golfista de Gales

Texto por Ricardo Miguel Gonçalves
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John Charles, Ian Rush, Ryan Giggs... A companhia é de luxo, mas absolutamente ninguém se atreverá a negar a Gareth Bale o estatuto de melhor jogador da história do País de Gales.

Teve altos e baixos, ao longo de uma carreira que começou cedo e durou 17 anos. Sofreu muito com lesões, que lhe privaram da diabólica velocidade que durante tanto tempo o caracterizou, e viu o seu amor pelo futebol questionado tantas vezes como aquelas em que decidiu jogos e competições.

Um hobbie que o apaixonava gerou a (pouco imaginativa) alcunha de golfista, que pegou e acabou por ser a fonte de muitas críticas, mas basta um olhar sobre o palmarés, onde constam alguns dos maiores galardões individuais e coletivos, para ter a certeza de que o futebol veio sempre em primeiro lugar. Com 225 golos e um total de 22 troféus (cinco Ligas dos Campeões), não sobra dúvida de que poucos na história foram melhores que Bale.

O mais jovem especialista em livres

Nasceu no ano de 1989, numa família em que o futebol já reinava. O tio, Chris Pike, jogava no Cardiff City e Gareth não demorou a seguir-lhe as passadas. Apesar da predisposição natural para bater recordes no atletismo, o talento para o futebol falou mais alto, e começou a jogar no Cardiff Civil Service já depois de ser proibido de utilizar o pé esquerdo na escola, pelo professor de educação física. Foi nesse pequeno clube que chamou à atenção do Southampton.

Um jovem talentoso @Getty /
Tinha apenas 16 anos quando foi chamado por George Burley a estrear-se (como titular!) na vitória por 2-0 sobre o Milwall, no Championship. Era o mais recente produto de uma das melhores formações do futebol britânico e comprovou-o no primeiro jogo da temporada seguinte, frente ao Derby County (2-2), no qual marcou o seu primeiro golo profissional na cobrança de um pontapé livre.

Se acha que estamos a falar dos primeiros momentos ofensivos de um dos melhores extremos na história do futebol, então desengane-se. Os primeiros anos da carreira de Bale foram passados sob o selo de um dos mais promissores laterais esquerdos do Mundo, e foi esse o papel que desempenhou no Southampton.

Não demorou muito tempo a ganhar a reputação de especialista na cobrança de bolas paradas e chegou à marca dos cinco golos em dezembro, mesmo a tempo de ser considerado o melhor jovem desportista galês do ano pela BBC, e no final da temporada foi eleito o Jovem Jogador do Ano no Championship, distinção que costuma ser (e foi) um bom presságio.

Nesse ano, os saints falharam a promoção à Premier League, caindo na meia-final do play-off, mas o menino Bale, de apenas 17 anos, conseguiu o salto para um dos maiores palcos do futebol: rumou ao Tottenham, a troco de quase 15 milhões de euros (com objetivos incluídos).

De lateral a extremo, de promessa a estrela

Era apenas um adolescente que chegava do segundo escalão e não havia grande confiança nas capacidades defensivas de Bale, de forma que pela primeira vez avançou no terreno, dividindo o tempo de jogo entre lateral e médio esquerdo no 4-4-2 dos spurs

Assim, o início em Londres foi exemplar. Logo ao segundo jogo na Premier League, frente ao Fulham (3-3), Bale estreou-se a marcar pela nova equipa. Na jornada seguinte, anunciou-se ao Mundo com um golaço de livre frente ao Arsenal (1-3), no primeiro North London Derby que disputou.

Tudo corria bem para o jovem, até que a sorte lhe trouxe a primeira lesão da carreira. A temporada terminou no segundo dia de dezembro e o regresso foi nove meses depois. Foi mais discreto em 2008/09, quase sempre a lateral, e começou 2009/10 na mesa de operações, pelo que foi necessária uma lesão de Assou-Ekotto para que reconquistasse a titularidade por completo. Regressou à melhor forma no fim da época, marcando em vitórias sobre Arsenal e Chelsea e acabou a temporada com três golos e 10 assistências. Aí, começava a sua melhor versão.

Londres, onde virou estrela @Getty /

Em 2010/11, Bale só jogou a lateral em raras ocasiões de necessidade. Era um extremo, dotado de invejável potência na forma como cada vez tinha mais força física para acompanhar a velocidade que o caracterizava, e a precisão no passe e finalização obrigavam qualquer treinador a colocá-lo em posições adiantadas.

Começou a temporada com um póquer de assistências frente ao Young Boys no play-off da Liga dos Campeões e deu continuidade ao bom momento na fase de grupos. Começou por marcar e assistir frente ao Twente, mas foi na visita ao Inter de Milão, campeão europeu em título, que Bale atingiu o estatuto de super estrela. Os spurs perderam 4-3, num jogo em que estiveram com 10 desde o oitavo minuto, mas o jovem galês fez a vida negra a Maicon, então considerado por muitos o melhor lateral direito do Mundo, e assinalou um hat-trick. Em casa, um bis de assistências frente a este mesmo adversário (3-1).

Foram 11 golos e 10 assistências, um total que lhe valeu um lugar na equipa do ano da UEFA e que Bale, surpreendentemente, conseguiu ultrapassar na temporada seguinte, com um total de 12 golos e 14 assistências. Em 2012/13, com 23 anos, afirmou-se de vez como um dos melhores jogadores do Mundo.

Já não era um lateral e toda a gente sabia disso, portanto pediu para mudar o dorsal de um 3 para o 11. Com essa camisola, marcou nada menos do que 26 golos, 21 deles na Premier League, prova em que foi considerado Jogador do Ano, e ainda registou 11 assistências. O Tottenham tinha nas suas mãos uma verdadeira máquina, com potencial para ser o melhor jogador da história do clube, mas falhou o apuramento para a Champions por um ponto e por isso a permanência de Bale não era uma garantia.

Sr. 100 milhões

Sem títulos no norte de Londres, à exceção de uma Taça da Liga conquistada enquanto estava lesionado, Bale foi à procura da glória. E quando o objetivo é esse, não há clube melhor que o Real Madrid. O craque galês foi a última peça de uma nova era de galáticos e o preço foi condizente com isso mesmo. A mudança para a capital espanhol foi a primeira transferência da história do futebol a superar os 100 milhões de euros, uma marca que, desde aí, já foi várias vezes ultrapassada.

Trio imparável @Getty / Denis Doyle
Foi convertido ao lado direito do ataque, de forma a poder utilizar o seu mágico pé esquerdo em terrenos interiores, e com Cristiano Ronaldo e Karim Benzema formou um dos tridentes ofensivos mais temidos na história do futebol: o BBC.

Encaixou como uma luva e a primeira temporada de blanco foi a melhor da carreira de Bale, com 22 golos e 17 assistências. Afinal, venceu a Liga dos Campeões e a Copa del Rey, marcando em ambas as finais (o golo na final dessa Taça de Espanha ficará para sempre na história, pela forma como Bale arrasou Bartra em velocidade). Houve lesões, um hábito que continuaria a piorar, mas a época ficou marcada por golaços de livre, hat-tricks e essa tão procurada glória. 

Começou a ser apelidado de «canhão» pela imprensa espanhola, quando começou a segunda temporada de forma exemplar. Em Cardiff, a sua cidade natal, foi figura na vitória sobre o Sevilla na Supertaça Europeia e poucos meses depois conquistou o Mundial de Clubes, o seu quarto título pelo novo clube e novamente com um golo na final.

Em janeiro de 2015 sofreu as primeiras críticas de adeptos, depois de um par de lances em que não assistiu Ronaldo e procurou o remate, mas foi defendido por Ancelotti e continuou a somar números impressionantes, mesmo que a La Liga continuasse a fugir para os rivais. Foi preciso chegar Zinedine Zidane para o Real Madrid subir ainda mais o nível, com Bale entre as figuras. O galês fez um hat-trick na estreia do novo treinador e essa temporada terminou com nova conquista da orelhuda, frente aos rivais de Madrid.

Inesquecível golo, numa final da Champions @Getty / David Ramos
Aí começou uma inesquecível série de três Ligas dos Campeões conquistadas consecutivamente, quatro em apenas cinco anos, embora não se possa dizer que Bale tenha sido integral para a de 2016/17. Passou grande parte da época de fora, devido a múltiplas lesões, e já tinha falhado o jogo do título (o primeiro!) na La Liga quando jogou os últimos 13 minutos da final frente à Juventus. No ano seguinte esteve em melhor forma física e terminou a temporada com 21 golos, incluindo um bis (e um mítico golo acrobático) na final da Champions, frente ao Liverpool (3-1).

Esse jogo épico, que voltou a colocar Bale no patamar de um dos melhores craques na história do futebol mundial, foi também o início de um notável declínio. Devagar, os números começaram a cair e a forma física também. Em sentido inverso seguiam as críticas, que aumentaram de ano para ano até que o galês foi cedido por empréstimo ao Tottenham de Mourinho.

Um regresso feliz a Londres, com 16 golos a jogar à direita de Kane e Son, embora o mesmo não tenha acontecido quando voltou a Madrid. As lesões continuaram e os minutos caíram a pique, tanto que não ultrapassou a barreira dos 300 minutos (apenas sete na Liga dos Campeões) e terminou a temporada com apenas um golo. Na final da sua quinta Champions ganha, ficou no banco, e assim se despediu dos adeptos merengues.

Rumou à Califórnia, como a boa superstar que é. «Não vim a pensar na reforma», disse na sua apresentação no Los Angeles FC, em julho de 2022, em janeiro de 2023, com apenas 12 jogos pelo clube norte-americano... reformou-se. Conseguiu, ainda assim, sagrar-se campeão na MLS.

@Getty / David Ramos

«Gales. Golfe. Madrid. Por essa ordem»

A frase acima é icónica e ficará para sempre associada à memória de Gareth Bale. Foi proferida por Pedrag Mijatovic, antigo jogador do real Madrid e Jugoslávia, em entrevista a um órgão de comunicação espanhol e... Pegou! Principalmente porque, para o olhar exterior dos adeptos, parecia realmente definir as verdadeiras prioridades de Bale.

 Mas porquê? Ora, por mais que a frase seja clara na ordem certa das prioridades, é bem mais fácil invertê-la para poder contar esta história da melhor forma.

Madrid surge como última prioridade porque o empenho e interesse de Gareth Bale no Real Madrid foi-se deteriorando ao longo dos anos passados no clube. Ou essa é, pelo menos, a perceção dos adeptos merengues. As críticas existiram desde o início, perante um britânico que nunca mostrou vontade de aprender a língua espanhola (embora, diga-se, Bale já tenha demonstrado que isso não é verdade), mas foi mais tarde que a relação com os adeptos descambou por completo...

A qualidade foi descendo, o empenho também, e os períodos de lesão cresceram tanto que começaram a ser associados ao hobbie favorito do camisola 11. Sim, aqui chegamos ao segundo ponto: golfe. Por essa altura, Bale já era apelidado (carinhosamente ou não) de golfista pelos colegas de equipa, depois de Thibaut Courtois ter começado a fazê-lo. Bale admitiu que não se importava com a alcunha e escondeu cada vez menos do público essa obsessão com a modalidade, ficando permanentemente associado à mesma.

Foi figura no Euro 2016 @Getty / Stu Forster
Por fim (ou início), Gales. O seu país foi considerado a maior prioridade de Gareth Bale, já que o jogador se afirmou como melhor da história galesa ano após ano, mesmo quando a forma não era melhor a nível de clubes. Deixou a seleção ao mesmo tempo que deixou o futebol, aos 33 anos, como o mais internacional e maior goleador na história do País de Gales (111 jogos, 41 golos).

Com a camisola da seleção, Bale estreou-se na idade recorde de 16 anos - mais tarde foi superado por Harry Wilson - e não demorou para ser também o mais jovem a marcar. Anos mais tarde, fez o que os seus heróis de infância não conseguiram e levou o País de Gales ao Euro 2016 (a primeira fase final desde o Mundial de 1958!) e foi uma das estrelas dessa competição histórica para o país, já que os galeses só caíram na meia-final frente ao eventual vencedor, Portugal.

Falhou o Mundial de 2018, mas voltou a marcar presença no Euro 2020 e voltou a passar a fase de grupos. O Campeonato do Mundo veio só em 2022, no Catar. Bale tornou-se no primeiro galês a jogar e marcar em ambas as provas, mas o penálti que converteu frente aos EUA acabaria por ser o único golo da equipa em toda a prova. Já matematicamente eliminado, foi substituído ao intervalo na derrota frente a Inglaterra, no que acabaria por ser o último jogo da sua carreira.

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Gareth Bale (WAL)
Gareth Bale (WAL)

Comentários

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motivo:
Um dos melhores da história?
2023-01-10 21h06m por ikercasillasbestgk
Um bocado exagerado não? Era um grande jogador, mas colocá-lo no lote de um dos melhores de sempre. . .