Capital do País de Gales, Cardiff foi uma cidade que durante vários anos se habituou a receber grandes finais das Taças Inglesas, a contemplar alguns dos maiores artistas que o desporto-rei produziu. Nesse mesmo Millenium Stadium, Cristiano Ronaldo realizou, nos primeiros meses de 2006, uma das suas primeiras grandes exibições com a camisola do Manchester United, numa final da Carling Cup que ficou marcada pelo golo, pelo protagonismo e pelo festejo do menino que se estava a fazer homem. Aquele cabedal todo começava a dar que falar, mas era apenas o início de uma lenda e de uma história bonita do craque português naquele campo.
Já consagrado como um dos melhores da história do jogo, Cristiano Ronaldo foi o principal impulsionador do segundo título europeu consecutivo do Real Madrid. Não só por ter terminado como o artilheiro-mor da competição, não só por ter carregado o gigante às costas durante as fases decisivas, mas mais porque poucas finais na história recente da Liga dos Campeões tiveram um desempenho individual tão brilhante como a de Cardiff 2017. Saiu a fava, outra vez, à pobre Juventus e a Buffon. Estávamos perante um campeão insaciável.
Apesar de Benfica, FC Porto e Sporting serem comandados, à altura, por Rui Vitória, Nuno Espírito Santo e Jorge Jesus, respetivamente, esta Champions de 2016/2017 ficou marcada por um outro treinador português: Leonardo Jardim. Ao comando de um Mónaco histórico, que se transformou, com o passar dos meses, numa equipa de culto, recheada de jovens craques à procura de um lugar ao sol no futebol europeu, o madeirense fez um autêntico brilharete, a começar logo pela fase de grupos e pela classificação final em primeiro lugar, à frente de CSKA, Tottenham e Leverkusen. Os londrinos, depois de terem lutado pelo título até ao final com o sensacional Leicester, desiludiram no regresso à Liga Milionária, também por culpa de um conjunto francês que começava a ser um caso sério.
Guardámos o pior exemplo português só para agora, não por acaso. Porque o que aconteceu ao Sporting nesta Champions não estava minimamente nos planos, especialmente se tivermos em conta aquela primeira jornada no Bernabéu. Na casa do campeão europeu em título, os leões deram espetáculo durante boa parte do jogo, mas sofreram dois golos nos cinco minutos finais, um através do menino de Alcochete Cristiano Ronaldo, outro de Morata, mesmo ao cair do pano. O triunfo algumas semanas depois, em casa, diante do Legia, abria boas perspetivas, mas o que aconteceu a seguir é digno de um guião hollywoodesco. Quatro jogos, quatro derrotas, todas elas particularmente dolorosas. A caseira contra o Dortmund revelou uma equipa demasiado desconcentrada na primeira parte, a do Signal Iduna Park trouxe experiências táticas e o mesmo final, a segunda contra o Real Madrid transportou o mesmo sentimento de injustiça e, na última jornada, com a possibilidade de poder continuar nas provas europeias, os verde e brancos desiludiram a toda a linha, acabando numa impensável última posição depois do desaire por 1x0 em Varsóvia.
Líderes dos respetivos grupos, Juventus e Borussia Dortmund apresentavam-se como os adversários de Benfica e FC Porto nos oitavos. E, aí, o rendimento voltou a ser parecido para os conjuntos de Rui Vitória e Nuno Espírito Santo. Os encarnados ainda venceram a primeira-mão, num 1x0 absolutamente mentiroso, tal a quantidade incrível de defesas milagrosas de Ederson, mas foram recebidos na Alemanha com um autêntico corretivo, de 4x0, numa altura em que Dembelé começava a mostrar à Europa do futebol que era, de facto, um talento especial. Os dragões, por seu turno, não foram goleados, mas não marcaram um único golo e perderam ambas as partidas. Tudo podia ser diferente caso Alex Telles não tivesse sido expulso ainda antes da meia hora do jogo do Dragão, mas, durante toda a época, os azuis e brancos poucas vezes demonstraram que podiam ser, em qualquer caso, um adversário temível para a vecchia signora.
Era praticamente impossível existir algum duelo naquela Champions que se pudesse comparar ao milagre de Camp Nou. Não que tenha sido tão bom, mas o Mónaco e o Manchester City fizeram os possíveis para tornar estes oitavos absolutamente inesquecíveis. Numa eliminatória aberta, sem grandes complexos táticos, assistiu-se a golos para todos os gostos e feitios, lances de elevado recorte técnico e o nascimento de um novo fenómeno para o futebol. Mbappé deu logo espetáculo no Etihad, mas o Manchester City, entre vários erros defensivos, foi para o Principado em vantagem, depois de um louco 5x3. No Estádio Louis II, os monegascos precisavam de uma atuação praticamente perfeita, que apareceu mesmo, num 3x1 que encheu de alegria um coletivo marcante, recordado ainda hoje pela junção organizada e certeira de vários grandes talentos.
No meio de tantos momentos bons, esta Champions ficou completamente manchada por um episódio negativo e que não podemos deixar de passar em revista. Numa altura em que começava a sua curta viagem para receber o Mónaco na primeira-mão dos quartos de final, o Borussia Dortmund passou por um valente susto. O autocarro onde seguia toda a estrutura de futebol sofreu um ataque, com três bombas a explodirem e a ferirem apenas um médico e o defesa central Marc Bartra. A força dos vidros do autocarro acabou por impedir um resultado mais violento e sangrento, mas o atentado fez com que o jogo, naturalmente, fosse adiado. Uma situação triste que trouxe uma onda de solidariedade e união ao futebol, com vários adeptos alemães a cederem as suas próprias casas para que os adeptos do Mónaco pernoitassem. O melhor do ser humano a vir ao de cima, como se quer.
Quanto ao futebol propriamente dito, chegou ao Signal Iduna Park logo no dia a seguir, entre muitas críticas por parte do clube alemão, que, de uma forma compreensível, não se sentia nas melhores condições anímicas para competir, muito menos ao mais alto nível. O Mónaco foi mais forte e Mbappé voltou a dar espetáculo, numa jornada em que a UEFA se portou bem pior do que os adeptos das próprias equipas. No Principado, alguns dias depois, a equipa de Leonardo Jardim aumentou a vantagem e carimbou um lugar entre as quatro melhores formações do Velho Continente. Com um contexto mais ou menos propício, não podiam faltar os elogios a Bernardo Silva, Lemar, Fabinho, Falcao, Mendy e, claro, a nova jóia da coroa do futebol francês, que começava a ser comparada com lendas como Ronaldo ou Henry.
E entre a décima segunda taça dos campeões europeus e o Real Madrid estava a Juventus. Com Allegri, a vecchia signora ganhou outra consistência e outra capacidade para lidar com este tipo de adversários e contextos. A segunda final em três anos era o resultado de um trabalho que começou com Conte e com todos aqueles títulos domésticos. Nem o Mónaco de Jardim, nem o talento de Mbappé ou a visão de jogo do internacional português Bernardo Silva foram capazes de impedir que este crónico campeão italiano seguisse com toda a naturalidade e justiça para a final de Cardiff. Já não havia Pirlo, Tévez ou Pogba, mas Pjanic, Dybala ou Mandzukic davam boa conta do recado e faziam antever uma grande e competitiva festa para o futebol.
Chegávamos então ao dia mais esperado. Teria esta vecchia signora capacidade para lidar com o super-campeão Real Madrid? Ao contrário do que aconteceu em Berlim, a Juve até entrou bem, a jogar no campo todo, a criar oportunidades, a tirar a bola a um Real que abdicava de um extremo (Bale) para jogar com mais um médio (Isco). As boas intenções não impediram, contudo, o primeiro golo e grande momento individual de Cristiano Ronaldo. Um pontapé de classe pura que não conseguiu ofuscar o empate de Mandzukic, com o croata, num gesto técnico absolutamente único, de uma dificuldade extrema, a surpreender tudo e todos naquele campo de Gales, Navas incluído.
1-4 | ||
Mario Mandzukic 27' | Cristiano Ronaldo 20' 64' Casemiro 61' Marco Asensio 90' |