A história do futebol tem a sua galeria de quase-heróis, de equipas amadas que encantaram o mundo mas nunca conquistaram o troféu: a Áustria de 1934, a Hungria de 1954, o Brasil de 1982, mas nenhuma outra seleção terá estado tão perto da glória, e seja tão querida e respeitada por isso, como a Holanda, universalmente reconhecida como a «Laranja Mecânica».
Primeiro em 1974, depois em 1978, novamente em 2010, a Holanda subiu um a um todos os degraus da longa caminhada até à final do Campeonato do Mundo, o palco onde são coroadas as melhores equipas do planeta. Em todas essas situações a Holanda perdeu e falhou o encontro com a glória, tendo de voltar novamente à casa da partida, para iniciar nova caminhada até ao topo do mundo.
Estes continuos caminhos até ao topo da escada e o regresso à estaca zero, fazem com que a Holanda esteja para o futebol, como Sísifo está para a mitologia clássica...
Como Sísifo
Reza a lenda, que após Sísifo enganar os deuses e a própria morte por diversas vezes, Zeus fartou-se e condenou Sísifo a passar a eternidade a rolar uma enorme pedra até ao topo de uma montanha.
Sendo que toda vez que ele quase que alcançava o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até ao ponto de partida por meio de uma força irresistível, que Sísifo não podia deter. Obrigando novamente Sísifo iniciar a longa caminhada montanha acima, uma vez, e outra vez, e outra, até à eternidade...
Uma entrada humilde
Foi em Colónia, a aproximadamente 100 quilómetros da fronteira com os Países Baixos, que a «Laranja Mecânica» deu o pontapé de saída na competição. Contra a sempre forte União Soviética, a equipa comandada por Rinus Michels apesar da exibição elogiada pela imprensa internacional, foi incapaz de contrariar o golo de Rats.
Dias depois, no Rheinstadion em Düsseldorf, houve van Basten a mais para pouca Inglaterra, e com o hattrick do avançado, a Holanda garantiu a vitória por 3x1, deixando os ingleses fora da prova.
Seguiu-se a vitória sobre a República da Irlanda (1x0) no Parkstadion em Gelsenkirchen, com um golo de Wim Kieft a oito minutos do fim que deixava os irlandeses pelo caminho e qualificava os holandeses quando a eliminação já estava à vista. A Holanda levantava voo em direção às meias-finais, onde encontrava pela frente a R.F.A., némesis de 1974.
Um dia para mudar a história
Hans van Breuklen, o guarda-redes nesse dia em Hamburgo, recordava ainda a derrota de 1974, que tinha presenciado aos 17 anos pela televisão... Todos sabiam que aquela era a noite da Holanda, não havia outra possibilidade, que não fosse vencer a Alemanha, feito que os holandeses não conseguiam desde 1956.
Os alemães tentaram travar o favoritismo crescente dos holandeses, colocando marcação direta a
Ruud Gullit, tentando fechar os caminhos para a sua baliza, tentando impedir que a bola chegasse a van Basten e tudo parecia correr bem quando Matthäus apontou o primeiro golo aos 55 minutos.
Chegou então a vez dos holandeses escreverem uma das meias belas páginas da sua história. Primeiro, quando Koeman apontou uma grande penalidade aos 75 minutos, e depois quando van Basten selou a vitória por 1x2 que colocou a equipa da casa fora da prova a dois minutos do fim.
Chegou o dia da grande final, no Olímpico de Munique - como em 1974 - contra a U.R.S.S. que os havia vencido na estreia, os holandeses empurravam a pedra até ao topo, onde os soviéticos eram a última etapa entre a glória, ou mais um trabalho de Sísifo...
Mas Gullit, Van Basten, Rijkaard, Koeman e companhia não tinham dúvidas que a história ia ser diferente. Uma cabeçada imponente de Gullit aos 30 minutos, só parou no fundo das redes de Datasaev, abrindo o caminho.
Já no segundo tempo, um golo de outro mundo, uma obra-prima de Marco van Basten, o melhor golo da história dos euros, selou uma grande vitória de uma grande Holanda. Pela primeira vez os deuses tinham tido piedade da Holanda, e a «Laranja Mecânica» chegou ao topo da montanha, coroando-se Rainha da Europa com inquestionável justiça.