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      Rivalidades
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      O «Dérbi Basco»: Athletic x Real Sociedad

      Texto por João Pedro Silveira
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      Pode haver muito que separe o Athletic da Real Sociedad, mas comecemos pelo que une, e sempre uniu, os dois grandes emblemas bascos: a Ikurriña, a bandeira basca, símbolo nacional de Euskadi - o País Basco -, a nação do povo mais antigo da Europa, a «pátria mãe» de Athleticistas e Realistas.

      Apesar de toda a rivalidade, ambos orgulhosamente se reivindicam como símbolos da alma basca, entrando em campo lado a lado, carregando a bandeira do seu povo antes de um dérbi.
       
      Duas cores, uma mesma paixão
       
      Em tudo mais são opostos. Cromaticamente: se um é azul o outro é vermelho, se um tem calções brancos e o outro tem calções pretos. Se um é operário o outro é burguês, se um é rebelde o outro ostenta o beneplácito real no nome.
       
      Desde as primeiras décadas do século XX que os aficionados do futebol de Bilbao e San Sebastián, perdão, Bilbo e Donostia (1), dividem os seus corações pelos dois clubes mais representativos das duas grandes cidades bascas.
       
      É verdade que a capital de facto do País Basco se encontra em Vitória (Gasteiz em basco) e que Pamplona (Iruñea) é a capital de Navarra, mas Bilbau é a capital espiritual dos Bascos, cidade obreira, sede dos movimento intelectuais e independentistas bascos, enquanto San Sebastián, a sua rival, sempre foi mais cosmopolita, mais turística, tendo em tempos sido eleita pela família real espanhola e outras de famílias nobres de toda a Europa, como lugar de veraneio de eleição, fazendo com que a «Pérola do Cantábrico» seja um símbolo de elegância, por oposição à rudeza e calo da cidade portuária que é Bilbau.
       
      Uma rivalidade centenária

      Nos primeiros anos do futebol em terras bascas, bilbaínos e donostiarras tiveram que partilhar a hegemonia com outros clubes locais que davam cartas no futebol espanhol como o Racing de Irún (mais tarde Real Unión), vencedor de quatro Taças do Rei até 1927, o Arenas Club de Guetxo, vencedor em 1919 e finalista em diversas ocasiões, além de vice-campeão na segunda edição da La Liga.

      Alguns ainda hoje são presença ou visita regular de La Liga, como o Osasuna e o Alavés, e todos eles sempre foram símbolos da fibra e da valentia basca. Não é à toa que para um Real de Madrid ou Barcelona, é sempre uma missão por demais complicada, sair vitorioso de San Mamés, da Anoeta ou do Reyno de Navarra.

      A rivalidade remonta a 1909, ano do primeiro jogo entre as duas equipas, que começaram a defrontar-se regularmente nas competições regionais. Foram anos em que Real Sociedad viveu à sombra do Athletic, onde brilhava um tal de Rafael Moreno Aranzadi, conhecido por Pichichi, um goleador de tal calibre, que a sua alcunha ainda hoje é sinónimo de goleador em Espanha

      Morreria apenas com trinta anos, em 1922, vitima de tifo, mas deixando um enorme legado em Bibau e no futebol espanhol, sendo o seu nome recordado no troféu que premeia o melhor marcador de La Liga, e o seu busto um local de visita obrigatória em San Mamés.

      O primeiro dérbi oficial

      O primeiro dérbi oficial, a contar para a liga, disputou-se logo na primeira jornada da primeira edição, no distante 10 de fevereiro de 1929. O empate a uma bola, com golos de Bienzobas para os da casa e de Bergareche para o Athletic, iniciou uma rivalidade que o tempo ajudaria a cimentar. O Athletic acabaria em terceiro, com o a Real Sociedade em quarto lugar, com o mesmo número de pontos, mas com pior diferença de golos.

      Um ano depois, os de Bilbao venceram em San Sebastián com um histórico 1x7, que é até a atualidade, a maior vitória bilbaista de sempre no papel de visitante, numa das muitas vitórias com que conquistaram o primeiro de dois campeonatos sucessivos. 

      Até à Guerra Civil Espanhola (1936-39) o Athletic conquistaria quatro ligas, contra duas do Real e uma de Barcelona e Bétis. A Real Sociedad teria que se contentar com um terceiro lugar em 1931. Depois, com o inicio da revolta franquista e o avanço dos nacionalistas sobre o País Basco, o futebol desapareceu completamente do dia-a-dia do país vizinho, entrando em estado de hibernação.

      Grandes de Euskadi

      Com o pós-guerra o Athletic e a Real Sociedad perderam muitos jogadores que tinham estado do lado dos vencidos, com a maioria a ficar no exílio no fim do conflito e um punhado deles a regressar a casa para regressar às suas vidas e aos seus clubes. O Athletic voltaria a ser campeão em 1943.

      Nas épocas seguintes, o Athletic teria em Telmo Zarraonaindia, conhecido por Zarra, o goleador herdeiro do Pichichi. Seis vezes melhor marcador da liga, exímio cabeceador, era considerado naqueles anos do pós-guerra a segunda melhor cabeça da Europa, logo depois da de Winston Churchill, o Primeiro-Ministro inglês que então vencera o Prémio Nobel da Literatura.

      Grandes de Espanha

      Durante décadas, os dois clubes foram perdendo a sua força, com a Real Sociedad a cair no segundo escalão nos anos trinta pela primeira vez, iniciando um período de subidas e descidas que se arrastaria até ao fim dos anos quarenta. Em 1962 voltaria a cair na Segunda, passando cinco anos longe do convívio dos grandes, naquela que foi a maior travessia do deserto do clube de San Sebastián. 

      Durante os restantes 40 anos, a Real Sociedad, com mais ou menor dificuldade, permaneceria na Primeira Divisão, começando a ameaçar a liderança nos anos 70, enquanto o Athletic Bilbau não festejava nenhum título de campeão desde 1955-56. 
       
      Em 1981 os azuis-e-brancos conquistaram o seu almejado troféu, que reconquistaram um ano depois, com uma equipa onde brilhavam Arconada, Alonso, Zamora e López Ufarte. Eram os tempos da rivalidade ao rubro, com a Real Sociedad a puxar dos galões, festejando os dois títulos enquanto o Athletic se afundava na tabela.
       
      Todavia, em 1982-83, a história deu uma volta, com a Real Sociedad a cair para o sétimo lugar e o Athletic a festejar a conquista do título 27 longos anos depois... Em 1984 a sorte sorriu novamente aos leões que conquistaram o bicampeonato, enquanto os Txuri-urdin se quedavam pelo sexto lugar.

      A alma basca

      Desde os primeiros anos que as cores das duas equipas eram defendidas apenas por bascos, com passar dos anos, a limitação do tamanho do País Basco, fez com que os dois clubes dividissem um mercado muito pequeno para as suas ambições, as conquistas nos anos oitenta demonstravam a força do futebol basco, mas a reação dos grandes de Barcelona e Madrid, investindo ainda mais em craques globais, não deixou espaço para grandes soluções.

      Com o tempo, as duas equipas já tinham começado a procurar descendentes de bascos por toda a Espanha, mas a Real Sociedad foi mais longe e em 1989 contratou o irlandês John Aldridge. O fosso entre os dois clubes ficou ainda mais demarcado, com a Real cosmopolita, contra um Athletic purista do sangue 100% basco e que continuava a recusar a publicidade nas suas camisolas.

      Com dois departamentos de prospeção de topo a vasculharem o mesmo mercado, os alvos eram eleitos por ambos os clubes, provocando acesas disputas, que muitas vezes conduziram ao cortar de relações. Jogadores juniores que trocavam de clube, heróis locais que mudavam para o rival, as direções foram alimentando um ódio de estimação, que curiosamente não era acompanhado pelos adeptos.

      Incapaz de acompanhar o ritmo, para tentar evitar a decadência o Athletic aceitou alargar o raio de prospeção aos filhos de bascos nascidos por toda a Espanha, no estrangeiro e no País Basco espanhol, de onde chegaria o francês Bixente Lizarazu.

      Pálido reflexo

      Duas ligas, duas Taças do Rei - a primeira ainda na anterior encarnação, sob a denominação Club Ciclista de San Sebastián - e uma Supertaça fazem com que o palmarés da Real Sociedad, peque por comparação com o palmarés do muito mais laureado rival. 

      Com oito Ligas, 23 Taças do Rei e duas supertaças (2), atingindo ainda duas finais europeias, o Athletic de Bilbao é o colosso do País Basco, é juntamente com o Real de Madrid e o Barcelona, um dos totalistas que sempre estiveram presentes no primeiro escalão desde a edição inaugural da prova.

      Mas os sucessos dos dois grandes bascos começam a mingar, ficando à sombra dos gigantes Barcelona e Real, o futebol basco viu outras regiões de Espanha emergirem no cenário espanhol, como a Galiza com o Deportivo e o Celta na viragem do século, Valência das finais europeias e dos dois títulos e a Andaluzia com um Sevilha conquistador na Europa.

      Sem força os realistas caíram na Segunda novamente, enquanto o Athletic sofreu para manter-se no topo, ressurgindo sob a batuta do mago Marcelo Bielsa, responsável pela segunda final europeia do clube.

      Porém, seja qual for a posição na classificação, o jogo entre as duas equipas é um verdadeiro jogo de vida ou morte, com ambas as equipas a darem tudo pela vitória, no que torna o dérbi basco, uma das mais apaixonantes rivalidade do mundo. Em mais de 150 jogos oficiais o Athletic leva uma ligeira vantagem, mas a história aí está para ser escrita, com os realistas a nunca baixarem os braços, quando pela frente encontram os leões de Bilbau.

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      (1) - Nomes de Bilbau e San Sebastián em língua basca.
      (2) - Já inclui a Copa Eva Duarte de 1950, antecessora da atual Supertaça.

      Comentários

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      motivo:
      Dérbi é o embrião
      2015-02-10 15h15m por gremionarede
      Tudo no futebol começa no Derbi. è o início das glórias de um país. Como nosso Ronaldinho Gaúcho do GRÊMIO-1903,
      Grêmio-FBPA- 1903-Brasil
      2015-02-10 14h53m por gremionarede
      Dérdi é a célula mãe do futebol regional, é o futuro num futebol mundial globalizado. GRENAL no sul do Brasil, revelou o Ronaldinho Gaúcho.
      Muito bom
      2014-12-20 22h28m por luso08
      Grande texto, semprei me fascionou a história do Athletic Bilbao.

      Uma pergunta, a Real Sociedad tem alguma restrição em jogar com jogadores bascos? ou alguma limitação de estrangeiros?
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