Tal como Lisboa ou Roma e também Lviv,
Kiev tem sete colinas, um verdadeiro acidente na monumentalmente plana Ucrânia. E é precisamente no espaço entre duas das suas colinas que se encontra a
Kreschatik, a mais famosa avenida da cidade, uma «Boulevard à francesa», com jardins arborizados de ambos os lados, entalada entre a colina que acompanha o rio e a colina por onde se estende o centro histórico.
São Miguel é azul clara, com as suas cúpulas douradas brilhantes, criando a ilusão que ao sol, olhamos para a bandeira da Ucrânia. Do outro lado da praça, enorme, está Santa Sofia [Sobor Sviatoyi Sofiyi], com a sua cúpula brilhante, a coroar um conjunto de doze torres mais pequenas, de telhados verdes e pequenas cúpulas douradas, Jesus Cristo e os doze apóstolos…
Santa Sofia, construída à imagem da homónima catedral de Constantinopla, marcou o ponto de partida para a construção de igrejas no leste, aos poucos emancipando-se do estilo bizantino, virando a página, e como que se de um corpo vivo se tratasse, a arquitetura sacra a leste, organicamente introduziu as marcas da cultura e do folclore dos povos eslavos.
Por trás de São Miguel fica a descida de Santo André, uma rua íngreme que liga a parte alta a Podil, um bairro pitoresco junto ao rio. Repleta de galerias de arte e com um pequeno mercado de rua onde pode comprar memorabilia dos tempos da União Soviética, Santo André é de visita obrigatória, se bem que ao lado, a existência de um funicular que liga São Miguel a Podil, tem levado muitos turistas a perderem a experiência de descer Santo André, e de conhecerem a igreja barroca que deu nome à artéria, projeto do italiano Bartolomeo Rastrelli, que iniciou a construção em 1744.
Matrioskas à venda no mercado de rua de Andriivskiy Uzviz.
Em Podil sente-se o pulsar do rio. Os pequenos embarcadouros, os cantares dos pássaros que vivem nas margens, o bulício das pequenas compras e mercadorias que vão abastecendo o comércio local. Os cafés pitorescos, as casas baixas, o aroma de um borscht devidamente condimentado, ou o cheiro de uns Varenyky ainda fumegantes invadem as ruas, e o visitante sente-se invadido pela vontade de se sentar e beber um chá quente e pedir um daqueles pratos, com um perfume exótico, que ao mesmo tempo oferece uma ideia de conforto e um sabor tão estranhamente familiar…
Petchersk Lavra
Acompanhando o rio, junto a um manto verde que se estende pelo Parque envolvente do Valeriy Lobanovskiy, o antigo estádio do
Dynamo Kiev, seguimos em direção ao Mosteiro de Kiev-Petchersk Lavra, ícone da cidade, Património Mundial da Unesco, santuário de culto da Igreja Ortodoxa Russa, fundado em 1051 por Santo António de
Kiev, um asceta grego que se radicou nas grutas que existiam nesta parte da cidade.
O enorme complexo do Mosteiro, guarda as grutas onde os monges viveram e onde ainda se podem encontrar as suas múmias, e diversas relíquias. A visita a Lavra pede tempo para se disfrutar da Catedral do Dormitium, da Igreja do Refeitorio, da Torre Barroca e das igrejas que dão acesso às grutas.
Mãe Pátria e Berehynia
Visitadas a
Kiev central, a glamorosa, a histórica e a religiosa, resta apenas conhecer a
Kiev soviética, e nada melhor do que a colossal e opressiva estátua da Mãe Pátria, que com os seus 102 metros de altura, choca mesmo depois do impacto inicial. Dedicada às vítimas da Grande Guerra Patriótica, como é conhecida por estas bandas a
II Guerra Mundial, a Mãe Pátria simboliza a liberdade e a vitória que só foi conseguida após um imenso sofrimento.
Mãe Pátria, do alto dos 102 metros vigia a cidade.
Uma chama arde continuamente, como é costume em monumentos e na estatuária soviética, para lembrar todos aqueles que pereceram a libertar a pátria dos exércitos invasores da Alemanha Nazi. Na sua base encontra-se um museu que evoca o conflito e a luta contra o nazi-fascismo, as suas vítimas e heróis, perto pode ainda encontrar um museu sobre a guerra do Afeganistão. A guerra que preconizou o fim da U.R.S.S....
A cerca de quatro quilómetros e meio fica a Maidan Nezalezhnosti, literalmente a Praça da Independência, onde em cima de uma coluna está Berehynia, a Deusa da Terra eslava, que guarda do alto aquele que é o santuário da liberdade ucraniana, pois foi nesta Praça que em outubro de 2004, os apoiantes de Yushchenko e da Revolução Laranja aguentaram firmemente dias e noites ao frio, exigindo a democracia e a liberdade no país.
A nova Ucrânia
Continuamente invadida, arrasada por mongóis, tártaros, alemães, russos,
Kiev foi a alma do nacionalismo ucraniano desde meados do século XIX. Nas suas ruas cruzam-se os restos de um Império derrubado e a modernidade de um século XXI. A Ucrânia ainda só agora fez 20 anos como estado independente, mas a sua alma tem milénios. Na sua capital, onde o inglês é uma língua estranha, o cirílico impera e o russo é tanto ou mais falado que o ucraniano.
Maidan Nezalezhnosti, a Praça da Independência, palco dos últimos grandes momentos da história do país.
Os magnatas do petróleo e do gás, os senhores do capital, os mafiosos, os ricos a quem não se conhece a proveniência emprestam um colorido kitsch à cidade, com os seus carros potentes e de vidros fumados que ultrapassam sem considerações velhas carripanas herdadas do tempo da U.R.S.S.
Assim é
Kiev, jovem e velha, histórica, elegante ora de extremo mau gosto, russa e ucraniana ao mesmo tempo, europeia e cosmopolita, ultrapassada e futurista.