Entrou no léxico futebolístico de forma gradual e natural. Lentamente, intervenientes e adeptos falavam dos fundos como parte integrante do futebol e da transferência de jogadores.
O que ganhou dimensão em 2004, quando Kia Joorabchian passou a deter 51 por cento do Corinthians, traduziu-se na primeira transação com selo de um fundo em 2006; Carlos Tévez e Javier Mascherano deixavam o clube brasileiro e rumavam ao West Ham United.
Uma cedência dos direitos desportivos mas não dos financeiros; ou seja, os londrinos não detinham qualquer controlo sobre os jogadores, que poderiam deixar o clube assim que o fundo detido por Joorabchain (Media Sports Investments) o entendesse e o negociasse.Desde então, tornou-se prática comum e um hábito. Fundos contratavam jogadores que seriam depois colocados nos clubes; uma espécie de empréstimo, sem que a equipa que recebia esses jogadores detivesse a totalidade dos direitos financeiros do mesmo.
Foi assim que a Liga portuguesa viu chegar muitas das «estrelas» que hoje cintilam nos maiores palcos europeus: Ramires, Mangala, Brahimi ou Marcos Rojo, por exemplo, com este último a desencadear mesmo um processo legal entre os leões e a Doyen.
A «era» dos fundos permitia a clubes menos competitivos financeiramente receber atletas com elevada margem de progressão, sabendo-se à partida que a duração da estadia seria sempre curta em nome da valorização financeira. Até que a FIFA decidiu colocar um ponto final nesta forma de transação. E é aí que o zerozero.pt procurou respostas.
Miguel Vieira, advogado e autor da tese de pós-graduação em Direito e Finanças do Desporto sob o tema “A (proibição da) detenção de direitos económicos por terceiros”, explicou ao nosso jornal quatro pontos essenciais na recente polémica em torno da proibição dos fundos. A ideia passa por clarificar conceitos e dissipar dúvidas, sempre com a certeza que este é um tema assente em areias movediças; certezas há muito poucas.
«O que a FIFA e a UEFA pretendem é acabar com a possibilidade de terceiras entidades (Fundos, agentes etc.) deterem percentagens de direitos económicos de jogadores.
O que acontecia até há relativamente pouco tempo em Portugal [isto porque em alguns países (ex: Inglaterra e França) a detenção de direitos económicos por terceiros já era proibida] é que era possível que o clube que detinha os direitos federativos de um determinado atleta (que consistem no direito de um clube registar, em virtude de um contrato de trabalho, um jogador numa federação nacional ou liga profissional, com vista a permiti-lo participar nas competições oficiais organizadas por essas organizações desportivas) podia transferir para terceiros, mediante um contrato particular entre o clube e esse terceiro (denominado contrato de investimento), os direitos económicos desse atleta.
Todavia, para que pudesse estar na presença de direitos económicos era condição necessária que, por um lado, apenas e só um clube detivesse os direitos federativos e, por outro, que o jogador estivesse de acordo em relação à divisão dos direitos económicos.
O principal objetivo da proibição da detenção de direitos económicos por terceiros é exatamente a de combater a influência de terceiros na gestão dos clubes (Artigo 18ºbis Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA).»
Obviamente que tais obstáculos desincentivam o investimento. Os fortes ficarão mais fortes e os fracos mais fracos, ou seja, as competições europeias perderão, sem dúvida, competitividade. Diga-se, ainda, que a presente situação também incentiva a que grandes investidores optem por adquirir clubes.»
«Antes de mais, tenho algumas dúvidas que a atual medida (de “proibição dos fundos”) não viole os art. 101º e 102º do TFUE (livre concorrência e proibição de abuso posição dominante).
Penso que depende do enquadramento jurídico que for dado à operação. Agora é certo que os clubes continuarão a ter interesse em recorrer aos fundos e os fundos continuarão a ter interesse em investir no mundo de futebol - o enquadramento jurídico desses contratos é que terá de sofrer alterações por forma a não colidir com as novas imposições da FIFA.»
A FIFA com um “tiro mata dois coelhos”, ou seja, descarta um problema (acaba com a litigiosidade entre fundos e clubes – exemplo do Rojo no Sporting) e passa uma imagem de transparência.
Materialmente, continuarão a existir os investidores, continuarão a existir pressões e influências, contudo, se anteriormente estávamos com uma “luz de baixa intensidade” agora estamos completamente às escuras.
Penso que o caminho adequado seria a regulação mas, também, por uma aposta séria por parte da FIFA na fiscalização e combate de condutas ilícitas, nomeadamente à tentativa de influenciar a gestão de clubes e a manipulação de resultados. Todavia, é importante realçar que, tais condutas ilícitas, não são exclusivas dos denominados TPO’s (podem surgir nomeadamente de patrocinadores, de casas de apostas ou mesmo de donos de clubes).»