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    Clubes lusos apostam forte no mercado espanhol

    Fenómeno de espanhóis em Portugal a crescer: «Virão mais projetos como o Arouca»

    «De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento»

    *Com Simão Duarte

    O famoso ditado português - que remete para os casamentos mal sucedidos entre as coroas de Espanha e Portugal - começa a ser uma falácia no mundo do futebol português. O Arouca, que conta com tantos espanhóis como portugueses no plantel, é o fenómeno mais próximo do sucesso - e uma das principais motivações da reportagem -, contudo, importa destacar, nem todos os casamentos Portugal - Espanha correram de feição.

    Vizela - penúltimo classificado e com uma política desportiva assente em técnicos espanhóis - é o caso mais recente, não obstante, exemplos anteriores como Roberto Jiménez - guardião que custou 8,5 milhões aos cofres do Benfica -, José Ángel, Raúl de Tomás, Lopetegui ou Quique Flores tampouco foram positivos e de boa memória para os adeptos dos respetivos clubes.

    q Há uns anos, não era fácil convencê-los a virem para cá e agora já começam a entender que é melhor jogar numa primeira divisão portuguesa do que uma segunda ou terceira divisão espanhola
    Diogo Boa Alma, diretor desportivo

    Ainda assim, os pontuais casos de sucesso no passado começam a ser cada vez mais frequentes no presente - Casillas, Marcano, Grimaldo, Porro, Sarabia, Navarro, Iván Jaime, Héctor Hernández... Rafa Mujica, Cristo González e Jason Remeseiro. Os últimos três com um ponto em comum: todos atuam no Arouca e já faturaram 40 (!) dos 55 golos arouquenses esta época.

    Tendo isto em conta, o zerozero foi em busca de perceber o fenómeno recente na Liga Portugal Betclic nesta ligação entre lusos e espanhóis - em especial no Arouca - e abordou três intervenientes com perspetivas distintas (duas mais empíricas e uma mais teórica), de modo a ter uma visão clara e de raiz sobre o tema.

    Diogo Boa Alma, ex-diretor desportivo de Casa Pia, Vitória SC e Santa Clara; José María Nolé, jornalista espanhol e escritor da obra 'Futbol Portugués – Historias, gestas y protagonistas'; e, por fim, Renato Santos, ex-jogador do Málaga - duas épocas no segundo escalão espanhol - e do Algeciras - uma temporada no terceiro escalão espanhol. Todos com um ponto de vista muito concreto, abordaram - em conversa com o nosso portal - as razões do sucesso recente no casamento entre Portugal - Espanha.

    «Os espanhóis estão a olhar para Portugal»

    Casillas foi um dos espanhóis mais marcantes no campeonato português @Kapta+ / Manuel Morais

    O início (tímido) histórico nesta ligação Portugal - Espanha. Andrés Mosquera foi o primeiro atleta espanhol a registar uma partida nos campeonatos profissionais de Portugal - ao serviço do Sporting, em 44/45 -, enquanto Pedro Areso - quatro anos depois - tornou-se no primeiro treinador espanhol a assumir o comando técnico de uma equipa em Portugal (Atlético CP).

    Uma aposta pouco vincada no século XX que, no entanto, ganhou novos contornos com o Chaves, em 2001/2002 - nove atletas espanhóis (!) no plantel. Uma questão de «proximidade geográfica», como explanou Diogo Boa Alma. Desde aí, surgiram outros casos, mas de menor dimensão e com explicações distintas, tais como o FC Porto em 14/15, ou o Tondela em 20/21.

    Agora, é Arouca a casa dos Nuestros Hermanos: no total, são seis jogadores espanhóis - tantos como portugueses - e todos vieram diretamente de divisões secundárias espanholas, com exceção de Uri Busquets (ex-Clermont) e Javi Montero (emprestado pelo Besiktas).

    Restam, assim, três questões primordiais. 

    Um - porquê o mercado espanhol? Dois - porquê esta aposta forte (e repentina) de vários clubes no mercado espanhol? Três - Arouca pode servir de exemplo para o futuro?

    Diogo Boa Alma, diretor desportivo, explicou que é «um mercado muito interessante para explorar» e admitiu que esteve «perto» de contratar Cristo González, não especificando em que período da carreira. Ainda assim - à semelhança de José María Nolé - sublinhou a dificuldade de levar jogadores da La Liga para o primeiro escalão português.

    «De topo, da primeira divisão espanhola, é praticamente impossível, até por questões financeiras. Mas está cada vez mais acessível contratar jogadores nos escalões secundários de Espanha. São patamares muito interessantes e competitivos, onde existem muito jogadores com passado em seleções jovens de Espanha, com formação em clubes grandes, como foi o caso do Cristo no Real Madrid», referiu o diretor desportivo português.

    «O mercado espanhol é visto como uma mais-valia, até porque os mercados em que Portugal tradicionalmente contrata, como o Brasil, começam a ter muita capacidade financeira. Começa a ser muito difícil», continuou o ex-diretor desportivo do Casa Pia.

    Diogo Boa Alma admitiu ter estado «próximo» de contratar Cristo González @Vitória SC

    José María Nolé, por outro lado, ratificou a ideia da «incapacidade financeira» dos clubes portugueses como ponto chave e apontou um crescimento do interesse espanhol no campeonato português.

    «Um jogador top em Espanha não vai para Portugal. A principal razão é a questão financeira. Alguns jogadores espanhóis que estão a triunfar em Portugal vieram da terceira divisão espanhola. É um processo. Nos últimos anos tem havido uma mudança. Os espanhóis estão a olhar para Portugal em tudo, seja para comprar uma casa, para ir de férias ou, claro, para trabalhar. Isso antes não acontecia», destacou o jornalista espanhol.

    Uma visão corroborada por Diogo Boa Alma que anota uma «mudança de paradigma».

    «Os espanhóis começam a olhar para o mercado português como um mercado interessante para se valorizarem. Há uns anos, não era fácil convencê-los a virem para cá e agora já começam a entender que é melhor jogar numa primeira divisão portuguesa do que numa segunda ou terceira divisões espanholas e começam a ter abertura para isso», esclareceu.

    Los Tres Mosqueteros: «São para outro nível»

    @Rogério Ferreira / Kapta+

    Rafa Mujica, Cristo González e Jason Remeseiro. 

    São os nomes em principal destaque no Arouca e todos chegaram da segunda divisão espanhola. Mujica chegou do Las Palmas em 22/23, enquanto Cristo (Sporting Gijón) e Jason (Alavés) chegaram esta época às terras de Santa Mafalda.

    Rafa Mujica
    2023/2024
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    «Arouca era o local perfeito para me revalorizar, precisava de continuidade.» As palavras são de Jason, justificando a decisão de seguir para o estrangeiro pela primeira vez na carreira. Tranquilidade e oportunidade para valorizar o seu futebol. Uma ideia confirmada por José María Nolé que, de todos os espanhóis, destaca Cristo, o «selvagem».

    «O campeonato português é muito físico e jogadores do perfil do Cristo, por exemplo, têm muitas possibilidades de singrar. A mudança de país faz com que os futebolistas se possam concentrar só no futebol.»

    Cristo González
    2023/2024
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    «Falei com o Adrián Marín [SC Braga] e com o Hector [Chaves] e ambos usufruem da tranquilidade de Portugal e a possibilidade de estarem com as famílias por perto. Pensam muito mais no futebol e em treinar.»

    Renato Santos, por outro lado, não só elogiou o trio de ataque espanhol arouquense, como também aplaudiu o investimento do Arouca, deixando a nota que «mais projetos semelhantes virão».

    Jason Remeseiro
    FC Arouca
    2023/2024
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    «Está à vista. Tenho acompanhado sempre que posso a Primeira Liga e realmente o Arouca tem uma frente de ataque que faz a diferença e dá para perceber que são jogadores para outro nível e outro tipo de clubes», indicou o avançado que representa, atualmente, o Olympiakos Nicosia, de Chipre

    «Os clubes em Portugal - e as pessoas ligadas ao futebol - estão cada vez mais a aperceber-se disso mesmo e estão, certamente, a enviar scouts para ver mais jogadores.»

    «Joguei, por exemplo, com o Iván Jaime - que agora está no FC Porto - e, por exemplo, ele na altura nem jogava muito, mas já se via qualidade. Virão mais projetos como o Arouca», sublinhou.

    «Encaravam Portugal como uma liga secundária, quase ao nível da Roménia»

    O ex-jogador do Boavista, ao contrário de muitos jogadores espanhóis em Portugal, fez o caminho inverso - do primeiro escalão português (Boavista) para o segundo escalão espanhol (Málaga) - e valorizou a qualidade das divisões secundárias espanholas.

    «Para ser sincero, quando cheguei à segunda divisão espanhola, o Málaga surpreendeu-me bastante, assim como o campeonato. Percebi que era um clube grande, muito bom, com uma grande estrutura e notei, de imediato, que a segunda divisão tem um nível e competitividade alta. Há muita qualidade individual. Eles levam aquilo muito a sério», referiu o português de 32 anos.

    Renato Santos ficou encantado com Málaga, local onde reside com a família @ Quality Sport Images / Getty Images

    Questionado sobre uma diferença de qualidade entre o 'clube médio português' - da Primeira Liga - e o 'clube médio espanhol' - da segunda divisão espanhola -, Renato aponta que «não vê assim tanta diferença» e reforçou o profissionalismo espanhol.

    «É equivalente, mas em Espanha são muito profissionais: a nível de condições, staff, etc. E nesse sentido têm uma estrutura superior à maioria dos clubes da primeira divisão portuguesa. E depois, a nível de público: os jogos em casa do Málaga tinham, em média, uns 16/18/20 mil espetadores. Não só no Málaga, como também noutros estádios. Toda essa envolvência faz a diferença», afirmou.

    Posto isto, persuadir jogadores a fazer o trajeto Espanha - Portugal não é fácil, resultado do «desconhecimento» e «receio», ainda que, exista a tal «mudança de paradigma», como elucida Diogo Boa Alma.

    «Quando falava com alguns agentes, os jogadores tinham algum desconhecimento da Liga Portuguesa e algum receio em vir para Portugal. Eles encaravam como uma liga secundária, quase ao nível da Roménia.»

    q Em Espanha são muito profissionais (...) têm uma estrutura superior à maioria dos clubes da primeira divisão portuguesa
    Renato Santos

    «Estamos a conseguir dar a volta, com os exemplos de sucessos de espanhóis que têm vindo para clubes pequenos/médios e depois têm dado o salto, como aconteceu com o Iván Jaime, o Toni Martínez, ou o Fran Navarro. Há muitos jogadores com passado de clube grande em Espanha, com formações de topo e com seleções jovens de Espanha que estão em patamares secundários.»

    «Esses jogadores não desaprenderam, o futebol esquece-se rápido, há memória curta, e nós normalmente olhamos sempre para o próximo jogador e esquecemo-nos daqueles que fizeram um trajeto de 10/15 anos de formação ao mais alto nível e eram os melhores da sua geração no país», completou Diogo Boa Alma.

    Algo que Renato Santos também defende: «Muitos jogadores da segunda divisão espanhola, caso viessem para a primeira liga portuguesa, iriam triunfar sem dúvida», rematou.

    «Rivalizar com a competência do português é difícil»

    Rubén de la Barrera é o segundo treinador espanhol da temporada vizelense @Kapta+

    «Não podem pensar: 'Vou para Portugal, estou no topo e a Liga Portuguesa está em baixo'. Assim é impossível.» 

    O sucesso do Arouca é inegável - sétimo posto e quinto melhor ataque do campeonato -, com o trio de ataque espanhol em grande plano. O sucesso, contudo, não é transversal para os treinadores espanhóis, como aponta José María Nolé.

    José Antonio Camacho, Victor Fernández, Pako Ayestarán, Pablo Villar, Julen Lopetegui ou Quique Flores são alguns exemplos de insucesso e, para o jornalista espanhol, tal deve-se a vários fatores, sendo o «fator cultura» essencial.

    «No campeonato português, os treinadores têm de se adaptar a uma realidade específica. Por exemplo, jogar em estádios vazios, em certos jogos a equipa visitante ter mais adeptos que a tua... Em adição, és praticamente invisível para a imprensa e há pouca paciência perante os treinadores. É uma realidade para a qual se devem preparar.»

    Pablo Villar foi o «treinador surpresa» no arranque de época, mas somou apenas cinco vitórias @Kapta+

    Esta época, o Vizela já contratou dois técnicos espanhóis e os resultados, até ao momento, não têm sido positivos. Algo que surpreendeu José.

    «Pensei que o Villar, assim como o Rubén, pudessem triunfar em Vizela. O Rubén, em especial, é uma pessoa que coincide com a mentalidade portuguesa - é exigente, tenta integrar-se culturalmente -, mas o Vizela é uma equipa muito complicada de orientar», referiu deixando elogios à «nova geração» de espanhóis.

    «Eles mostram vontade de aprender português. O Adrián Marín, o Hector e o Fran Delgado disseram-me que querem aprender português e é fundamental para triunfarem em Portugal. E, claro, para se integrarem na realidade portuguesa.»

    Diogo Boa Alma, por fim, destacou que o «insucesso» do treinador espanhol deve-se ao facto de Portugal ter «grandes treinadores», concluindo que «rivalizar com o técnico português é difícil».

    «O treinador português é dos melhores a nível mundial, temos grandes treinadores cá. Rivalizar com a qualidade e competência do treinador português já é mais difícil», finalizou o dirigente desportivo.

    Espanha
    Cristo González
    NomeCristo Ramón González Pérez
    Nascimento/Idade1997-10-24(26 anos)
    Nacionalidade
    Espanha
    Espanha
    PosiçãoAvançado (Extremo Esquerdo) / Avançado (2.º avançado)

    Fotografias(46)

    Liga Portugal Betclic: SC Braga x Arouca

    Comentários

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    motivo:
    Pako ayesteran
    2024-03-21 08h38m por afonsofarinha
    Não teve sucesso? Garantiu na primeira época a manutenção do Tondela e na segunda saiu com a equipa ainda com hipóteses de se manter e com um passo e meio na final da taça de Portugal
    TH
    campeonatos do este
    2024-03-21 05h11m por the_Cena
    campeonatos da croacia, serbia e por aqueles lados tambem tem bons jogadores! alem disso outros paises da america do sul, ao contrario do brasil tambem tem jogadores a bom preço
    AS
    as divisões secundárias dos principais
    2024-03-21 00h37m por asa_scouting
    campeonatos, vão passar a ser a primeira para alguns jogadores que jogam aí, e queiram dar o salto, sabem que existem muitos tubarões a olhar para a primeira liga, não só para os três grandes, em vez de andarmos na américa do sul, onde inflacionam os jogadores a preço de ouro, quando valem apenas como o bronze. outros mercados interessantes, será África e o Escandinavo.
    Toñito
    2024-03-20 23h35m por amilcardcr
    Nas nos jogadores históricos, penso que esqueceram um que na minha opinião foi dos pioneiros e dos que maior longevidade e sucesso teve em Portugal, o Toñito Vitória, Boavista e campeão pelo Sporting

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