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    Caso ocorreu em 1987

    37 anos depois, Cuca refletiu sobre o Escândalo de Berna: «Hoje entendo que o silêncio soa como covardia»

    2024/03/12 09:19
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    Cuca, técnico brasileiro de 60 anos, cumpriu na última madrugada o primeiro jogo à frente do Athletico Paranaense. Para lá da vitória por 6-0 sobre o Londrina, que acabou por ser o tema menos importante no pós-jogo, a conferência de imprensa teve direito a um discurso por parte do antigo jogador relativo a um acontecimento com mais de 37 anos: o Escândalo de Berna

    Para contextualizar, o Escandâlo de Berna ocorreu em 1987, aquando da realização de um torneio em Berna, na Suíça. Cuca, na altura jogador do Grêmio, foi um dos quatro atletas acusados de violação de uma jovem de 13 anos. 

    A história é longa [pode ser consultada na íntegra aqui] e antiga, mas tem assombrado a carreira de Cuca que, apesar de ter sido condenado, nunca chegou a cumprir a pena, uma vez que os jogadores conseguiram regressar ao Brasil, país que não tem qualquer acordo de extradição. 

    Assim, e depois deste caso já ter originado a sua demissão do Corinthians em 2023, o técnico resolveu pedir um novo julgamento à justiça suíça. Porém, uma vez que o caso já tinha prescrito, foi comunicado no passado dia 3 de janeiro que a condenação de Cuca tinha sido anulada. Isto é, como não houve um novo julgamento, a anulação não trata da culpa ou da inocência de Cuca, mas dado que o processo foi extinto, tecnicamente, Cuca não pode ser considerado culpado de qualquer acusação. 

    Agora, 37 anos depois, Cuca reagiu pela primeira vez ao caso sem ser para se afastar ou para se dizer inocente. Com um longo discurso, o técnico explicou que precisou de muita reflexão para realmente compreender a importância e o impacto deste tipo de situações e assegurou que quer fazer parte da mudança: «Quero e comprometo-me a fazer parte da transformação».

    Eis o discurso na íntegra: 

    «Confesso para vocês que estou nervoso. É um tema muito sério, muito importante.

    Escrevi para não correr o risco de errar, porque não sou bom com palavras, sou muito 'boleirão'. Queria falar sobre os últimos meses que tenho vivido. Há quase um ano saí do Corinthians e vocês podem imaginar o que estou a passar e o quanto estou a refletir. Antes de falar, precisei de escutar a minha esposa e as minhas filhas. Escrevi este texto com a ajuda delas, porque ainda não me sinto com conhecimento suficiente para falar sobre algo tão forte. Por elas e por todas eu escrevi e não quero errar.

    Tenho escutado as opiniões e tentado entender o meu papel. No começo do ano li uma coluna da Milly Lacombe, da UOL, em que ela disse que isto não era sobre mim. Eu entendi o que ela quis dizer. Não é SÓ sobre mim, mas é sobre mim também. Eu escolhi recolher-me durante muito tempo, mas consegui seguir a minha vida, enquanto uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir a vida dela sem permanecer magoada, carrega o impacto para sempre. Eu consegui seguir a minha vida. O mundo do futebol e o mundo dos homens nunca me tinha cobrado nada, mas o mundo está a mudar e eu acho que é para melhor.

    Não adianta eu ser um grande treinador, esposo, pai, avô, irmão, se eu não entender que o mundo é mais do que o futebol e que eu faço parte dessas coisas. Eu via os problemas, mas calei-me porque a sociedade permitia que eu, como homem, me calasse. Hoje entendo que o silêncio soa como covardia. Tenho procurado ouvir mais, entender mais, aprender mais.

    Não posso mudar o passado. Muitos homens agora escutam-me e são capazes de olhar para o passado para rever as suas atitudes. Sabemos que o mundo é um lugar diferente para os homens e mulheres, e quando vemos isso podemos até resistir, mas as coisas começam a mudar. Só que mudanças honestas e verdadeiras levam tempo, exigem dedicação, estudo, são dolorosas e desafiadoras.

    A realidade tem que ser transformada para que o mundo seja um lugar mais seguro para as mulheres. O mundo do futebol ainda é um mundo de muito preconceito. Entendi que quando me cobram não é só sobre mim, é sobre a forma como tratamos as mulheres. Não estou a dizer isso como fala isolada para agradar alguém, ou da boca para fora. Se fosse assim teria me manifestado antes. Falo isso de coração.

    Quero e comprometo-me a fazer parte da transformação. Vou fazer isso com o poder da educação. Quero ajudar. Quero jogar luz, usar a voz que tenho para, ao mesmo tempo que me educo, educar também outros homens, principalmente os jovens que amam futebol. Sucesso repentino é desafio. Muitos se perdem pelo caminho com fama e dinheiro. Somos levados a acreditar que podemos tudo, inclusive desrespeitar as mulheres. Precisamos dar aos mais novos a oportunidade de não errarem como tantos de nós errámos. É ali que podemos sensibilizar, colocar para pensar, orientar. Sucesso, dinheiro e fama não servem para nada se se perderem no caminho.

    Eu pensei que estava livre da minha angústia quando solucionei o meu problema com a anulação do processo e a indemnização, mas entendi que não acabou porque não dependia apenas da decisão judicial, mas que eu precisava de entender o que a sociedade esperava de mim. O que vocês vão ver de mim daqui para frente não serão palavras, serão atitudes. Mas obrigada por me ouvirem hoje». 
     

    Brasil
    Cuca
    NomeAlexi Stival
    Nascimento/Idade1963-06-07(60 anos)
    Nacionalidade
    Brasil
    Brasil
    FunçãoTreinador

    Fotografias(43)

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