A aposta na formação é um lugar comum do futebol português no geral, mas ainda mais no Sporting, onde desde sempre é vista como uma parte da identidade do clube. No início do novo século, esta aposta ficou ainda mais clara. Em junho de 2002, foi inaugurada em Alcochete a Academia Sporting. Uma obra que custou cerca de 17 milhões de euros e que tinha como objetivo equipar o Sporting com um dos melhores e mais modernos complexos desportivos do futebol mundial, bem como servir de viveiro para as novas fornadas de talentos de uma formação que já estava habituada a lançar alguns dos maiores nomes do futebol português.
O sucesso imediato de jovens como Cristiano Ronaldo, Hugo Viana e Ricardo Quaresma, anteriores a essa inauguração, motivaram ainda mais o modo de operar leonino, e com a nova Academia era esperado que continuassem a surgir jogadores de qualidade inegável frequentemente. João Moutinho foi o primeiro e, sob a alçada de José Peseiro, instalou-se no meio-campo do Sporting, quebrando barreiras e abrindo o caminho para todos os atletas jovens que quisessem aproveitar a oportunidade de vingar num grande do futebol português. Mas para isso não bastava um complexo desportivo, era necessária uma aposta clara.
A passagem de José Peseiro pelo Sporting não foi, de maneira nenhuma, negativa. O ex-adjunto de Carlos Queiroz intrometeu-se na luta pelo título, para além das exibições europeias que garantiram o apuramento para a final da Taça UEFA em 2005. O futebol era bonito, mas os resultados deixavam a desejar, principalmente no início da segunda época no leme, o que levou ao inevitável despedimento. Para substituir Peseiro, pedia-se um treinador que conhecesse a forma do clube trabalhar, mas principalmente alguém que apostasse na formação. A resposta já estava em casa: Paulo Bento.
«Aos 36 anos, é-se jovem nalgumas coisas, mas noutras não é bem assim», declarou Soares Franco. Afinal, não fazia sentido julgar o treinador pela idade, especialmente quando o que se exige dele é que não o faça com os jogadores.
Bastou o primeiro jogo para a aposta nos jovens surgir e foi, curiosamente, o treinador que lançou Paulo Bento nos seus tempos de jogador, João Alves, quem veio reconhecer o trabalho do novo técnico: «Ele fez questão de dar um cunho pessoal e isso é positivo. Apostou em jovens, o que comporta riscos. Mas revelou coragem para o fazer, o que é muito importante»
Os primeiros tempos vieram a dar razão ao presidente. Em cerca de dois meses, os verde e brancos já mostravam boas perspetivas: segundo melhor ataque da liga, defesa com claras melhorias e até Liedson, que vinha a ter problemas de disciplina, estava em sentido com o novo técnico. Com uma mentalidade que em muito diferia da do seu antecessor, Paulo Bento conquistou o respeito dos jogadores e, embora mais pragmático, os resultados surgiam. Mas, ainda assim, aquilo que destacou Paulo Bento nos primeiros tempos e conquistou os adeptos foi a verdadeira aposta na juventude.
Sob o comando de um novo líder e com a tranquilidade que se tornou chavão de Paulo Bento, o clube viu um novo recomeço, com a sua identidade reforçada. Ainda na primeira época, jovens conhecidos do técnico foram aposta: André Marques conseguiu atirar para o banco habituais titulares em muitas ocasiões, mas também Tomané e David Caiado foram atirados às feras, embora não tenham tido o mesmo sucesso. O mote estava lançado, só faltava continuar.
«O lançamento de jovens nada tem a ver com equipa de recurso. Quando não se tem 5 ou 6 jogadores num plantel de 24, sobram poucos. O Paulo Bento foi campeão de juniores e conhece bem a formação», frisou Soares Franco, antes de deixar claro quem seria o treinador, caso fosse eleito: «O Paulo Bento tem feito um excelente trabalho e tem todas as condições para renovar o contrato, caso eu continue a ser o presidente.»
Com Moutinho e Nani a assumirem-se como as grandes estrelas do Sporting, toda a formação do clube saiu beneficiada. A aposta seria maior e consequentemente também as chances de sucesso. Era bom para o clube a nível desportivo e financeiro, mas também tornava os leões um destino apetecível para qualquer jovem jogador em Portugal.
O início da temporada de 2006/07 viu dois jogadores chegar à equipa principal do Sporting com a possibilidade de ter largos minutos. Miguel Veloso e Yannick Djaló tinham sido membros influentes da equipa campeã de juniores de Paulo Bento, mas passaram a temporada seguinte emprestados ao Olivais e Moscavide e ao Casa Pia, respetivamente, o que impediu uma aposta na equipa principal mais cedo. Logo na pré-temporada os dois jovens tiveram impacto, particularmente Djaló, que bisou na vitória por 3x0 frente ao Benfica no Torneio do Guadiana. No primeiro ano na equipa principal, foram logo seis golos em 35 jogos. Miguel Veloso não ficou muito longe, com 33 partidas.
A segunda metade da temporada viu ainda a aposta em Bruno Pereirinha, um médio direito de apenas 18 anos, que impressionou ao início, mas que acabou por não cumprir as expectativas. Defendeu o Sporting durante quatro temporadas e meia, rumando, por fim, a Roma para representar a Lazio. Mas, se Pereirinha surge enquanto a deceção entre os atletas lançados na segunda temporada de Paulo Bento, nem Miguel Veloso nem Djaló são as estrelas do grupo, pois esse foi também o ano de estreia de Rui Patrício.
São Patrício, como acabou por ser apelidado pelos adeptos de Alvalade por salvar vários jogos durante os tempos mais conturbados do clube, teve um início bíblico na equipa principal do Sporting. A boa forma de Ricardo na baliza leonina não permitia minutos a um jovem inexperiente, mas Rui Patrício tinha algo especial e por isso foi lançado às feras num jogo difícil do campeonato, na Madeira frente ao Marítimo. Resultado? Penálti defendido e jogo sem sofrer golos. Esse foi o único jogo que fez durante a temporada, mas não foi por isso que deixou de acreditar no processo do clube:
«A formação do Sporting funciona muito bem. Fui bem recebido pelos mais velhos e ninguém me pregou partidas», declarou na altura o jovem guarda-redes.
Apostar nos jovens não era prejudicial, pelo contrário. É verdade que o FC Porto foi sempre campeão naquele período (em 2006/07 o Sporting ficou a apenas um ponto), mas atrás vinham sempre os leões à cabeça. Além dos segundos lugares, duas taças de portugal, duas supertaças e idas à fase de grupos da Liga dos Campeões - no terceiro ano seguido, houve mesmo a memorável passagem aos oitavos de final, ainda que a dolorosa derrota conjunta contra o Bayern não ajude a memória.
A venda de Nani para o Manchester United por cerca de 25 milhões de euros foi a primeira grande transferência de um jogador formado na Academia de Alcochete, mas não seria a última. Só entre os nomes lançados por Paulo Bento, o Sporting arrecadou quase 90 milhões de euros, valores que aumentam bastante quando acrescidos jogadores que surgiram mais tarde.
A temporada de 2008/09 foi a última que Paulo Bento completou, sendo por esse motivo aquela que fechou o primeiro ciclo de jovens de Alcochete. Nesse ano surgiu mais um futuro capitão do clube. Daniel Carriço tinha já um bom percurso nas seleções jovens quando chegou à equipa principal e garantiu de imediato a titularidade. Foram quatro anos no Sporting antes de rumar a Inglaterra e de seguida a Sevilha, onde passou vários anos e conquistou três títulos da Liga Europa. Ainda no mesmo ano surgiu Ricardo Batista, um guarda-redes que nunca se conseguiu impor no panorama do futebol nacional e ainda Renato Neto, um médio brasileiro que, aos 17 anos, se tornou o terceiro mais jovem a vestir a camisola verde e branca em jogos oficiais, a seguir a Cristiano Ronaldo e Futre.
A saída de Soares Franco da presidência do Sporting trouxe ao clube uma clara quebra estrutural. Paulo Bento não aguentou muito mais tempo, Carlos Carvalhal não trouxe melhorias significativas, a equipa acabaria 2009/10 em quarto lugar e, para piorar, João Moutinho (capitão e figura de proa) acabou vendido ao rival FC Porto por 11 milhões de euros - além de ter sido o verão da saída de Miguel Veloso.
Em tempos de crise, a aposta na formação continuou a existir, mas sem os mesmos alicerces, tão necessários para a boa integração. Sofreram isso na pele nomes como Carlos Saleiro, André Santos ou André Martins. Era o fim de uma Era - outra chegaria alguns anos depois, no arranque de Bruno de Carvalho, com Leonardo Jardim a reerguer Adrien, Cédric, William Carvalho e João Mário, que muitos milhões também renderiam.