«Perdi a minha mãe há quatro anos [2008] e, por ele ter já ter passado por isso, era muito chegado a mim. Foi chocante ver as imagens na televisão. Ele queria levantar-se, mas caía. Quando vês isso, a única coisa que podes fazer é rezar ao Senhor para te dar uma mão».
- Antonio Di Natale.
Provavelmente, o nome Piermario Morosini diz-lhe muito pouco. Ou até pode dizer-lhe muito, caso se recorde do negro 14 de abril de 2012. A trágica história deste futebolista italiano é tão arrepiante que dá calafrios a quem procura encher-se de coragem para a contar. Respire fundo, esqueça tudo o que passa pela sua cabeça durante alguns minutos e, assim que terminar este texto, pare, reflita e avalie a sua vida, o seu bem mais precioso…
A crónica pouca relevância teve e tem nos dias de hoje, até porque o jogo terminou mais cedo, com gritos, lágrimas e um 0x2 no marcador. As atenções, os holofotes e, sobretudo, as memórias vão diretamente para o minuto 31. Esse sim, congelou Itália, o futebol e o mundo.
Morosini, médio do Livorno de 25 anos, revelou, subitamente, dificuldades para manter-se em pé. Caiu uma primeira vez e levantou-se de seguida. Sofreu uma segunda recaída, mas conseguiu evitar a queda. À terceira, perdeu a batalha. O pânico instalou-se de imediato. Segundo o longo relatório final da autópsia, o futebolista faleceu devido «a uma miocardiopatia arritmogénica», uma doença genética rara que transforma progressivamente as células musculares do coração em gordura. «É muito difícil de detetar e o rapaz não tinha qualquer sinal de doença», revelou a perita Cristiana Basso, meses mais tarde.
Morosini nasceu a 5 de julho de 1986, em Bérgamo, e o seu início de carreira não deixou ninguém indiferente. Formou-se na famosa academia da Atalanta, Centro Sportivo Bortolotti, e chegou a ser visto como um «menino de ouro». Estreou-se aos 15 anos pela seleção italiana sub-17, fez parte da equipa Primavera (sub-20) que perdeu a final de 2005 para a Roma e, um ano mais tarde, aos 20, estreou-se pelos sub-21, tendo, em 2009, disputado o Euro na Suécia devido ao bom rendimento mostrado no Vicenza.
Piermario Morosini era um homem pacato e com um grande coração. Dentro das quatro linhas era, acima de tudo, um jogador correto: em mais de 100 encontros disputados, quase todos nos escalões secundários, recebeu um único cartão vermelho, por acumulação. Quem privou de perto conta que, apesar de reservado, era a simplicidade em pessoa e contagiava facilmente todos os que o rodeavam com um sorriso. Uma personalidade construída e moldada face às tragédias sofridas na adolescência que viraram a sua vida de pernas para o ar...
«Estas coisas mudaram a minha vida e deixaram-me zangado, claro. Ao mesmo tempo deram-me a motivação para alcançar aquele que era o sonho dos meus pais: ver-me feliz no futebol», afirmou, em 2005, numa das raras entrevistas concedidas.
Morosini não era tipo de abrir a alma e fê-lo, sem receio, para enfrentar e revelar o seu drama familiar. Em 2001, aos 15 anos, perdeu a mãe, Camila. Dois anos mais tarde, Aldo, pai e melhor amigo, também faleceu. Meses depois, teve de lidar com o suicídio do irmão mais novo, Francesco, deficiente motor e que dependia da sua ajuda.Ainda bastante jovem, e desamparado, passou a tomar conta da irmã, Maria Carla, também ela fisicamente incapacitada, e agarrou-se ao futebol com unhas e dentes para poder viver desafogado.
O que podia ter motivado fúria e raiva transformou-se, precisamente, no oposto. Até esse maldito 14 de abril de 2012, um dos dias mais negros da história do calcio...
A morte de Morosini, a caminho da unidade hospitalar, motivou o adiamento do campeonato italiano e chocou o planeta. Foram várias as declarações, os reports e as teorias. Algumas mais consistentes que outras.
«Infelizmente, transmitiram-me a informação de que ele sofreu três ataques cardíacos de rápida sucessão. Estou sem palavras. É uma tragédia, não se pode morrer com esta idade num campo de futebol». Este era o estado de espírito de Daniele Sebastiani, presidente do clube da cidade, após a confirmação.
Mais tarde, a procuradoria de Pescara abriu uma investigação e levou os quatro médicos envolvidos - médicos dos dois clubes, um paramédico e um clínico do hospital - nas tentativas de reanimação a julgamento por prestação de «ajuda inadequada», uma vez que a não utilização de desfribilhador e o «socorro desorganizado» terão tido influência no processo de salvamento.
Para além disso, chegou-se a colocar em causa - entretanto o facto foi descartado - a presença de um carro de polícia na porta do estádio que atrasou a chegada da ambulância ao relvado, algo que, inicialmente, suscitou imensa polémica.
Livorno e Vicenza retiraram e eternizaram o número 25. Itália uniu-se numa gigante homenagem a um lutador. Um lutador com um sorriso contagiante, tal como Pierluigi Casiraghi, treinador de Morosini nos sub-21, fez questão de lembrar.
«Estive com ele durante dois anos na seleção nacional. Jogou o Euro 2009 na Suécia, inclusive a meia-final. Era um tipo calmo, pacífico e aos 20 anos ele já era muito maduro para alguém com essa idade, tendo em conta tudo o que lhe havia acontecido», acrescentou.
«Nunca deixou que as tragédias familiares tivesse peso sobre ele e estava sempre a sorrir. Vou lembrar-me para sempre do sorriso dele. Dentro de campo era um médio certinho, algo que espelhava a sua personalidade, e sabia fazer de tudo. Também era um colega de equipa fora do campo e não era daqueles que viviam de forma excessiva. Ele gostava do seu trabalho e era muito profissional. Ele era assim porque sabia que tinha de suportar o resto da família», finalizou.
«O Mario [Morosini] era como um irmão para mim. Gostava dele de uma forma especial por tudo o que ele sofreu e por ser um rapaz espetacular. A irmã era tudo para ele», disse o internacional transalpino aos canais do clube, antes de rematar: «É fulcral que fiquemos ao lado da irmã do Piermario durante o resto da sua vida. Ela precisa de nós e nós queremos ajudar. Pela Maria Carla e pelo Mario, irei ficar ao seu lado o resto da minha vida».
Os conflitos entre a vontade humana e os desígnios inelutáveis do destino são constantes e o destino foi cruel para com Piermario Morosini. Uma vida madrasta, repleta de tragédias que nenhum ser humano merece enfrentar. Para a eternidade fica a imagem do rapaz jovem e cheio de alegria que morreu tragicamente a fazer o que amava para orgulhar a família. Por tudo isso, o seu legado é indelével.
Sempre con noi, Piermario Morosini.
0-2 | ||
Federico Dionisi 4' Luca Belingheri 12' |