placardpt
    História
    Clubes

    Olympique de Marseille

    Texto por João Pedro Silveira
    l0
    E1

    «Droit au but!», mais que um mote, tornou-se na definição do Olympique, com uma longa lista de goleadores a fazer jus ao lema. Desde os jogos filmados a preto e branco, Edouard «Doudou» Crut e Jean Boyer, passando por Pepito Alcazar, Josip Skoblar, Héctor Yazalde, Jean-Pierre Papin e Didier Drogba, os avançados marselheses foram sempre direitos ao golo. 

    La Cité du Football

    O futebol chegou a França pelo norte, com marinheiros ingleses a introduzirem o jogo em Le Havre. Aproximadamente mil quilómetros separam a fria «Porta Oceânica», na ponta oposta do hexágono, da Marselha banhada pelas cálidas águas do mediterrâneo.

    Muito mais que as temperaturas marítimas ou os quilómetros que separam a Normandia da Provença, a França sempre foi dois países, o «País de Oc» e o «País de Oil», as duas formas de se dizer «sim» na França Medieval, a França do Sul, latina, quente e a França do Norte, fria, céltica. Marselha, a mais velha das cidades francesas, que remonta a sua origem aos gregos, sempre foi uma orgulhosa cabeça do sul, oposição à distante e centralizadora Paris.

    Cidade marítima, porto que atraiu gentes do Magrebe, do Levante, da vizinha Itália ou Espanha, nos seus arredores cresceram bairros de guetos de emigrantes, como o emblemático La Castellane, onde nasceria o mais mítico jogador marselhês, que o acaso nunca fez jogar com a camisola do L'OM. Cidade libertária, berço da «Marselhesa», o hino revolucionário francês, dentro das «quatro linhas», o Olympique encarnou esse espírito rebelde marselhês. 

    A fundação

    Os primeiros estatutos do clube
    René Dufaure de Montmirail é historicamente reconhecido como o fundador do Olympique de Marseille em 1899, após a fusão do FC Marseille (FCM) - que lega a sua divisa «Droit au but!» -  e o clube de esgrima L'Épée. Em agosto do mesmo ano, a fundação é ratificada em assembleia de sócios. No entanto, segundo André Gascard, antigo jogador, treinador e dirigente do l'OM, o Olympique foi fundado em 1892. Durante anos, todas as cartas e papel timbrado, assim como os cartões de sócio dos membros do clube, eram encabeçadas como « ondé en 1892».

    Os primeiros estatutos declaravam o Olympique como um clube eclético, votado à prática desportiva, com especial destaque para o futebol. Escolheram o branco como cor do clube por representar a pureza, adotaram o lema do FCM e estabeleceu-se uma quotização mensal, com o valor de três francos. Ciente da importância da quotização, Montmirail e os primeiros dirigentes deixaram bem claro no estatuto a obrigação de levar o símbolo do clube para todo o lado, com orgulho e como evangelização de novos membros:

    «Todos os sócios devem possuir o escudo da instituição, cujo porte (na lapela) é obrigatório nos passeios, deslocações, concursos e festas.» 

    Primeiros anos

    Os primeiros tempos foram de dificuldade, com o clube a só conseguir reunir nove jogadores para o primeiro jogo, contra o também marselhês US Phocéenne, que apesar das limitações, foi batido por um claro 4x0.

    No ano da fundação, o Olympique disputou o Championat du litoral, com outras equipas da região
    Bensimon, Naegely e Durandy eram os nomes dos primeiros heróis dos olympiens, que disputavam o Campeonato do Litoral, defrontando outras equipas de Marselha como o Phocéenne e o Sporting Club Marseille. Melhor organizado e com mais receitas, rapidamente o Olympique se tornou na equipa principal da cidade e região.

    Cidade portuária, Marselha abria a porta aos estrangeiros, muitos deles jogadores de futebol. O l'OM estava atento e foi aceitando na sua equipa diversos jogadores das mais diversas proveniências. Iwens, Wood, Hyde, Browen, Knodler ou Van Ooy foram alguns desses ingleses, alemães e holandeses que ajudaram a criar a aura de clube aberto a todos, mesmo que isso significasse não participar em algumas competições que só admitiam clubes que alinhavam apenas com jogadores nascidos em França.

    Crescimento e afirmação

    O pós-guerra trouxe diversas mudanças ao futebol francês. A velha liga e a USFSA deram lugar à FFF, fundada em Abril de 1919 por Jules Rimet, iniciando um processo que culminaria com a profissionalização no fim da década de 20.

    O Marseille conquistou a liga em 1937, com o mítico Jaguaré entre os postes. Aqui na imagem, com equipa que disputou a Taça de França na época seguinte
    O Olympique chegaria à final do Campeonato da USFSA na sua última edição em 1919, perdendo com o Havre AC por 4x1, naquele que foi o seu primeiro grande momento a nível nacional. 

    Marino Dallaporta torna-se presidente em 1921, começando uma política da contratação de craques provenientes de outras regiões de França, como a dupla de avançados Crut e Boyer, resgatados em Paris. Vencedores da Taça de França em 1924, 1926 e 1927, os Olympiens viveram a sua primeira época dourada. 

    Com os 44 golos de Skoblar, o Olympique conquistou mais um championat (1971)
    Em 1932, o clube abraçou o profissionalismo, integrando a liga profissional, que seria conquistada pela primeira vez em 1937. Na baliza da equipa brilhava o brasileiro, Jaguaré de Vasconcelos, a primeira grande estrela estrangeira da era profissional marselhesa. Um grande guarda-redes, mas também polemista, provocador nato, com um carisma capaz de parar «montanhas», fundamental na caminhada para a conquista do Championat de 1937. Lá na frente, a referência era Emmanuel Aznar, natural da Argélia, que ficaria famoso pelos nove golos que apontou na vitória sobre o Avignon (20x2) em 1942. 

    Um ano depois, outro magrebino chegava a Marselha, Larbi Ben Barek, a «Pérola Negra», natural de Casablanca, Marrocos, sendo a principal vedeta do período pós-guerra, campeão em 1948, que se manteve no clube até 1955.

    Do declínio à era Leclerc

    Os anos cinquenta começaram ao ritmo dos golos de Gunnar Andersson, melhor marcador do campeonato em 1952 e 1953, fundamental na primeira vez que o L'OM evitou a despromoção no seu historial.

    Durante toda a década o Olympique vai-se afundando na tabela, salvando-se na última jornada em 1958, mas incapaz da redenção em 1959, ano da primeira «descida aos infernos» dos escalões secundários.

    Sem receitas, o clube não consegue reagir à crise, sendo incapaz de regressar logo ao primeiro escalão. Perde jogadores, perde treinadores e os adeptos começam a virar-lhe as costas. Em 1964/65 arrasta-se pelo 14º da II Division, completamente divorciado dos adeptos, ao ponto de apenas 434 pessoas terem estado presentes no jogo contra o Forbach. 

    É contra este estado de coisas que um industrial de Marselha, Marcel Leclerc, chega à liderança do clube em 1965. Reestrutura o clube e recupera-o financeiramente. Um ano depois o L'OM estava de volta ao topo. Negoceia com a «mairie» de Marselha o usufruto do Stade Vélodrome, tentando conseguir uma subvenção.

    Na Luz, uma mão do angolano Vata, deixou o Olympique fora da final da Taça dos Campeões
    Com a recusa das autoridades municipais, Leclerc leva o clube do Vélodrome para o Stade de l'Huveaune, o palco onde o L'OM disputara todos os seus jogos no regresso à elite.

    Dentro do campo, o Marseille também começa a sonhar alto, com Leclerc a construir uma grande equipa. Em 1969 chega a Taça de França, em 1971 o Championat, graças aos 44 golos do jugoslavo Josip Skoblar - rei dos goleadores em todos os campeonatos da Europa - e à classe do sueco Roger Magnusson.

    Demissão, crise e regresso

    Um ano depois, o clube consegue uma histórica «dobradinha», a primeira da sua história. Tudo corria bem, mas em julho de 1972 Marcel Leclerc demite-se das suas funções, depois da acusação de ter retirado dinheiro do clube, que depois utilizou nos seus jornais. Sem o carismático presidente, o L'OM entrou num longo período de jejum e declínio, interrompido pela conquista da Taça em 1976, numa equipa onde brilhava o ex-sportinguista Yazalde e os brasileiros Jairzinho e Paulo César Lima.

    Época após época, o Olympique ia perdendo competitividade, não estranhando nova descida de divisão. A despromoção à II Division e a crise financeira, levaram o clube a apostar num grupo composto maioritariamente por jovens locais, os minots. Seria esta equipa de miúdos da «cantera», de onde se destacava Éric Di Meco, que garantiu o regresso ao topo em 1984. 

    A 12 de abril de 1986, Bernard Tapie tornou-se presidente, com o apoio de Gaston Deffere - então Presidente da Câmara. Em pouco tempo pôs em prática o plano para tornar no seu Marseille a melhor equipa de sempre do futebol francês. Karl-Heinz Forster e Alain Giresse foram as suas primeiras contratações.

    1993: o Olympique de Marseille celebra finalmente a conquista da Champions League
    Durante os anos que se seguiram, Tapie contratou alguns dos nomes mais sonantes do universo futebolístico como Jean-Pierre Papin, Chris Waddle, Klaus Allofs, Enzo Francescoli, Abedi Pelé, Didier Deschamps, Basile Boli, Marcel Desailly, Rudi Völler e Éric Cantona. Para liderar as suas equipas, Tapie também contratou alguns dos nomes mais sonantes do mercado, como o alemão Franz Beckenbauer, Gérard Gili e o belga Raymond Goethals. 

    Entre 1989 e 1992, o Olympique de Marseille conquistou o tetra, batendo toda a concorrência e lançando a sua candidatura às competições Europeias. 

    Marseille rei da Europa

    Seguro o domínio do futebol francês, avança à conquista da Europa. Em 1990, chega às meias finais da Taça dos Campeões, caindo em Lisboa, literalmente à mão de Alvalade. Tapie sai de Lisboa irado, «brandindo» ameaças em todas as direções. Meses depois, mais calmo, com um sorriso de desdém, reconhecia que aprendera em Lisboa a conquistar uma competição europeia...

    Um ano depois, nova final da Taça dos Campeões. Em Bari, um empate a zero com o Estrela Vermelha, só é «desatado» na lotaria das grandes penalidades. A sorte não quer nada com os olympiens que perdem a sua primeira final para os jugoslavos. Mais dois anos passados e nova final, desta feita o grande AC Milan pela frente. Jogo equilibrado, sem grandes emoções, desempatado antes do intervalo, no seguimento de um canto pelo cabeceamento Boli.

    Queda em desgraça

    O Marseille é finalmente campeão europeu e dias depois revalidava - pelo quarto ano consecutivo - o título de campeão gaulês.Tudo corre bem, até que da distante Valenciennes, chegam as núvens que ensombram o céu marselhês. Era novamente o norte a cruzar-se no caminho do Marseille. Tapie defendia-se com a sua arma favorita, atacando sem pudor, com os velhos fantasmas dos «dois países», do norte invejoso do sul, mas a desculpa não pegava. 

    Didier Drogba foi uma referência
    O pequeno clube, situado junto à fronteira belga, acusava que os seus jogadores Jacques Glassmann, Jorge Burruchaga e Christophe Robert foram contactados pelo marselhês Jean-Jacques Eydelie, com o objetivo de deixar o L'OM ganhar o jogo e, ainda mais importante, garantir que nenhum jogador marselhês se lesionava para puder jogar a final da Champions League. Ao mesmo tempo, surgiam acusações de fraude fiscal e fuga de capitais. Em dias, o Marseille passava do céu ao inferno sem direito a passar pelo purgatório...

    A justiça foi rápida e implacável: o Marseille foi despromovido à Segunda Divisão, perdeu o direito de jogar a Supertaça de França e Champions do ano seguinte, assim como a Supertaça Europeia e a Taça Intercontinental. Para cúmulo, viu-lhe retirado também o título de campeão europeu, que seria recuperado anos mais tarde, após uma batalha legal.

    Dois anos depois, o regresso ao topo, com a presidência de Robert Louis-Dreyfus - e o apoio da multinacional alemã Adidas -, os Les Phocéens  conquistaram um tímido 11º lugar, mesmo contando com craques como Fabrizio Ravanelli, Laurent Blanc e Andreas Köpke.

    Ainda no caminho do golo

    Na época de 1998/99 - no rescaldo da França campeã do mundo e para celebrar o centenário -, a direção construiu uma equipa de estrelas: Robert Pirès, Florian Maurice e Christophe Dugarry, que ajudaram o L'OM a chegar ao segundo lugar no Championat, atrás do Bordeaux, ao mesmo tempo que garantiam a chegada à final da Taça UEFA, perdida para os italianos do Parma.

    Cinco anos mais tarde, os franceses voltariam a perder uma final europeia e novamente da Taça UEFA. Depois de terem eliminado vários colossos do futebol europeu, como o Inter de Milão, o Liverpool e o Newcastle, acabariam por perder na final frente aos espanhóis do Valência.

    A nível interno, o início do século ficou marcado pelo domínio do Lyon, que foi campeão sete anos seguidos. Contudo, depois de todos esses anos, começou uma grande rotatividade a nível de campeões, com quatro campeões diferentes em quatro temporadas seguidas, e o Marseille esteve em destaque num deles.

    2017, a última final perdida @Getty / Michael Steele
    Em 2009/10, os Les Olympiens conseguiram acabar com uma seca de 15 anos no que toca ao título de campeão nacional. Com um plantel recheado de estrelas como o defesa argentino Gabriel Heinze, o seu compatriota e bem conhecido do futebol português Lucho González ou o mítico avançado espanhol Fernando Morientes, o Marseille ultrapassou esse mesmo Lyon - que procurava regressar aos títulos depois de na temporada anterior o Bourdeaux ter sido campeão - e acabou a temporada com 78 pontos, mais seis que os seus rivais.

    Como se isso não chegasse, conseguiram ainda vencer a Taça, após baterem o Bourdeaux na final por 3x1. Na temporada seguinte acabaram o campeonato em segundo lugar, mas conseguiram conquistar uma Taça da Liga - algo que voltaram a conseguir na temporada seguinte.

    Desde aí, o Marseille tem estado mais afastado da conquista de títulos, mas é um nome constante entre os primeiros classificados do campeonato. Na segunda década do século XXI chegou o domínio interno do Paris Saint-Germain, mas os olympiens ainda conseguiram fazer uma gracinha na Europa, voltando a uma final europeia 14 anos depois. Voltariam a perder, desta feita aos pés do Atlético de Madrid (0x3 na final da Liga Europa).

    A nível doméstico, nesse período, o melhor que o clube conseguiu fazer a nível da liga foi um segundo lugar em 2010/11, 2012/13, 2019/20 e 2021/22. A penúltima foi sob o comando do português André Villas-Boas e significou o regresso à Liga dos Campeões passado um longo período de espera, mas um feito repetido dois anos depois por Sampaoli. 

    Comentários

    Gostaria de comentar? Basta registar-se!
    motivo:
    AR
    So em Portugal
    2014-03-08 15h01m por Arsenal-RedBulls
    So em Portugal é que nao se ve disto:
    "A justiça foi rápida e implacável: o Marseille foi despromovido à Segunda Divisão, perdeu o direito de jogar a Supertaça de França e Champions do ano seguinte, assim como a Supertaça Europeia e a Taça Intercontinental. "

    Enfim, noutro País qualquer o FC Porto ja tinha acabado completamente. . .