placardpt
    Jogos Marcantes
    Grandes jogos

    Benfica x Real Madrid: O King Eusébio apareceu para dar o bi

    Texto por Jorge Ferreira Fernandes
    l0
    E2

    Ao longo dos seus mais de 100 anos de história, o Benfica fez-se grande, também, pelas noites europeias que viveu. Os encarnados, ao mesmo tempo que foram construindo uma hegemonia nacional, tiveram o talento, a arte e a qualidade para exportar o futebol português para níveis impensáveis. Ainda antes da seleção fazer um brilharete no Mundial de 1966, alguns dos Magriços já tinham uma grande experiência europeia, fruto de uma década de 60 que, na Luz, trouxe duas Taças dos Campeões consecutivas e mais três finais perdidas. Os anos em que o SLB foi mesmo glorioso.

    Se algum dia se fizer um ranking das maiores e mais importantes partidas da história do clube da Luz, então a final da Taça dos Campeões de 1962, realizada em Amesterdão, é uma fortíssima candidato ao primeiro posto. Naquele estádio Olímpico, viveram-se emoções fortes. Naquele 2 de maio de 1962, o Benfica foi tão grande como os maiores do planeta. Naquele relvado, os encarnados não se limitaram a conquistar a prova mais importante de todas pelo segundo ano consecutivo, fizeram-no de uma forma absolutamente épica. O 5x3 ao Real Madrid é daqueles feitos que são dificilmente explicados em palavras, podendo só as sensações quantificar o feito.

    Campeão europeu em título, o Benfica passou por dificuldades para atingir nova final. Ao contrário do seu adversário, que passou a derradeira fase antes do jogo decisivo com relativa facilidade, os encarnados passaram por um verdadeiro susto na meia-final jogada contra o Tottenham. Depois da vitória por 3x1, na Luz, com José Augusto e Simões a fazerem as vezes de Eusébio e Águas, as águias partiram com confiança para White Hart Lane, já na altura o palco dos spurs. O que é certo é que os londrinos dificultaram e muito a missão aos comandados de Béla Guttmann, num 2x1 que acabou por ser suficiente para garantir ao campeão nacional mais uma condição de finalista da Taça dos Campeões. 

    Em relação ao jogo de Berna e à final ganha ao Barcelona (3x2), um ano antes, que tinha dado a primeira grande alegria ao futebol português em termos internacionais, o Benfica apresentava apenas duas mudanças. Sim, nove jogadores mantiveram-se de um ano para outro e só Eusébio e António Simões eram novidades em detrimento de José Neto e Santana. Poucas alterações, mas decisivas, porque António Simões era um extremo canhoto capaz de desequilibrar e de criar várias oportunidades para um ataque já de si forte, e porque Eusébio, apesar de jovem, era já um fenómeno no Velho Continente, pela força, pela explosão, pelo remate, pelos golos que apareciam de todo o lado. 

    Puskas foi impressionante, com três golos @Getty / Keystone
    O adversário não podia ser mais conhecido e difícil. O Real Madrid era praticamente o dono do futebol europeu, com razão. A equipa da capital espanhola tinha conquistado as primeiras cinco edições da prova e, depois de um ano em que foi eliminado pelo futuro finalista vencido e grande rival Barcelona, estava de volta com naturalidade ao jogo mais importante de todos. O percurso, como já se escreveu, foi a roçar o brilhante, com oito vitórias em nove partidas. Era a equipa de Paco Gento, o recordista das Champions e das Ligas Espanholas, de Puskas, o húngaro mais goleador de todos, e, claro, de Di Stéfano, provavelmente o mais importante jogador da história dos merengues. 

    Desde muito cedo no jogo que se percebeu que o Benfica estava na Holanda para fazer frente ao grande Real Madrid, para arriscar, para tentar chegar ao golo o mais rápido possível. A pressa, neste caso, foi inimiga da perfeição. Os encarnados não souberam controlar, aqui e ali, o espaço nas costas e acabaram por sofrer, logo aos 18 minutos, com Puskas a partir ainda antes da linha do meio campo, depois de um livre que levou vários jogadores encarnados para a área merengue, a transportar a bola e a rematar para o fundo das redes de Costa Pereira, que preferiu ficar na posição em vez de retirar espaço e de sair da baliza. Outros tempos, também na função de guarda redes...

    Di Stéfano, avançado de origem, jogou mais recuado do que o normal e o protagonismo na zona de finalização ficou para o húngaro. Nem sempre os encarnados conseguiram lidar com o poder de fogo do ataque adversário e o segundo golo surgiu mesmo, num remate de fora da área que passou por cima das mãos de Costa Pereira. Apesar do mau estado do relvado, apesar do pontapé levar algum efeito, apesar da bola ter batido no chão no último momento, o guardião benfiquista podia ter feito claramente mais. Recuperar de um 0x2 contra o crónico campeão Real Madrid? Missão quase impossível, para não dizer outra coisa. 

    A reação tinha de começar no pé direito de Eusébio. Num dos livres clássicos daquela altura de Benfica, após receber um pequeno toque, na meia esquerda, o internacional português disferiu um pontapé seco, traiçoeiro, que foi devagarinho embater no poste, antes da recarga vitoriosa de José Águas. Um resultado bem mais justo, tendo em conta a boa prestação encarnada, que ficaria ainda mais igualado pouco depois da meia hora, quando Cavém, num remate colocado de pés esquerdo, bateu sem apelo nem agrado Araquistáin. Clássico à vista. 

    O Benfica era uma equipa bem mais forte com bola e no seu processo ofensivo do que atrás, onde a intranquilidade ia aparecendo para ajudar o Real a manter-se forte pela discussão da final. Costa Pereira, que já tinha ficado mal na fotografia, voltou a comprometer, deixando escapar a bola numa saída e tocando com a mão no esférico já para lá da linha de grande área. Um lance caricato que intranquilizou a equipa portuguesa e que deu ainda mais força aos merengues, que chegaram ao terceiro golo por intermédio do suspeito do costume, Puskás, num belo trabalho individual, culminado com um remate colocado. Seria este o derradeiro golpe?

    Duas vezes em desvantagem, Benfica conseguiu épica reviravolta @Getty / PA Images
    Em desvantagem, esperava-se que o Benfica pudesse continuar a ser mais dominador em termos territoriais, ainda que fosse preciso também cuidados redobrados com um Real Madrid muito eficaz e muito perigoso nas jogadas de ataque rápido. Coluna foi o primeiro a dizer presente e a mostrar que a noite de Amesterdão seria de glória para o futebol português. O Monstro Sagrado recuperou a bola a meio do meio campo, olhou para a baliza, deu uns pequenos para ficar ainda mais enquadrado e bateu o guardião adversário com um remate irrepreensível. Era a final da meia distância, da coragem de alvejar a baliza mesmo que de longe. E ainda faltava a melhor parte...

    Eusébio, o único que ainda não tinha feito o gosto ao pé, continuou a tentar, mais uma vez de livre, e o Benfica até chegou a materializar a reviravolta, mas José Águas, segundo a opinião da equipa e arbitragem, tocou a bola com o braço. Era apenas uma espécie de ensaio geral, uma vez que, poucos minutos depois, a grande figura encarnada e do futebol português partiu para uma brilhante jogada individual, só travada na grande área e com recurso à falta. Que mais podia fazer Eusébio da Silva Ferreira? Desde logo, mesmo ainda algo tocado com a falta dura, assumiu a responsabilidade na marca dos 11 metros e deu a quarta alegria da noite às águias. 

    No fim, Eusébio é que foi o herói @Getty / Evening Standard
    Pela primeira vez em desvantagem, o Real reagiu, foi para cima do adversário, pressionou o Benfica, Di Stéfano, numa noite de mais trabalho coletivo e de menos brilhantismo individual, obrigou Costa Pereira a uma defesa muito importante, até porque, pouco depois, os comandados de Guttmann iriam avançar para a estocada final. Ainda se lembra da descrição do primeiro golo? Foi exatamente igual, apenas numa zona mais central. Livre batido por um jogador que só estava lá verdadeiramente para dar o toque para o lado, Eusébio a ganhar balanço para o remate forte, potente, seco, relativamente colocado, o suficiente para abrir o caminho do segundo título europeu consecutivo. 

    Ainda se jogaram mais alguns minutos, o Real ainda tentou tornar mais épica esta final, mas logo o holandês Leo Horn apitou para o final. Era a festa suprema do Sport Lisboa e Benfica, a explosão de uma geração de ouro que fez história no clube e no próprio futebol português. Homens como Coluna, José Águas, José Augusto, Cavém entravam para uma galeria única de futebolistas que conquistaram a Taça dos Campeões em dois anos consecutivos. Um jovem Eusébio acabava em glória, como um verdadeiro ídolo e ícone da modalidade. 

    «E ainda hoje, em Portugal, não se percebeu a dimensão da conquista de uma Taça dos Campeões tendo como adversário o Real Madrid. Ainda hoje, isso não devidamente reconhecido», dizia António Simões, umas décadas depois. Quem o jogou garante que foi uma das partidas de uma vida. Quem gosta de ir à história, coloca-o entre as finais mais emocionantes de sempre. E com razão. Aquilo que aconteceu em Amesterdão foi único, potencialmente irrepetível, especialmente para uma nação que, até aí, estava pouco habituada a ser conhecida em todo o planeta pelas melhores razões possíveis. Que grande Benfica!

    Comentários

    Gostaria de comentar? Basta registar-se!
    motivo:
    BE
    FINAL DE MÍSTICA BENFIQUISTA
    2022-10-13 19h28m por benficaeterno
    Do ponto de vista emocional, esta final constatou o Benfica com a hegemonia da Europa que iria manter até ao término da década, pois nenhum clube conseguiu mais títulos europeus e ninguém fez 5 finais. Pelo aparecimento de Eusébio, por ser contra o Real Madrid, pela história do clube e dos seus jogadores. Pela reviravolta épica, por ter 8 golos.
    Do Ponto de vista racional esta final foi pior jogada que a de Berna. Tem muitos golos de bola parada, bolas mortas, remates de longe,...ler comentário completo »
    PI
    SLB
    2020-05-02 12h21m por Pirisca
    Fica para a história o facto de ser o único clube em Portugal que foi Bi-campeão europeu.
    PI
    SLB
    2020-05-02 12h17m por Pirisca
    Fica a consolação de ser o unico clube PT bi-campeão europeu, e pelo andar da carruagem ou vem cá um árabe qualquer e comprar um qualquer clube pt ou nunca mais vemos o caneco. .
    jogos históricos
    U Quarta, 02 Maio 1962 - 19:30
    Olympisch Stadion
    Leo Horn
    5-3
    José Águas 25'
    Cavém 33'
    Mário Coluna 50'
    Eusébio 64' 69'
    Ferenc Puskás 18' 23' 39'
    Estádio
    Olympisch Stadion
    Lotação64000
    Medidas-
    Inauguração1928