Surreal, absurdo, inqualificável... A imprensa nacional não poupou na adjectivação desta verdadeira confusão. O ano era 1987 e após uma derrota no Restelo (1x0, com golo de Mapuata), o Marítimo protestou a utilização do zairense, alegando que o mesmo não estava corretamente inscrito na Federação Portuguesa de Futebol (FPF).
A razão acabou por ficar do lado dos insulares que, vencendo esse jogo na secretaria, escapavam à descida de divisão, relegando o Salgueiros... que protestou a decisão e viu ser-lhe dada razão. Solução para toda a confusão? Campeonato sem descidas e alargamento de 16 para... 20 equipas.
Verão de 1986, o segundo ano do belga Henri Depireux no Belenenses. Chega ao emblema da Cruz de Cristo um forte, possante e goleador avançado zairense vindo do Standard Liège: Richard Mapuata.
O contexto azul era de retoma depois da descida em 1982, com o histórico clube a voltar a ter como objetivo os lugares europeus, depois de ter estado na final da Taça de Portugal no ano anterior. Mapuata era, à época e juntamente com o búlgaro Mladenov, um dos estandartes da equipa, ou não tivessem feito, juntos, 27 golos no campeonato.
No Restelo, Mapuata rapidamente convenceu, numa altura dourada para os zairenses que jogavam em Portugal. Esteve mais uma temporada nos azuis, na qual marcou ao Barcelona na Taça UEFA, e acabou por sair no final dessa temporada por divergências com Marinho Peres. Divergências essas que nem os adeptos resolveram: anos mais tarde, em entrevista, Mapuata contou que os belenenses o trancaram no Estádio para evitar a sua saída...
Época 1986/87. Época que começou de feição para os Azuis do Restelo: à sétima jornada eram primeiros. Três jornadas depois, o caso que marcaria a temporada.
No Restelo, a 9 de novembro de 1986, Mapuata marcava o único golo na vitória do Belenenses sobre o Marítimo. Após o jogo tinha lugar o protesto do Marítimo, alegando inscrição irregular de Mapuata na FPF.
Em causa estaria um aval – verbal – de César Grácio, secretário-geral da FPF à data, em relação à apresentação do certificado internacional do atleta. A seis de novembro, a inscrição de Mapuata tinha sido suspensa por esse mesmo facto, mas o Belenenses afirmava que Grácio teria autorizado, verbal e telefonicamente, a utilização do atleta... a um sábado.
Inicialmente, César Grácio defendera-se com a autorização de Silva Resende, presidente da FPF à data, algo que foi negado pelo referido dirigente. Todo este processo acabou mesmo com um processo disciplinar a Grácio, já que a autorização foi dada de forma irregular e sem que todos os documentos necessários estivessem ao dispor da FPF...
Nas instâncias competentes, o Conselho de Disciplina (CD) daria razão ao Belenenses. Mais tarde, o Marítimo recorrera para o Conselho de Justiça (CJ) e via ser-lhe dada razão (definitiva) neste caso, já que os conselheiros identificaram contradições nos acórdãos do caso.
Contas feitas, o Belenenses seria punido com derrota administrativa e os dois pontos passariam para os insulares. Que se revelariam preciosos e decisivos na luta pela manutenção...
Ora, com os dois pontos no poder do Marítimo seria o Salgueiros o prejudicado. Com 24 pontos, o emblema de Paranhos era assim a primeira equipa abaixo da linha de despromoção e... protestou.
Sentindo-se lesado, o Salgueiros levou o caso à Associação Nacional de Clubes (ANC), organismo que rapidamente impôs um alargamento do campeonato à FPF para que a decisão não prejudicasse terceiros e para que fosse imposta a «verdade desportiva».
Entre junho e agosto vários foram os avanços e recuos sobre a questão. O Salgueiros – despromovido - e o Rio Ave – relegado para o Torneio de Competência – pediram o alargamento da prova, apoiados pela AF Porto e pelo seu presidente, Adriano Pinto, pedido que se confirmou a 11 de junho de 1987, após uma reunião da ANC em Coimbra.
A decisão final só chegaria a dias do sorteio do Campeonato Nacional 1987/88. A 31 de julho de 1987, após uma Assembleia-Geral entre as Associações de Futebol, no Hotel Tivoli, em Lisboa, a proposta da AF Porto – com o apoio de outras Associações - de alargar a prova para 20 equipas foi aprovada: 240 votos a favor, 115 contra e 15 abstenções.
Assim, ninguém desceu de divisão em 1986/87 e subiram quatro equipas da II Divisão. Foi dada razão ao Marítimo e ao Salgueiros; Farense e Elvas foram a reboque da decisão e também se mantiveram; o Penafiel, segundo classificado da Liguilha, foi repescado para que o campeonato não tivesse um número ímpar de participantes.
Várias foram as vozes que criticaram a decisão. Vozes que vinham de todos os lados, principalmente dos jornais da época. Mas o alargamento dos campeonatos nacionais (não só da I Divisão) avançou mesmo. Uma reestruturação de quatro anos até a normalidade voltar ao futebol português...
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