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    Ajax

    Texto por João Pedro Silveira
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    Na «Ilíada», Homero escreveu que por ser muito mais alto do que os outros homens, Ájax lembrava uma muralha, encimada por uma torre, de onde se destacava a sua lança comprida. Filho de Telamon e Péribeia, foi um dos grandes heróis homéricos que teve um papel decisivo na famosa Guerra de Troia.

    Forte, sagaz, Ájax é, a seguir a Aquiles, o mais forte dos guerreiros gregos, exemplo de coragem, perseverança e inteligência. É pelo seu papel na epopeia de Homero que, milénios depois, um grupo de jovens resolve fundar em Amesterdão o FC Ajax, em 1894, clube que contudo acaba por não singrar.
     
    Todavia, anos depois, a 18 de março de 1900, no Café Oost-Indie, no número dois da Kalverstraat, Floris Stempel, Carel Reeser e Johan Dade, fundaram o Amsterdamsche Football Club Ajax.
     
    Futebol total
     
    Quando se pensa nos Países Baixos, pensa-se em campos e campos a perder de vista, cobertos de tulipas, aqui e ali pontuados com a iconográfica silhueta de um moinho, rasgando suavemente o céu com o lento movimento das suas pás.
     
    A história do futebol do Ajax é um espelho do seu país. É elegante como as tulipas e trabalhador como os moinhos. O totaalvoetbal, futebol total em português, nasceu ali, burilado no velho relvado do Stadion De Meer, durante anos, pela mão do mestre Rinus Michels.
     
    O «futebol total» fora apresentado ao mundo pela revolucionária seleção húngara da primeira metade da década de cinquenta. Essa equipa e o seu futebol envolvente, eram o corolário de anos de futebol coletivo, de um estilo de jogo que começara nos anos 30 e que o inglês Jack Reynolds levara também para Amesterdão, durante os seus consulados à frente dos destinos do Ajax (1). 
     
    1918: a primeira equipa campeã do Ajax
    A fluidez do jogo e mobilidade dos jogadores que Reynolds preconizava para a sua equipa ficaram para sempre na ideia de Michels - que fora seu jogador nos anos quarenta, ao ponto deste não hesitar em colocar em prática tudo o que aprendera com o mestre inglês, assim que se tornou no primeiro treinador holandês da história do clube em muitos anos (2).
     
    Michels defendia que o segredo estava na posse de bola e nas constantes mudanças de flanco, com os jogadores a mudarem constantemente de posição. A rotação dos médios, fazia lembrar o movimento das pás do moinho, mudando de posição e rodando no campo, até voltarem à sua posição inicial. Mesmo inconscientemente, o futebol do Ajax homenageava a sua Holanda natal.
     
    A ascensão de Cruijff
     
    Johan Cruijff era o expoente máximo dessa equipa. Normalmente apresentado no «onze» como sendo ponta de lança, tinha liberdade de ação, jogando em todas as oposições ofensivas, procurando sempre o melhor caminho para desfeitear o adversário. Os colegas adaptavam-se rapidamente às motivações do «dez», mudando de posição regularmente, garantindo assim que todas as posições estavam asseguradas. Num ápice, o 4x3x3 tornava-se num acutilante 3x4x3, ou num mais contido 4x4x2. A versatilidade do jogo do Ajax maravilhava e confundia os adversários.
     
    A tática dos húngaros aprimorada até à perfeição, permitiu ao Ajax a conquista da Holanda e da Europa e foi a base de muito do melhor futebol que se viu nas décadas seguintes, como os Dream Teams do Barcelona da década de noventa e do século XXI.
     
    Com Michels no banco e Cruijff no relvado, o Ajax tornou-se na potência dominante do futebol europeu. Era um «onze» de luxo, começando na segurança de Stuy e na «muralha» constituída por Blakenburg e Hulshoff. Os laterais, Suurbier e o magnífico Krol, davam profundidade à equipa, enquanto o meio campo, composto habitualmente por Haan, Mutren e Neeskens, mantinha a posse de bola, girando o esférico de pé para pé, o afamado «carrossel mágico» que hipnotizava as defesas adversárias, incapazes de taparem os buracos, por onde apareciam os letais Swart, Keizer e Cruijff.
     
    Primeiras vitórias
     
    Todavia, a história do Ajax remonta à viragem do século XIX para o XX, uma era que ficou conhecida na Europa como a Belle Époque. Durante esses primeiros anos do novo século, o jogo que os ingleses tinham inventado, cruzara a Mancha e começara a seduzir os holandeses.
     
    1932: o começo da primeira era dourada do clube
    O amadorismo era dominante e a maioria dos praticantes, dedicavam-se ao desporto por mera carolice. O Ajax não foi exceção, sendo a sua primeira década de história um longo período de lenta maturação. A ascensão ao primeiro escalão em 1911 foi o primeiro passo para a construção do mito que hoje conhecemos.
     
    Nesses tempos, os amsterdammers equipavam com uma camisola com riscas verticais vermelhas e brancas, além de calções pretos. Porém, esse era também o equipamento do Sparta de Roterdão, o que, segundo as regras da liga holandesa, obrigava o Ajax a mudar o «visual», dado que os de Roterdão, pela antiguidade na competição, tinham a primazia.
     
    Sem hesitações, os dirigentes optaram então por uma camisola branca com uma lista central vermelha, calções e meias brancas. Nascia assim um dos mais icónicos equipamentos do futebol mundial. 
     
    Com o novo equipamento, o Ajax conheceria a primeira despromoção da sua história em 1914, mas voltaria ao convívio dos grandes em 1917, ano que ficou marcado pela sua primeira conquista de relevo: a Taça da Holanda, coroada com uma goleada de 5x0 sobre o VVV. Na época seguinte chegava o primeiro título, revalidado em 1919.
     
    Crescimento
     
    A proximidade do bairro judeu valeu-lhes a alcunha de joden, «os judeus» em português, um nome que os adeptos tomaram como seu, ao ponto de passarem a levar a bandeira com a estrela de David para todos os jogos, provocando a fúria dos adversários antissemitas. Durante a II Guerra, essa ligação acabou por custar diversos problemas ao clube, com as autoridades alemãs a olharem de soslaio para as conotações sionistas dos amsterdammers.
     
    No período entre guerras, o Ajax foi perdendo algum gás, não voltando a conquistar nenhum grande troféu durante mais de dez épocas. Porém, os anos 30 trariam novos ventos, com mais vitórias, como a conquista de cinco campeonatos, que deram ao clube de Amesterdão uma nova dimensão. 
     
    Seguiu-se então a II Guerra Mundial, iniciada em 1939, com a Holanda a ser invadida pela Alemanha no ano seguinte e o futebol holandês - assim como tudo mais no país - a ressentir-se do conflito e da ocupação germânica.
     
    Pela proximidade do bairro judaico de Amesterdão, os adeptos do Ajax ganharam a alcunha de joden (os judeus), que orgulhosamente passaram a exibir com bandeiras com a estrela de David
    Com o campeonato interrompido em 1944, o futebol só voltaria em 1945-46, com um Ajax renascido e a lutar novamente pelo topo. Novamente campeões em 1947, os homens do Ajax começaram a preparar o caminho para o profissionalismo que abraçaram em 1955.
     
    Em 1957 e 1960, voltaram a conquistar o título, mas o clube viveria ainda momentos complicados, antes de Rinus Michels ser chamado para o leme da equipa.
     
    Gloria Ajax: dominação europeia
     
    Em 1964, Johan Cruiff estreou-se na equipa principal com apenas 17 anos. Contudo, o primeiro grande momento chegaria em 1967, quando, com apenas 19 anos, liderou a equipa numa histórica goleada sobre o Liverpool (5x1), em jogo a contar para a Taça dos Campeões. 
     
    Um ano mais tarde, o Ajax caiu às mãos do Dukla de Praga, adiando a glória europeia. O melhor estava guardado para a época seguinte. A 19 de fevereiro de 1969, o Ajax encontrou o Benfica nos quartos-de-final. Os portugueses eram vice-campeões europeus e grandes favoritos. Em Amesterdão, Eusébio e companhia fizeram estragos, vencendo por 1x3. Todos pensavam que a eliminatória estava resolvida. Mas quinze dias passados, o Ajax foi a Lisboa dar uma nova imagem das suas capacidades, realizando uma magistral exibição e vencendo por 1x3, obrigando a terceiro jogo, que foi vencido com um claro 3x0. Era o nascer do grande Ajax europeu, que, nesse ano, ainda acabaria vencido pelo Milan na final.
     
    A despedida de Johan Cruiff, o fim da carreira do maior ídolo de sempre do clube de Amesterdão
    Dois anos depois, já ninguém parou Cruijff e companhia e o Ajax chegou finalmente a glória, com a vitória sobre o Panathinaikos, na final de Wembley, a que se sucederam mais duas vitórias e um histórico tricampeonato europeu, até aí só atingido pelo «super» Real Madrid dos anos cinquenta. 
     
    Saída de Cruijff e novas gerações
     
    Depois de Cruijff (e Michels) saírem para o Barcelona, o Ajax ainda conquistou a terceira Taça dos Campeões e mais um campeonato, mas, aos poucos, o poder do futebol total do clube foi sendo contestado, dentro e fora de portas.
     
    A primeira derrota no De Meer surgiu em 1975, seis anos depois da última desfeita. Era um sinal dos novos tempos e punha fim a um longo recorde.
     
    O Campeonato só voltou a ser ganho em 1977, quatro anos depois da equipa de Kovacs. Os anos oitenta aproximavam-se e, apesar de estar longe do futebol da era de Cruijff, o Ajax voltava a dominar o futebol local, conquistando cinco títulos entre 1979 e 1985.
     
    A consequente emergência do PSV como nova potência do futebol holandês relegou os Godenzonen (filhos dos deuses) para um segundo plano, não obstante o surgimento de uma nova geração onde brilhavam, entre outros, o goleador Marco van Basten, os médios Vanenburg ou Rijkaard, que, comandados pelo regressado Cruijff, conquistaram a Taça das Taças em 1987.
     
    De novo no topo
     
    Os anos noventa trouxeram um novo Ajax com o fim do mítico De Meer, substituído pela moderníssima Arena de Amesterdão. Fora do campo, os Amsterdammers também viveram novos tempos, com o florescimento de uma nova geração de craques que voltaram a levar o Ajax ao topo do mundo.
     
    1995: os meninos de van Gaal voltam a conquistar a tão desejada «orelhuda»
    Com Seedorf, van der Sar, Davids, Kluivert, Kanu e tantos outros, mas ainda com os irmãos de Boer, Finidi, Overmars e Litmanen, além dos veteranos Blind e Rijkaard, o Ajax, comandado por Louis van Gaal, bateu o Milan na final de Viena em 1995, vingando a derrota de 1969 e conquistando a sua quarta «taça das orelhas». Um ano depois, nova final, desta feita perdida para a Juventus e o fim de uma nova era, com a saída das principais estrelas, a mostrarem ao mundo que o Ajax e o futebol holandês não tinham meios para guardar as suas joias, que saíam ano após ano para os lucrativos e apetecíveis campeonatos da Inglaterra, Itália e Espanha
     
    Século XXI: Uma rampa de lançamento, mas menos titulada

    O início do século XXI não foi muito positivo em termos de títulos (duas Ligas em 2001/02 e 2003/04), com o rival PSV a superiorizar-se a nível interno, mas Amesterdão continuou a ser uma rampa de lançamento para vários craques, como Cristian Chivu, Rafael van der Vaart, Andy van der Meyde, Steven Pienaar, Zlatan Ibrahimovic, Maxwell, Wesley Sneijder ou Nigel de Jong.

    Em 2010/11, Frank de Boer assumiu o comando da equipa que outrora representou como jogador, substituindo Martin Jol no cargo. O antigo internacional holandês devolveu o Ajax aos títulos, foi obreiro do primeiro pentacampeonato da história do clube (de 2010/11 a 2013/14) e os godenzonen continuaram a lapidar diamantes: Thomas Vermaelen, Jan Vertonghen, Luis Suárez, Daley Blind, Klaas-Jan Huntelaar, Toby Alderweireld, Christian Eriksen e Jasper Cillessen.

    A formação e a aposta em jovens continuaram a ser uma bandeira do emblema holandês e fez com que o clube regressasse às finais europeias em 2017… 21 anos depois. A jovem turma de Peter Bosz perdeu 0x2 com o Manchester United na final da Liga Europa, mas entrou para a história como o onze inicial mais jovem da história das finais europeias: média de 22 anos e 282 dias.

    Após o tetra, a ‘torneira’ dos títulos fechou-se momentaneamente, para voltar a abrir em 2018/19. Após um grande domínio doméstico, o grande Ajax europeu voltou e atingiu as meias-finais da Champions (eliminou Real Madrid e Juventus). Quanto à academia, essa manteve o bom fluxo: Davinson Sánchez, Bertrand Traoré e Justin Kluivert foram as últimas pérolas a abandonar Amesterdão e mais vão seguir o mesmo caminho, rumo aos tubarões da Europa.

    Na temporada seguinte, 2019/20, já sem vários dos nomes que tinham marcado as últimas épocas da formação do Ajax, mas com outros a surgir, a formação holandesa ia encaminhada para a revalidação do título caseiro - embora o campeonato estivesse a ser fervorosamente disputado com o AZ Alkmaar, mas a pandemia de covid-19 levou a que a federação holandesa optasse pelo cancelamento da prova, sem que fosse atribuído o título.
     
    Essa conquista não fugiria, no entanto, na época seguinte, com os comandados de Erik ten Hag a serem completamente dominadores na Eredivisie e a terminarem com mais 16 pontos que o 2º classificado PSV, numa campnha onde o Ajax impressionou pela qualidade do futebol exibido e, como já vinha sendo costume, pelos talentos que emergiam na equipa. A esse 35º título de campeão holandês, o Ajax juntou ainda a Taça dos Países Baixos, conquistada frente ao Vitesse (2x1)
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    (1) - 1915–1925, 1928–1940 e1945–1947.
    (2) - Durante a II Guerra Mundial, com o futebol parado e a Holanda sob o jugo da Alemanha Nazi, o Ajax foi «dirigido» por dois ex-jogadores, Wim Volkers e Dolf van Kol. Ambos eram naturais de Amesterdão e há muito ligados ao clube, foram os primeiros holandeses a comandar a equipa. Michels tornou-se o terceiro a holandês a comandar os destinos do Ajax em 1965.
    Forte, sagaz, Ájax é a seguir a Aquiles o mais forte dos guerreiros gregos, exemplo de coragem, perseverança e inteligência.Na «Ilíada», Homero diz que por ser muito mais alto do que os outros homens, Ájax lembrava uma muralha, encimada por uma torre, de onde se destacava a sua lança comprida. Filho de Telamon e Péribeia, um dos grandes heróis homéricos que participou na famosa Guerra de Troia.

    Comentários

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    motivo:
    Ajax
    2013-03-18 20h16m por Daniele
    Clube que só sabe formar grandes jogadores! É um grande exemplo, Parabéns Ajax!