Berlusconi permitiu, Sacchi idealizou e Baresi executou. O que o AC Milan alcançou no final dos anos oitenta não foi nada menos que extraordinário, mas para o sucesso de uma equipa atacante de classe mundial eram necessários bons alicerces na defesa, tendo sido precisamente essa a função do italiano, que permitiu a equipa brilhar e associou permanentemente o seu nome aos rossoneri e à função defensiva conhecida como líbero.
É difícil falar do AC Milan sem referir o nome de Franco Baresi, exatamente da mesma maneira que é impossível falar de Baresi sem tocar no clube a que se dedicou durante toda a carreira. Viveu uma carreira de sonho na qual venceu tudo, redefiniu o papel de um defesa moderno e fez tudo isso enquanto se tornava num símbolo e ídolo no clube que amava.
«Aos 18 anos já tinha o conhecimento de um veterano»
A frase é de Nils Liedholm, o técnico sueco que deu a estreia ao jovem italiano que tinha impressionado nos quatro anos em que esteve nas camadas jovens do AC Milan. Baresi chegou à equipa principal, em 1978, com vontade de ser goleador. Tinha jogado a avançado durante muitos anos e certamente não lhe faltava capacidade técnica para ser um grande atacante, mas com o tempo habituou-se à defesa, uma posição que fez sua em Milão e não largaria durante vinte anos.
A longevidade de Baresi é particularmente impressionante pois quando chegou ao clube ninguém esperaria que chegasse à equipa principal, muito menos atingisse estatuto lendário na mesma. Foi rejeitado pelos rivais, o Inter, que recusaram Franco por ser muito pequeno (daí a alcunha Il Piscinin, O Pequenino), mas aceitaram o seu irmão Giuseppe. Os dois irmãos passariam a ser rivais em campo durante toda a carreira e o Inter arrependeu-se de uma decisão que lhes custou um dos maiores defesas da história.
Com 22 anos, já era capitão do clube, devido à liderança inata e ao exemplo que dava diariamente à equipa, fosse em ambiente de jogo ou de treino. Também nessa altura chegava à seleção italiana, embora não fosse títular indiscutível e se tenha ficado pelo banco de suplentes na maior conquista da squadra azzurra nesse período, o Campeonato do Mundo de 1982. 12 anos mais tarde, a Itália voltaria a disputar uma final de um Mundial, dessa vez já com Baresi a capitão, embora não tenha sido feliz.
Mas o foco era mesmo no AC Milan, clube ao qual foi fiel desde o momento em que o aceitaram como um rapaz franzino de 14 anos e até ao final da sua carreira. A partir desse momento, só quis alcançar glória de vermelho e negro, algo que conseguiu pela primeira vez logo na sua primeira temporada completa na equipa principal, na qual fez 40 jogos e conquistou aquele que seria o seu primeiro Scudetto.
O início foi entusiasmante, mas a queda seria rápida e estrondosa. No início dos anos 80, Liedholm saiu e foi aí que o Milan caiu, literalmente, para a Serie B, devido à revelação de um escândalo de apostas (leia a história do Totonero aqui). No ano seguinte, conquistaram o título e a subida imediata, mas o primeiro ano de volta na Serie A não foi doce, com o clube a terminar na 14ª posição e dessa forma a acabar novamente despromovido ao segundo escalão do futebol italiano.
Seguir-se-iam 14 temporadas de futebol ao mais alto nível, nas quais Baresi cimentaria o seu valor enquanto futebolista não só em Milão, mas em todo o mundo. Pelo caminho, fez 720 jogos pelo clube, o então máximo da história do clube e que viria a ser ultrapassado pelo seu aprendiz, Maldini. Conquistou ainda três edições da Liga dos Campeões e seis Scudettos, o mesmo número que usava nas costas e que o clube retirou em sua honra.
Em 1984, Nils Liedholm voltou a Milão e trouxe com ele um truque que elevaria não só a carreira de Baresi como todo o clube. O italiano já tinha todas as capacidades técnicas e táticas para desempenhar a função de líbero, mas com o técnico sueco a transição foi facilitada.
Nessa função, aliou todas as suas capacidades defensivas, como a agressividade e excecional capacidade de desarme, a tudo o resto que era capaz de executar dentro das quatro linhas. Leitura e visão de jugo, distribuição através de passes de grande qualidade, técnica e drible eram algumas das suas armas e permitiam-lhe abandonar a defesa e subir pelo terreno quando a equipa tinha a bola.
Mas se foi Liedholm quem trilhou o caminho de Baresi, então foi Arrigo Sacchi quem calcetou o pavimento. Em 1986, chegou ao clube Silvio Berlusconi, o empresário que assumiu a presidência e trouxe a nova ambição de glória europeia. Reuniu alguns dos melhores jogadores do mundo, como Van Basten, Gullit ou Rijkaard, e contratou Sacchi para elevar a equipa a novas conquistas.
Apesar das novas caras no balneário e do desenvolvimento da qualidade da equipa, Franco Baresi nunca perdeu preponderância na mesma. Manteve-se um líder e figura incontornável, tornando-se cada vez melhor em campo na sua função característica, mas embora o reconhecimento surgisse, a Bola de Ouro estava longe.
O reinado de Sacchi em Milão foi lendário, mas não foi perfeito. Apesar do sucesso europeu, em quatro anos o AC Milan venceu apenas uma vez o Scudetto, um retorno que ficava um pouco aquém das expectativas dos adeptos e de Berlusconi. No final da temporada de 1990/91, as controvérsias com Sacchi já tinham evoluído completamente para ódio da parte dos jogadores, incluindo Baresi, que já não suportava o técnico e os seus treinos pesados. A opinião generalizada era que a equipa estava no fim de um ciclo, existindo a necessidade de renovar e até que talvez jogadores como Baresi (então com 31 anos) estivessem já em declínio.
A temporada de 1995/96 marcou o último campeonato conquistado pelo Milan sob a liderança do icónico capitão Franco Baresi, que penduraria as botas no final da época seguinte. Terminou a carreira num momento que considerou o correto por ainda estar no topo das suas capacidades, aos 37 anos, embora os tifosi do clube milanês não duvidassem que a classe de Baresi perduraria durante vários anos ainda, caso quisesse ter continuado a jogar.