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    Artur Jorge: O Rei Artur

    Texto por João Pedro Silveira
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    Nasceu no Porto e foi no clube mais representativo da cidade que nasceu para o futebol e conseguiu o seu maior feito como treinador. Irreverente, passou por Coimbra, jogou com Eusébio na Luz, fez golos, muitos golos e ainda teve tempo para ser sindicalista. Estudante de Filosofia, firmado em germânicas, Artur Jorge tem lugar na história do futebol português como um dos melhores avançados da história do Campeonato Nacional e como o primeiro treinador lusitano a conquistar a Taça dos Clubes Campeões Europeus.

    Tripeiro de coração

    Era um dia frio na Cidade do Porto, esse 13 de Fevereiro em que Artur Jorge Braga de Melo Teixeira nasceu na Clínica da Lapa. Cresceu na Rua da Ponte Nova, perto da oficina de torneiro do avô, bem no coração da cidade Invicta, e foi por ali que deu os primeiros passos e perseguiu e chutou a bola trapeira com os amigos.

    Os seus primeiros "estádios" tiveram lugar na Travessa da Bainharia e na Rua da Pena Ventosa, com duas pedras "levantava-se" uma baliza, enquanto a outra baliza "desenhava-se"  entre a soleira de uma porta e um lampião.

    Com o seu grupo de amigos, corria cada rua e viela com a bola debaixo do braço, percorrendo o seu mundo que se estendia da Rua das Flores ao Largo do Colégio, onde defronte a imponente fachada da Igreja dos Grilos, os petizes organizavam lendários duelos futebolísticos. Joelhos rasgados, solas gastas, sapatos que não duravam muito. A tudo o pai desculpava, percebendo desde cedo o dom do filho para jogar à bola. Vendo que o pequeno Artur só usava o pé direito para chutar, comprou uma bola de borracha para que todas as noites treinasse o remate só com o pé esquerdo.

    Estudante e jogador

    Para felicidade dos pais, Artur Jorge não descurava os estudos. Inteligente, era um aluno interessado e um praticante àvido de desporto. Iniciou os estudos liceais no D. Manuel II (hoje Rodrigues de Freitas) e lá começou a jogar voleibol e basquetebol.

    @Global Imagens / Arquivo DN
    A adolescência é passada entre as aulas, as tertúlias no café, os ocasionais jogos de bilhar e uma crescente paixão pela leitura. 

    Revela-se também a sua faceta de líder, fundando o Centro Académico Futebol Clube, equipa onde jogava com outros estudantes. Depois de participar num torneio de juvenis, desactiva o clube para se juntar a outro clube da Carvalhosa, o Clube Académico do Porto, onde se torna vogal de uma direção que contava com José Maria Pedroto no Conselho Fiscal.

    Seria o «Zé do Boné» a leva-lo para o FC Porto, onde pela mão do treinador argentino Francisco Reboredo conquista o seu primeiro título  de campeão júnior, batendo o Sporting na final. Chamado à seleção nacional de juniores, participou no torneio internacional da UEFA que se realizou na Holanda, onde Portugal conseguiu o terceiro lugar. 

    Regressado a casa, a primeira tragédia na vida com a morte da mãe, que o abalou de tal maneira que ponderou abandonar o futebol. Durante meses fechou-se em casa e faltou aos treinos.

    Das Antas ao Calhabé 

    Em 1964/65 Otto Glória assume o comando técnico dos azuis e brancos e encantado com o jovem, chama-o à equipa, convocando-o para uma digressão ao Brasil e para o Torneio Teresa Herrera.

    A época prometia, mas uma lesão deixou-o fora de campo durante quatro meses. Enquanto recuperava dedicou-se aos estudos e candidatou-se à universidade, sugerindo um empréstimo à Académica, para poder cursar Filosofia na Universidade de Coimbra.

    Em meados de 1965 chegou à cidade banhada pelo Mondego e rapidamente pegou de estaca na equipa orientada por Mário Wilson. Na segunda época chegou à final da Taça de Portugal, perdida para o Vitória de Setúbal, após dois dramáticos prolongamentos. No Calhambé, Artur Jorge era sinónimo de golos. Apontando 14 golos na primeira época, 25 na segunda e 28 na terceira. Falharia a final da Taça de Portugal contra o Benfica, por ser chamado ao Serviço Militar em Mafra, falhando assim o momento que podia ter coroado a Briosa e a grande manifestação de contestação ao regime.

    @Global Imagens / Arquivo DN
    Em Coimbra aprofundava o seu lado rebelde. Lia Albert Camus e Jean-Paul Sartre, ouvia The Beatles e The Doors, e não tinha pejo em publicamente admirar "Che" Guevara. 

    Licenciou-se em Germânicas e publicou um livro de Poesia, ganhando fama de intelectual, uma aura que o acompanharia ao longo da carreira toda. 

    Estrela na Luz e sindicalista

    Ainda sem o serviço militar terminado mudou-se para Lisboa e para o Benfica. A primeira época foi discreta, entre treinos e serviço militar, mas tudo mudou nas épocas seguintes, com duas vitórias no campeonato e conseguir vencer a Bola de Prata nessas duas épocas. Na segunda metade da época seguinte, nova grave lesão, interrompeu-lhe a fulgurante carreira. Operado cinco vezes, acabaria por abandonar o Benfica, mudando-se para o Belenenses.

    Com o 25 de Abril mais se incendiou a sua alma revolucionária, tornando-se em líder sindical, reclamando por direitos para os jogadores e pugnando por um futebol puramente amador, "limpo do capital burguês". 

    Depois de uma breve passagem pelos Rochester Lancers do outro lado do Atlântico, terminou a carreira em 1978, contando 16 internacionalizações e um golo ao serviço da «equipa das quinas».

    O treinador

    O primeiro presidente do SJPF arrefeceu o seu fervor revolucionário nos últimos anos da década. A perna partida (mais uma vez) fê-lo desistir da carreira, e enquanto recuperava, leu a obra completa de Eça de Queirós. 

    Quando finalmente recuperado resolveu inscrever-se na Universidade de Lípsia, na República Democrática Alemã, para cursar futebol. Terminando o curso com nota máxima, regressou a Portugal, onde orientou o Belenenses e o Portimonense e acompanhou José Maria Pedroto como treinador adjunto em Guimarães.

    Seria o Zé do Boné a marcar definitivamente a sua carreira, quando o indicou a Pinto da Costa como o seu sucessor. Chegou ao FC Porto em 1984 e o resto é história.

    Bicampeão Nacional leva o FC Porto à conquista da Taça dos Campeões Europeus, na célebre final de Viena, onde o dragão se superiorizou ao Bayern.

    Consagrado, não resistiu ao charme da Cidade ##Luz e assinou pelo Matra Racing, a troco de uma "pipa" de francos. Duas épocas depois voltou à Invicta, onde seria novamente campeão, tendo entretanto aceitado o convite para liderar a seleção nacional na qualificação para o Euro 92, mas Paris tinha-lhe ficado no coração e aceitou o convite do PSG em 1991, deixando para trás o Porto e Portugal. Com o Paris Saint-German seria campeão francês e tornou a equipa parisiense numa das mais fortes da Europa. Em 1994 aceitou o repto de Manuel Damásio para substituir Toni no comando do Benfica.

    O fim do estado de graça

    Na Luz não foi feliz, onde foi operado a um tumor na cabeça. No campo desportivo o Benfica arrastou-se pelo campeonato e a contestação à sua liderança era constante.

    @Getty / Lutz Bongarts
    Acusado de ter desmantelado a equipa campeã, Artur Jorge era olhado com desconfiança pelos adeptos que se recordavam da sua passagem pelo FC Porto e que já pareciam ter esquecido os seus anos de águia ao peito. Na segunda época, após um começo titubeante, Artur Jorge e Manuel Damásio chegaram a acordo e o treinador abandonou o clube, somente após ter disputado três jogos.

    Este seria o ponto de não retorno da sua carreira, começando uma fase descendente em que passaria pelo banco da seleção helvética, que comandou no Euro 96 em Inglaterra sem sucesso, muito contestado pelos suíços, que recordavam com saudade Roy Hogdson e a campanha no  mundial de 1994, e que não lhe perdoaram ter deixado de fora duas referências como Alain Sutter e Adrian Knup.

    Depois da Suíça regressou à seleção nacional, com quem falhou o apuramento para o Mundial de 1998 em França, tendo pelo meio sido agredido por Sá Pinto, em mais um triste momento da história do futebol português.

    Trota mundos

    Nos anos seguintes sucederam-se as experiências mal sucedidas: Tenerife, Vitesse, PSG. Seduzido pelos petrodólares treinou nos Emirados Árabes Unidos e na Arábia Saudita, antes de ceder ao chamamento do coração e treinar a Académica em 2003.

    Treinou o CSKA de Moscovo, mudando-se depois para os Camarões, falhando a qualificação para o mundial da Alemanha 2006. Trocou então África pela Arábia Saudita, antes de voltar a França, para com surpresa aceitar comandar os destinos do Créteil da Segunda Divisão. Em 2007 abandonou o futebol, indicando que queria "estar com a família, estar em casa, ler livros, ir ao cinema, ter tempo livre".

    Durante sete longos anos andou afastado do mundo do futebol, tendo regressado para nova aventura, desta feita na Argélia, ao serviço do MC Alger, seu último clube. 

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    Comentários

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    motivo:
    O Artur Jorge não destruiu o Benfica.
    2019-08-13 18h33m por eduardonlirio
    Quando foi treinador do Benfica, o plantel já se encontrava desmantelado, devido aos problemas financeiros e económicos provocados pela presidência de Jorge de Brito, e a sua passagem pelo Benfica como treinador também não foi feliz, pois ele estava doente (tinha um tumor na cabeça) e a carreira dele (mesmo depois da operação) nunca mais foi igual. Além disso, o Artur Jorge jamais seria capaz de trair um clube no qual se sucedeu muito bem como jogador, e no qual desejava muito treinar um dia.