placardpt
    Evolução do Jogo
    Evolução do Jogo

    Cuju, o pontapé de saída

    Texto por João Pedro Silveira
    l0
    E0
    Imagine o cenário: uma arena rectangular, com piso de areia, rodeada de arcadas com bandeiras de seda a decorar, onde se encontravam as pessoas, umas sentadas, outras de pé.
     
    No centro do terreno duas equipas de dez jogadores, cada uma equipa com a sua cor, um uniforme igual para todos os jogadores. Na frente de cada equipa um décimo primeiro jogador, o líder da equipa. Atrás mais bandeiras, grupos de música e percursionistas, tudo acompanhado pelo rufar dos tambores. Um oficial carregava uma bola de couro e todos se prostravam perante o Imperador. 
     
    Esta era uma imagem recorrente na China Imperial durante séculos. Podia variar o número e até o género dos jogadores, pois tanto homens como mulheres participavam. Podia mudar o numero de metas ou balizas, a audiência podia ser grande ou pequena, o Imperador podia estar presente ou não, mas a emoção de um jogo de Cuju seria sempre intensa.

    Das pedras à bola


    Não se sabe quando o homem terá pontapeado pela primeira vez uma pedra, um fruto ou um bocado de madeira que encontrou no caminho. Basta olhar à nossa volta entre os animais que nos são próximos, para perceber que o gesto de manusear, chutar ou empurrar um objecto arredondado é uma brincadeira muito popular no mundo animal, em particular entre as crias.

    Jovens jogadoras chinesas da Dinastia Ming (ilustração de Du Jin) @Domínio Público
    Desde o paleolítico que muito provavelmente os nossos antepassados já chutavam objectos que encontravam pelo caminho e talvez se divertissem em descampados tentando chutar um fruto, um cránio ou outro objecto que encontrassem. O primeiro homem nasceu em África e ao longo de milhares de anos, geração após geração foi-se espalhando pelos restantes continentes. Quantas pedras terá o homem chutado ao longo das suas incontáveis migrações? 

    Mas seria só no neolítico que as primeiras bolas terão sido fabricas e utilizadas em brincadeiras. As primeiras civilizações nasceram expontaneamente por volta de 7000 anos antes da era coum (a.e.c.) em locais tão distintos como as margens do Nilo, a Mesopetâmia, o Peru, o vale do Indus e o vale do Yang Tze na China. Há aproximadamente 2500 anos surgiu na China o primeiro jogo de futebol de que há registo, o Cuju.

    Chutar uma bola

    O nome provém da junção de duas palavras: «cu» (chutar) e «ju» (tipo de bola de couro cheia de penas) e começou a tornar-se popular num período da história chinesa entre 476 e 221 a.e.c., que ficou conhecido como o Período dos Reinos Combatentes, época conturbada em que os diversos reinos localizados na China se digladiaram até à unificação sob a espada de Qin Shi Huang em 221 a.C..

    A primeira menção histórica ao cuju pode ser encontrada no Zhan Guo Ce, literalmente «Estratégias dos Reinos Combatentes», um conjunto de textos compilados na época. O Cuju é referenciado como uma prática de treino no estado de Qi. Há também referências ao jogo no famoso «Registo do Historiador» de Sima Qian, escrito durante a Dinastia Han, período em que a popularidade do jogo, até então circunscrito ao exército, alastrou-se à corte e à nobreza. 

    Seria durante o reinado do Imperador Wu Di (141 a.e.c. - 87 a.e.c.), um suposto apaixonado do desporto, que se estabeleceram as regras do cuju. A popularidade do jogo cresceu com o interesse imperial e foi se espalhando pela alta sociedade.

    Imperador da Dinastia Ming assiste a um jogo entre eunucos @Domínio Público
     Devemos ao poeta Li Yu um registo apaixonado - e poético - dos jogos de Cuju do primeiro século da nossa era: «Redonda é a bola, quadrado é o campo / Igual à imagem da terra e do Céu (1) / A bola passa sobre nós como a Lua / Quando duas equipas se encontram. / Foram nomeados os capitães, que dirigem o jogo / Segundo o imortal regulamento. / Nenhuma vantagem para os parentes / Não há lugar para o partidarismo; em troca / Reina a decisão e o sangue-frio / Sem erro nem omissão, / E se tudo é necessário para o Cuju / Quanto mais o será para a vida!» (2)

    O jogo disputava-se numa quadra conhecida como Ju Chang e em cada lado do campo havia seis balizas -  ou metas - em forma de crescente. 

    Durante a dinastia Tang (618-907) o desporto cada vez mais popular sofreu diversas atualizações. Primeiro a bola, até então cheia de penas, passou, à imagem das bolas atuais, a ser enchida de ar. Entretanto dois tipos de baliza surgiram no jogo. Uma colocada a meio do campo, e noutra versão, as duas balizas, cada uma na sua ponta, tinham rede entre os dois postes. 

    Os campos de cuju espalharam-se pelo país e todas as grandes famílias tinham o seu campo de cuju no jardim ou nas traseiras das suas mansões. O jogo era disputado com igual paixão por homens e mulheres. 

    Apogeu e declínio

    Durante a dinastia Song (960-1279) o jogo continuou a ser uma das mais importantes distrações do país. A sua popularidade ia desde o Imperador aos mais pobres, que já há algum tempo tinham descoberto o encanto do jogo do pontapé na bola. 

    Cem crianças na Primavera de Long, quadro do artista chinês Su Hanchen (1130-1160 e.c.) Dinastia Song @Domínio Público
    O cuju era disputado em duas variantes. Uma onde os jogadores eram um misto de acrobatas e ginastas, atuando perante grandes audiências e em particular a corte e outro, jogado por civis que disputavam campeonatos locais, com a maioria dos jogadores a serem profissionais. 
     
    Equipas como o Qi Yun She ou o Yuan She contam-se como os primeiros clubes desportivos profissionais do Mundo. Os membros destas equipas - e outras -eram atletas profissionais e eram pagos por jovens que para se tornarem jogadores profissionais eram obrigados a recorrer a um professor. 
    Este sistema de professores e aprendizes tornou possível a profissionalização de centenas de jogadores. 
     
    Seria já durante a dinastia Ming (1368-1644) que o jogo começou a perder popularidade, acabando por desaparecer. Para o futuro ficaram os desenhos, as porcelanas ilustradas, os textos e poemas que nos permitem recordar o jogo e as suas regras. 
     
    Regras e formas de jogar
     
     Zhu Qiu e Bai Da eram as duas formas de jogar cuju. O primeiro era disputado em dias festivos, com o o aniversário do Imperador. Os jogos de exibição eram sempre acompanhados com grande interesse na corte pelos mais altos dignitários do país. Normalmente o jogo era disputado por equipas de 12 a 16 jogadores de cada lado, com o objetivo de marcas "golos" nas balizas adversárias. 
     
    Já o Bai Da era um desporto de técnica e de demonstração. Os jogadores recreavam-se com a bola, pasmando os espetadores com a sua técnica e acrobacias. Os golos deixaram de fazer sentido, sendo o objetivo da bola passar a bola entre colegas e amealhar pontos cumprindo determinados tipo de passes e atingindo determinadas alturas e distâncias com o pontapé na bola. Perder o controlo da mesma ou mandar a bola para fora do campo custava uma penalização. O jogo era disputado por equipas de 2 a 10 jogadores. 

    -------------------------------
    (1) Tal e qual outras cosmogonias como as do Médio Oriente ou Europa, os chineses achavam que o céu era uma esfera redonda e a terra plana e quadrada. 
    (2) Poema na sua versão modernizada pode ser encontrado na «História do Futebol» de Manuel de Sousa, SporPress, 1997. 
     
    Football has found its way to the most remote corners of the globe, becoming one of the hottest topics of the day. About 2,500 years ago in China there was a similar game called "Cuju", which, according to the International Football Association, was the origin of football as a sport.
     
     Development of Cuju
     
    "Cu" ("to kick") and "ju" (a type of leather ball filled with feathers) became popular during the Warring States Period (476-221BC). Back then, cuju was used to train military cavaliers due to the fierce nature of the sport.
     
    During the Han Dynasty (206BC-AD220), the popularity of cuju gradually spread from the army to the royal courts and upper classes. It is said that the Han emperor Wu Di enjoyed the sport. At the same time, cuju games were standardized as rules were established. Football matches were often held inside the imperial palace. A type of court called "ju" cheng was built especially for cuju matches, with six crescent-shaped goal posts at each end.
     
      
     
    Unearthed bowl with images of cuju playing
     
    The sport was improved during the Tang Dynasty (618-907). First of all, the feather-stuffed ball was replaced by an air-filled ball with a two-layered hull. Also, two different types of goal posts emerged: One was made by setting up posts with a net between them and the other consisted of just one goal post in the middle of the field. The level of female cuju teams also improved. Records indicate that once a 17-year-old girl beat a team of army soldiers.
     
    Cuju flourished during the Song Dynasty (960-1279) due to social and economic development, extending its popularity to every class in society -- from the emperor to ordinary civilians. At that time, professional cuju players were quite popular, and the sport began to take on a commercial edge. Professional cuju players fell into two groups: One was trained by and performed for the royal court (unearthed copper mirrors and brush pots from the Song often depict professional performances) and the other consisted of civilians who made a living as cuju players. 
     
    In the Song Dynasty cuju organizations were set up in large cities called Qi Yun She or Yuan She -- now known as the earliest professional cuju club -- whose members were either cuju lovers or professional performers. Non-professional players had to formally appoint a professional as his or her teacher and pay a fee before becoming a member. This process ensured an income for the professionals.
     
    Unlike cuju of the Tang Dynasty, only one goal post was set up in the middle of the field during the Song.
     
     Ways to Play Cuju
     
    There are mainly two ways to play cuju: "Zhu Qiu" and "Bai Da"
     
    Zhu Qiu was commonly performed at court feasts celebrating the emperor's birthday or during diplomatic events. This competitive match between two teams consisted of 12-16 players on each side.
     
    Bai Da was the dominant cuju style of the Song Dynasty, attaching much importance to developing personal skills. The goal became obsolete in this method and the playing field was enclosed with thread, with players taking turns to kick the ball within. The number of fouls made by the players decided the winner. For example, if the ball was not passed far enough to reach the other players, points were deducted. If the ball was kicked too far out, a big deduction was made. Kicking the ball too low or turning at the wrong moment all led to fewer points. Players could touch the ball with any part of the body except their hands and the number of players ranged anywhere from two to 10. In the end, the player with the highest score would win.
     
    Cuju began its decline during the Ming Dynasty (1368-1644) due to neglect, and the 2,000-year-old sport finally faded away.
     
    Football has found its way to the most remote corners of the globe, becoming one of the hottest topics of the day. About 2,500 years ago in China there was a similar game called "Cuju", which, according to the International Football Association, was the origin of football as a sport.
     
     Development of Cuju
     
    "Cu" ("to kick") and "ju" (a type of leather ball filled with feathers) became popular during the Warring States Period (476-221BC). Back then, cuju was used to train military cavaliers due to the fierce nature of the sport.
     
    During the Han Dynasty (206BC-AD220), the popularity of cuju gradually spread from the army to the royal courts and upper classes. It is said that the Han emperor Wu Di enjoyed the sport. At the same time, cuju games were standardized as rules were established. Football matches were often held inside the imperial palace. A type of court called "ju" cheng was built especially for cuju matches, with six crescent-shaped goal posts at each end.
     
      
     
    Unearthed bowl with images of cuju playing
     
    The sport was improved during the Tang Dynasty (618-907). First of all, the feather-stuffed ball was replaced by an air-filled ball with a two-layered hull. Also, two different types of goal posts emerged: One was made by setting up posts with a net between them and the other consisted of just one goal post in the middle of the field. The level of female cuju teams also improved. Records indicate that once a 17-year-old girl beat a team of army soldiers.
     
    Cuju flourished during the Song Dynasty (960-1279) due to social and economic development, extending its popularity to every class in society -- from the emperor to ordinary civilians. At that time, professional cuju players were quite popular, and the sport began to take on a commercial edge. Professional cuju players fell into two groups: One was trained by and performed for the royal court (unearthed copper mirrors and brush pots from the Song often depict professional performances) and the other consisted of civilians who made a living as cuju players. 
     
    In the Song Dynasty cuju organizations were set up in large cities called Qi Yun She or Yuan She -- now known as the earliest professional cuju club -- whose members were either cuju lovers or professional performers. Non-professional players had to formally appoint a professional as his or her teacher and pay a fee before becoming a member. This process ensured an income for the professionals.
     
    Unlike cuju of the Tang Dynasty, only one goal post was set up in the middle of the field during the Song.
     
     Ways to Play Cuju
     
    There are mainly two ways to play cuju: "Zhu Qiu" and "Bai Da"
     
    Zhu Qiu was commonly performed at court feasts celebrating the emperor's birthday or during diplomatic events. This competitive match between two teams consisted of 12-16 players on each side.
     
    Bai Da was the dominant cuju style of the Song Dynasty, attaching much importance to developing personal skills. The goal became obsolete in this method and the playing field was enclosed with thread, with players taking turns to kick the ball within. The number of fouls made by the players decided the winner. For example, if the ball was not passed far enough to reach the other players, points were deducted. If the ball was kicked too far out, a big deduction was made. Kicking the ball too low or turning at the wrong moment all led to fewer points. Players could touch the ball with any part of the body except their hands and the number of players ranged anywhere from two to 10. In the end, the player with the highest score would win.
     
    Cuju began its decline during the Ming Dynasty (1368-1644) due to neglect, and the 2,000-year-old sport finally faded away.

    Comentários

    Gostaria de comentar? Basta registar-se!
    motivo:
    EAinda não foram registados comentários...
    Tópicos Relacionados