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    Dynamo Kiev

    Texto por Pedro Marques Silveira
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    Quando se pensa em futebol ucraniano o primeiro nome que surge é o do Dynamo Kyiv, em português conhecido como Dynamo Kiev, o maior e mais bem-sucedido clube do país, vencedor de diversas ligas e taças, primeiramente na União Soviética e depois da independência, na Ucrânia.

    Fora de portas, o gigante do leste também conquistou duas Taças das Taças e uma Supertaça Europeia, além de ter dado ao mundo do futebol nomes inesquecíveis como Blokhin, Belanov, Lobanovsky ou Schevchenko.

    O Movimento Dínamo
     
    A Sociedade Proletária de Moscovo «Dínamo» (1) nasceu na capital russa a 18 de Abril de 1923, por iniciativa de Felix Dzerzhinsky, diretor do Diretório Político do Estado (GPU), nome por que passara a ser conhecida a Polícia Política Soviética, anteriormente Cheka (2). 
     
    O nome significa "energia em movimento" e provém do grego: δύναμις; dynamis -energia, e do latim: motio, -movimento. Com o passar dos anos o seu nome sofreu diversas alterações, mas o objetivo de um sistema universal de educação física e prática desportiva na União Soviética manteve-se durante décadas e décadas. 

    A sociedade ganhou primeiro uma dimensão nacional e mais tarde internacional, abrindo secções da «Dínamo» moscovita por toda a URSS e mais tarde pelos estados "satélites" da Europa de Leste. Seria uma dessas secções que surgiu em Kiev, alguns anos mais tarde. No dia 13 de Maio de 1927 as autoridades soviéticas em Kiev aceitavam os estatutos da nova associação desportiva do proletariado de Kiev. Nascia o Dynamo Kiev (3). 
     
    Primeiros anos
     
    Todavia, só em abril do ano seguinte é que surgiram notícias da equipa de futebol do Dynamo Kiev na imprensa local. O primeiro jogo oficial, esse só teria lugar a 15 julho, uma derrota por 1x2 com o Bila Tserkva. Mas rapidamente o clube tornou-se numa referência desportiva não só da cidade como da própria Ucrânia. As autoridades locais perceberam o alcance político de ter um clube capaz de ombrear com os poderosos clubes de Moscovo e como que informalmente o Dynamo Kiev tornou-se no símbolo futebolístico da República Socialista Soviética da Ucrânia.

    Sem surpresa, o Dynamo Kiev tornou-se a única equipa não russa que disputou a primeira edição do Campeonato Soviético, juntando-se aos quatro grandes de Moscovo - Spartak, Dynamo, Lokomotiv e CDKA (futuro CSKA) - e duas equipas de Leninegrado (4). O clube de Kiev conseguiu surpreender a concorrência e terminou em segundo lugar, atrás do Dynamo Moscovo. 
     
    Terceiro classificado na edição da Primavera do Campeonato de 1937, o Dynamo Kiev não voltou a ter nenhum resultado de destaque até 1941, ano em que a invasão alemã da União Soviética interrompeu a competição.
     
     
    Uma das páginas mais famosas da história dos Bilo-Synis (5) aconteceu durante a ocupação alemã da Ucrânia, quando alguns dos jogadores da equipa se viram envolvidos num conjunto de partidas de futebol que ficaram conhecidas como o «Jogo da Morte»...
     
    A maioria dos jogadores do Dynamo juntaram-se ao exército quando a União Soviética foi invadida pela Alemanha Nazi, partindo imediatamente para a frente de combate. Mas as defesas soviéticas mostraram-se muito fragéis para a excelente máquina de guerra da Wehrmacht (6). Kiev, sendo uma das mais importantes cidades soviéticas, era obviamente um dos grandes objetivos militares do exército alemão. A 19 de Setembro a cidade caiu em mãos alemãs. Todas as organizações soviéticas foram encerradas, entre elas encontrava-se obviamente o Dynamo. As ligações do Dynamo à NKVD fazia com que muitos dos atletas do clube trabalhassem não só na Polícia Secreta como noutras forças de segurança da União Soviética.

    Dadas as suas ligações à NKDV a maioria dos jogadores que tinha sobrevivido tanto na frente de batalha como na defesa da cidade, e que não conseguiu fugir às forças nazis, acabou naturalmente encarcerada em campos de prisioneiros nos arredores da cidade.
     
    O facto de serem meros atletas do clube e não serem considerados perigosos pelas autoridades nazis, levou a que estas libertassem a maioria dos jogadores. Alguns deles encontraram trabalho numa padaria da cidade, fazendo parte desde a primeira hora do FC Start. Entre esses encontrava-se o guarda-redes Trusevich, que teve papel fundamental a convencer antigos colegas do Dynamo a jogarem pelo novo clube. Reunido o grupo a equipa começou a treinar e a defrontar outras equipas de Kiev, participando numa liga local. As vitórias constantes sobre as outras equipas da região despertaram a atenção das forças de ocupação. 

    O primeiro convite surgiu da Guarnição Militar Húngara que seria derrotada por 6x2 a 21 de Junho. Seguiram-se outros encontros contra equipas de unidades militares alemãs. As vitórias sucediam-se provocando embaraço nas autoridades nazis.

    Foi então que uma equipa da Luftwaffe (força aérea) enfrentou o Start. A Flafelk, nome da equipa alemã, foi inapelavelmente goleada por 1x5 para profunda irritação do comando militar alemão. No fim do jogo foi lançado o repto, o Start tinha de defrontar a Flafelk três dias depois. A equipa alemã reforçou-se com mais jogadores mas foi em vão. O Start voltou a vencer, desta feita por 5x3. Seguiu-se ainda uma vitória sobre outra equipa alemã (8x0) antes da Gestapo começar a deter os jogadores do Start por acusação de ligações à NKVD. Torturados, acabaram presos e levados para trabalhar em campos de trabalho forçado. Poucos sobreviveram ao fim da guerra.

    Nova era

    Terminado o conflito o clube renasceu voltando lentamente a tornar-se numa das principais forças futebolísticas da Ucrânia. O seu primeiro título chegou em 1954, quando o Dynamo conquistou a Taça da União Soviética, batendo na final os arménios do Spartak Erevan (2x1). 

    Mas seria só na década de 60 que uma nova geração de jogadores conduziu a uma verdadeira revolução no futebol soviético. Segundo classificado em 1960, torna-se o primeiro clube não moscovita a sagrar-se campeão soviético (1961). A equipa dirigida por Viatcheslav Solovev dominou a prova a seu bel-prazer, contando com uma temida linha ofensiva composta por: Oleg Bazilevitch, Viktor Kanevski, Valery Lobanovsky e Viktor Serebryanikov. Depois de duas épocas menos conseguidas, Viktor Maslov chegou em janeiro de 1964 para relançar o Dynamo, conquistando novamente a Taça. 
     
    Com a recusa do campeão em título da União Soviética,  Dynamo Tbilissi, de participar na Taça dos Campeões Europeus, é o Dynamo Kiev que é convidado a ser o primeiro clube a representar a URSS na prova. Na estreia o Dynamo chega aos quartos de final, depois de eliminar o Coleraine e Rosenborg, acabando eliminado pelos escoceses do Celtic

    Campeão e vencedor da Taça em 1966, a equipa de Maslov brilhava com seis jogadores que representaram a URSS no mundial de Inglaterra. Nas duas épocas seguintes o Dynamo voltaria a conquistar o Campeonato da União Soviética, conseguindo um histórico tricampeonato, feito que só acontecera por uma vez, quando o CSKA de Moscovo festejara o tricampeonato nos anos 40.
     
    Novo título de campeão chegaria em 1971, já sob o comando técnico de Aleksandr Sevidov, numa equipa onde brilhavam Evgueni Roudakov na baliza e Viktor Kolotov, além do jovem promissor Oleg Blokhin, a flecha de Kiev.  Os sucessos internos do Dynamo tornaram o clube tão popular que o principal clássico do futebol russo passou a ser o Dynamo Kiev x Spartak Moscovo, superando em interesse e rivalidade, o até aí histórico Spartak Moscovo x Dynamo Moscovo. 

    O futebol científico
     
    Em Setembro de 1973 o futebol soviético iniciou a sua mais histórica revolução, quando o antigo avançado da equipa, Valery Lobanovsky, tomou conta dos «brancos». Meticuloso, cerebral, frio - há quem o comparasse a um iceberg - , disciplinador, Lobanovsky olhava para as suas equipas como um corpo homogéneo. 
     
    Folhas de papel quadriculado com esquemas elaborados, cadernos repletos de análises de resultados físicos, medições, contas, muitas contas... O escritório de Lobanovsky era o seu laboratório. Nos treinos, eram seguidas à risca as suas decisões. A forma física era por demais importante, o que aliado a uma preparação psicológica cuidada tornava cada jogador numa peça da máquina, que era a equipa comandada por Lobanovsky.
     
    Na União Soviética trabalhava-se para o "bem comum". O individualismo era desaconselhado e em muitos casos severamente punido e no campo de futebol não havia exceções. Quem driblava em vez de passar, sabia que não tinha lugar na equipa. O primado do coletivo tornou a equipa de Kiev uma das mais temidas do futebol mundial.

    Com Oleg Bazilevitch ao seu lado, "Loba" criou uma equipa extraordinária, onde se destacava a arte de fazer golos de Blokhin. Vice-campeões em 1973, os «brancos» dominaram a época seguinte, conquistando a dobradinha. No ano seguinte, o Dynamo conquistou a sua sétima liga soviética, ao que somou uma histórica vitória na Taça dos Vencedores das Taças, batendo o Ferencvaros na final por 3x0, o que tornou o Dynamo Kiev no primeiro clube soviético a conquistar uma competição europeia. Meses depois, a extraordinária equipa de Lobanovsky encantou a Europa, batendo o Bayern de Beckenbauer e companhia na Supertaça Europeia.  
     
    Três vezes campeão entre 1977 e 1982 o Dynamo chegou aos quartos-de-final da Taça dos Campeões em 1976, eliminado pelo Saint-Étienne. No ano seguinte, o Dynamo eliminou o tricampeão Bayern de Munique, para ser eliminado pelos também alemães federais do Borussia Mönchengladbach. 
     
    O sucesso do Dynamo Kiev levou as autoridades desportivas soviéticas a contratarem Lobanovsky para simultaneamente orientar o Dynamo e ser selecionador nacional. 

    Anos 80: segunda era dourada
     
    Após alguns anos de resultados menos conseguidos, Lobanovsky procede a uma renovação da equipa, que termina a conquista de uma nova dobradinha 1985. 
     
    Em 1986 o Dynamo volta a conquistar o Campeonato Soviético, voltando a brilhar na Europa com nova conquista da Taça dos Vencedores das Taças, batendo o Atlético Madrid por 3x0, com uma equipa que ficou na memória do apaixonados pelo futebol europeu: Chanov, Bezsonov, Baltacha, Kuznetsov, Demyanenko, Yaremchuck, Yakovenko, Zavarov, Rats, Blokhin e Belanov.  As exibições da União Soviética no mundial do México (1986) ficaram na retina de todos, com Igor Belanov a receber o Ballon d'Or da France Football. Na época seguinte, os campeões soviéticos chegaram novamente à meia-final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, para cair às mãos do FC Porto, numa dupla derrota por 2x1. 

    Com o advento da Perestroïka, veio um aliviar das liberdades na União Soviética. Pela primeira vez jogadores de futebol soviéticos foram autorizados a transferirem-se para clubes da Europa Ocidental. O Dynamo Kiev, base da seleção soviética, acabou por perder as suas principais referências, inclusive, Lobanovsky, que aceitou ir treinar os Emirados Árabes Unidos, depois de durante dezasseis anos ter deixados nas vitrinas do clube três títulos de campeão da URSS, cinco Taças e ainda três títulos europeus.
     
    Fim da URSS, monopólio do futebol ucrâniano
     
    Quando a URSS chegou ao fim em 1991, o Dynamo Kiev era de longe o mais bem sucedido clube da União Soviética, contando com treze títulos de campeão nacional, mais que os rivais de Moscovo: Dynamo, Spartak e CSKA.
     
    No futebol ucraniano só mais dois clubes tinham vencido o campeonato da URSS: o Dnipro Dnipropetrovsk (2) e o Zorya Voroshilovgrad (1) ao que se somavam as vitórias do Shakhtar Donetsk (quatro vezes) e do Dnipro (uma vez) na Taça da URSS, prova que o Dynamo vencera por nove vezes. Portanto o domínio do Dynamo no futebol ucraniano era por demais expectável, contudo, a primeira época de futebol na Ucrânia independente revelou-se um desastre para o Dynamo que viu o Tavriya Simferopol (7) vencer a liga e o Chornomorets Odessa vencer a Taça.
     
    Mas rapidamente o Dynamo chamou a si o domínio do futebol local, conquistando nove títulos consecutivos de campeão entre 1993 e 2001, ao que somou a conquista de cinco Taças da Ucrânia e três Taças da CEI (8). Lobanovsky regressaria em 1997 para ajudar a lançar uma nova grande equipa onde brilhariam jogadores como Andriy Schevchenko e Serhiy Rebrov. A partida dos craques, aliada ao despontar do Shaktar Donetsk levou a uma alteração de forças no futebol ucraniano.
     
    O clube de Donetsk que terminara na segunda posição nos últimos cinco campeonatos ganhos pelo Dynamo (1997-2001) finalmente venceu o Campeonato em 2002. Era o fim de uma era. Entre 2002 e 2009 Dynamo e Shaktar venceriam cada um quatro ligas, até que o clube do leste se superiorizou ao da capital e conquistou um pentacampeonato. 
     
    Sempre forte, mas menos dominante
     
    Em Kiev vivia-se a mais grave crise desde a independência do país. Em 2013, o clube que nunca ficara abaixo do segundo lugar na liga ucraniana, caía para o terceiro lugar, atrás do Shaktar e do Metalist Kharkiv. Na época seguinte, o impensável. O Dynamo nem consegue lutar pelo acesso à Champions, ficando pela primeira vez fora do pódio, atrás de Shaktar, Dnipro e Metalist.
     
    Com a crise política que começou com as manifestações pró-Europa na Praça Maidan a Ucrânia dividiu-se profundamente. A anexação russa da Crimeia, a guerra na região do Donbass que levou o Shaktar a ter que se mudar para a parte ocidental do país, mexeram consideravelmente no equilíbrio futebolístico do país. Indiferente a tudo isso, o Dynamo recuperou o título de campeão em 2015, quebrando um jejum de seis épocas. Voltaram a ser campeões no ano seguinte, chegando até aos oitavos de final da Liga dos Campeões.
     
    Era, ainda assim, uma era desapontante para os adeptos do Dynamo, que viram o Shakhtar Donetsk tornar-se na mais dominante força do futebol ucraniano. 2016/17 foi uma deceção ara os adeptos. Depois das saídas de Miguel veloso, Dragovic e Belhanda, algumas das estrelas do clube, o emblema da capital voltou a cair para o segundo posto no campeonato. Somaram, também, uma prestação fraca na Champions, terminando em quarto lugar num grupo que continha o Benfica, Napoli e Besiktas. Perdeu também a final da taça, numa época cujo único positivo foi uma histórica vitória por 6x0 frente ao Besiktas.
     
    A história desse ano repetiu-se vezes e vezes sem conta, com o Dynamo a ambientar-se cada vez mais ao rótulo de segundo maior da Ucrânia. Isso mudou só em 2020/21, quando chegou Mircea Lucescu para comandar a equipa. O lendário treinador romeno destacara-se em vários clubes, mas principalmente no Shakhtar e, por esse motivo, gerou muitas críticas depois de ser anunciado. Críticas essas que arrefeceram com as boas exibições, que culminaram com um regresso aos títulos, com mais nove pontos que o rival de Donetsk (comandado por Luís Castro). Viktor Tsygankov, extremo formado no clube, era a grande figura.
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    (1) Динамо no original em russo. 
    (2) A GPU estaria na base de futuras estruturas de segurança do regime soviético como a MVD, NKVD ou KGB.
    (3) Esta será a grafia utilizada neste texto, por ser a grafia mais comum na imprensa portuguesa. 
    (4) Atualmente São Petersburgo. 
    (5) Azuis-e-brancos.
    (6) Exército alemão.
    (7) O Tavriya Simferopol com cidade na cidade Simferopol na Crimeia, desapareceu em 2014 depois da anexação da península pela Rússia. No seu lugar nasceu o clube russo FC TSK Simferopol. Entretanto na Ucrânia, há planos para fazer renascer o Tavriya em Kherson, pequena cidade ucraniana junto à Crimeia.
    (8) Com a dissolução da URSS e o nascimento de 15 novas nações, um grande número desses novos países - entre eles a Ucrânia - juntou-se à Rússia para formar a Comunidade de Estados Independentes (CEI).

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