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    Rivalidades
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    Dérbi à moda do Porto: Porto x Boavista

    Texto por João Pedro Silveira
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    Talvez o Porto seja o lugar onde começam as maravilhas e todas as angústias, como um dia escreveu Sophia de Mello Breyner. Certo é que para os dois maiores emblemas da cidade, de angustias e maravilhas é certamente escrita a história da rivalidade FC Porto x Boavista, uma das mais antigas do futebol português. Dragões e Panteras dividem entre si, se bem que de forma desigual, as paixões da Cidade Invicta.

    Enquanto o FC Porto cresceu para se tornar sinónimo da cidade e ombrear com os rivais de Lisboa pela supremacia nacional, o Boavista acabou cingido à parte ocidental da cidade, e à zona da ##Boavista, fazendo jus ao nome que ostenta.

    A geografia da cidade

    Júlio Dinis, um dos grandes nomes da literatura portuguesa de novecentos, ajudou a definir a geografia da cidade quando um dia escreveu: 

    «Esta nossa cidade divide-se naturalmente em três regiões distintas por fisionomias particulares. A região oriental, a central e a ocidental. O bairro central é o portuense, propriamente dito; o oriental, o brasileiro; o ocidental, o inglês...»

    Equipa do ##FC Porto antes de um jogo com o ##Boavista em 1914. Primeira competiçaõ oficial em que os dois clubes se encontraram.
    O Porto, cidade de tradições, cresceu muito para além das suas antigas muralhas ao longo do século XIX. Na zona ocidental, em direção ao Campo Alegre primeiro e depois à Boavista, por fim a Foz. E a oriente, a cidade avançou em direção a Paranhos e mais tarde Campanhã. 

    Se a ocidente eram os novos hábitos de procurar os bons ares do mar que levavam as famílias mais abastadas a tomar a Boavista como a sua residência, a oriente, a industrialização acelerada e a chegada dos comboios a Campanhã ajudaram a fazer crescer a zona, com a chegada de uma classe operária que aos poucos ajudou a construir a "cintura industrial" da Invicta. 

    Na Boavista, os ingleses, com as ruas iluminadas, os elétricos ou "americanos" como então se chamavam, os passeios ladeados com árvores; da Constituição para cima estavam os brasileiros, como então se chamavam aos que voltavam com fortuna do Brasil, construindo palácios e palacetes, muitos deles de gosto dúbio, provocando a inveja e o desdém da velha burguesia portuense. É também aqui estão as raízes da rivalidade dos dois clubes que ainda não haviam nascido...

    Dois caminhos

    A geografia da Invicta ajuda a explicar a implementação inicial das duas massas associativas. Se descontarmos a primeira existência portista, que só voltaria a ter continuidade com Monteiro da Costa em 1906, cabe ao Boavista o pontapé-de-saída.

    Fundado a 1 de Agosto de 1903, por um conjunto de portugueses e ingleses que eram empregados da Fábrica Graham, pertença de William Graham, na zona da ##Boavista, na cidade do Porto, o clube seria batizado com o nome de Boavista Footballers. A primeira casa do clube ficava na Rua dos Vanzeleres, no que hoje seriam as traseiras da Casa da Música, bem próximo da Rotunda da Boavista.

    Equipa boavisteira em 1920.
    O Boavista sofreu uma cisão quando os ingleses e portugueses se separaram por motivos religiosos. Os portugueses, na sua maioria católicos preferiam jogar ao Domingo, os ingleses, na sua maioria anglicanos e protestantes, defendiam que não se devia jogar futebol no Dia do Senhor. 

    Os portugueses levaram a sua adiante e os ingleses abandonaram o clube, levando consigo o «footballers». A partir desse dia o clube passava a chamar-se Boavista Futebol Clube, 100% português e sem apoio financeiro de William Graham.

    Sem meios, o clube procurou um espaço para onde jogar e encontrou um baldio pertença da família Mascarenhas que alugou e onde passou a jogar. Essa bouça, ficava precisamente onde se encontra hoje o Estádio do Bessa.

    A primeira rivalidade dos axadrezados foi com o Oporto Cricket, clube de ingleses, nascido no Campo Alegre que tinha a única equipa que jogava regularmente na cidade e que disputava encontros com equipas de Lisboa. O futebol surge portanto na zona ocidental da cidade e é no eixo Campo Alegre - ##Boavista que cria raízes até ##Monteiro da Costa dar vida ao Futebol Clube do Porto (1). 
     
    O Grupo de Destino e o Porto

    Saídos do Grupo do Destino, de que ##Monteiro da Costa era presidente, os azuis-e-brancos tiveram a sua primeira casa no Campo da Rainha, na rua da Rainha, hoje conhecida como Antero de Quental. A dois passos da Lapa e do Marquês, apesar da sua centralidade, o FC Porto nascia já fora do velho burgo, na zona norte da cidade e é por aí que vai ganhando raízes até se mudar para a Constituição, rua vizinha, a curta distância do Campo da Rainha. 

    O Campo da Rainha, localizado onde hoje fica o cruzamento entre a Rua Damião de Góis e a Rua de Antero Quental, foi o primeiro campo relvado do país, o que revela que o FC Porto nasceu em berço de ouro, contando entre os seus sócios fundadores (em 1906) alguns dos mais destacados membros da sociedade portuense.

    Apesar do estádio ser em honra da monarca e as cores do clube serem escolhidas para homenagear a bandeira nacional, que então era azul e branca, a verdade é que a primeira base de apoio do clube surgiu dentro de círculos republicanos e liberais da Invicta que eram frequentados por uma certa burguesia portuense, um acontecimento comum no resto do país, durante os últimos anos da Monarquia.

    A caminho do oriente

    Ao longo dos anos, os azuis-e-brancos foram progressivamente afastando-se do centro da cidade. Primeiro jogando no Campo de Ameal, que se localizava em Arca de Água, precisamente onde hoje se encontra o jardim com esse nome. O estádio pertencia a um velho clube de Paranhos, o Sport Progresso e era alugado ao FC Porto para determinados encontros, por culpa da pequena lotação do Campo da Constituição, "encurralado" entre casas e mais casinhas e quintais que impediam o seu alargamento. 

    1971: Boavisteiros e portistas encontram-se no Estádio do Lima, casa emprestada pelo Académico do Porto.
    Pelo mesmo motivo, o FC Porto passou a jogar no Campo do Lima, que no fim dos anos vinte e durante os anos trinta e quarenta, seria juntamente com as Salésias o melhor estádio nacional. O Lima, relvado e com a sua icónica pista de ciclismo, era pertença do Académico Futebol Clube, mais conhecido como o Académico do Porto, outro clube da zona oriental da cidade, com sede na Freguesia do Bonfim, no limite com a Freguesia de Paranhos.

    Na década de 50 o FC Porto chegaria novamente às Antas, onde o dragão ganhou raízes até nova mudança já no novo milénio, com o FC Porto a afastar-se mais uns metros, até se "encostar" à VCI, no arrojado e belíssimo Estádio do Dragão. 

    O velho rival, manteve-se fiel às suas origens, e nunca abandonou a Boavista, onde primeiro nasceu o Campo do Bessa, surgiu no começo dos anos setenta o Estádio do Bessa e no fim do século o Estádio do Bessa Século XXI. Que manteve a traça, baseada nas velhinhas 'caixas de fósforo" à inglesa, com bancadas altas e onde os adeptos estão literalmente em cima do acontecimento, criando uma atmosfera única em estádios portugueses. 

    Rivalidade no campo
     
    Desde a primeira que os clubes se enfrentaram em campo e a rivalidade cresceu naturalmente. O primeiro jogo oficial seria disputado na primeira edição do Campeonato do Porto, os axadrezados venceram por 2x1, acabando por vencer a competição. Mas a partir daí o FC Porto lançou um domínio tal sobre a prova que conquistou 30 das 34 edições disputadas. O Boavista não voltaria a conquistar o troféu, os únicos três troféus que escaparam aos portistas foram parar às vitrinas de Leixões, Salgueiros e Académico do Porto. 

    Talvez escaldado pela estreia numa competição, o FC Porto venceria a primeira edição do Campeonato de Portugal, da Liga Experimental e do Campeonato Nacional da I Divisão. 
     
    Os capitães Artur e Rodolfo antes de mais um dérbi nas ##Antas.
    No Campeonato de Portugal os portistas e boavisteiros só se encontraram uma vez. Empataram em casa do FC Porto e os azuis-e-brancos venceram com facilidade na segunda mão no Bessa (0x3).
     
    O primeiro encontro na Liga também sorriu ao dragão, com nova vitória portista no Bessa (0x3). Já a primeira visita do Boavista à casa do rival em jogos da Liga saldou-se por uma derrota pesada (4x0).
     
    Durante anos as goleadas do Boavista ao FC Porto seguiram-se tanto em casa, como fora: 2x5, 6x1, 7x0, 0x6, 3x6, 7x1... Os primeiros pontos roubados pelo Boavista ao FC Porto chegaram em 1947, após um empate a três no Bessa. A primeira vitória boavisteira chegou em 1951 (1x0).
     
    Em 1954 o FC Porto humilhou o rival com um pesado 9x1, mas um ano depois o Boavista vingou-se e goleou pela primeira vez o vizinho (5x2). 
     
    Crescimento
     
    Os anos 70 marcam a emergência da cidade do Porto como potência futebolística nacional. Até aí, o país vivera à sombra de Benfica e Sporting, mas nos anos 70 o Boavista com Valentim Loureiro e o FC Porto já com Pinto da Costa no departamento de futebol, começaram a revolução portuense, em ambos os casos, com a ajuda imprescindível de José Maria Pedroto.
     
    1994: A equipa do ##FC Porto após entrar no relvado do Bessa. Em fundo, as icónicas bancadas em estilo inglês, que deram fama ao velhinho estádio dos axadrezados.
    O Boavista voltou a ser presença regular na Primeira Divisão e o FC Porto voltou a conquistar o título passado 19 anos. O Boavista conquistou a sua primeira Taça de Portugal em 1975, voltando a vencer em 1976 e 1979. Ainda em 1979 portistas e boavisteiros encontraram-se pela primeira vez numa final, a Supertaça, que os axadrezados venceram. 

    Vetustez como argumento

    Fundado em 1903, durante anos o Boavista olhou para a sua certidão de nascimento com o orgulho de ser o mais velho emblema da Invicta. Não era com falta de desdém que os boavisteiros puxavam dos galões e lembravam aos portistas a sua maior antiguidade.

    Mas tudo mudou quando o FC Porto alterou a sua data de nascimento de 1906, para 1893 e até esse «posto» que era a idade, o Boavista perdeu... 

    Dragões e panteras 
     
    Os anos 80 marcam um ligeiro predomínio portista enquanto visitante, não obstante a goleada (4x1) sofrida em 1989. Mas nas Antas, o FC Porto continuava rei e senhor, desconhecendo o significado de perder com o seu vizinho. Entretanto tanto surgia nova nomenclatura para os adeptos dos dois clubes. Se em Lisboa, desde sempre Benfica e Sporting haviam sido respetivamente águias e leões, na Invicta, os portistas eram azuis-e-brancos e os boavisteiros axadrezados. Talvez cientes da pouca força das alcunhas, Pinto da Costa e Valentim Loureiro resolveram mudar a história.
     
    O símbolo do Porto, assim como o da Cidade, há muito exibem um dragão. Pinto da Costa não fez mais que resgatar um símbolo que sempre estivera em frente dos olhos de todos... No Bessa, Valentim Loureiro não tinha um animal no símbolo, procurou-se então um animal com as cores do clube e que representasse as ambições boavisteiras. Nada melhor que a Pantera, animal com pedigree no futebol português, para simbolizar o Boavista.
     
    Boavistão
     
    Campeão Europeu, o FC Porto tornava-se num campeão crónico em Portugal. O Boavista, reagia, vencendo Taças de Portugal, uma delas contra o FC Porto em 1992. Na época seguinte, histórica vitória boavisteira nas Antas, é fundamental para a conquista da Supertaça. Nova Supertaça iria para o Bessa, com o Boavista a levar a melhor em mais uma final a duas mãos.
     
    1998: O Romeno Ion Timofte liderou o ##Boavista à primeira vitória na casa do vizinho num jogo do Campeonato Nacional.
    O último passo que faltava ao Boavista era vencer na casa do vizinho em jogos do Campeonato, esse feito chegou em 1998, quando a equipa de Jaime Pacheco venceu por 0x2.
     
    Um ano depois, o FC Porto vencia o pentacampeonato e o Boavista era segundo classificado, pela primeira vez na história do futebol português, uma cidade que não Lisboa reclamava os dois primeiros lugares da prova. 
     
    Só precisaram passar duas épocas para o Boavista superar o segundo lugar e chamar a si a conquista do Campeonato Nacional (2000/01), desta feita, o FC Porto teve de se contentar com o segundo lugar. Vingar-se-ia na Supertaça do ano seguinte, batendo pela primeira vez o Boavista numa final de uma prova nacional.
     
    Apito dourado
     
    O Boavista ainda seria segundo em 2002 (atrás do Sporting) e chegaria à meia final da UEFA em 2003, que o FC Porto venceria depois de bater o mesmo Celtic que eliminara os axadrezados. Mas o Apito Dourado, deixaria marcas no Boavista.

    Enquanto os dois clubes se viam envolvidos no caso, as consequências revelaram-se mais penosas para o Boavista, que envolvido numa crise financeira sem paralelo na história se afundou nos escalões mais baixos. Ao mesmo tempo o FC Porto que voltara a ser campeão europeu, ganhou uma Liga Europa e conquistou diversos campeonatos e Taças.

    Mas faltava-lhe o gosto de bater o rival. Em 2014, seis anos depois do último jogo, os velhos rivais voltam a olhar-se nos olhos, com a mesma rivalidade de sempre. 
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