Talvez o Porto seja o lugar onde começam as maravilhas e todas as angústias, como um dia escreveu Sophia de Mello Breyner. Certo é que para os dois maiores emblemas da cidade, de angustias e maravilhas é certamente escrita a história da rivalidade FC Porto x Boavista, uma das mais antigas do futebol português. Dragões e Panteras dividem entre si, se bem que de forma desigual, as paixões da Cidade Invicta.
Enquanto o FC Porto cresceu para se tornar sinónimo da cidade e ombrear com os rivais de Lisboa pela supremacia nacional, o Boavista acabou cingido à parte ocidental da cidade, e à zona da ##Boavista, fazendo jus ao nome que ostenta.
A geografia da cidade
Júlio Dinis, um dos grandes nomes da literatura portuguesa de novecentos, ajudou a definir a geografia da cidade quando um dia escreveu:
«Esta nossa cidade divide-se naturalmente em três regiões distintas por fisionomias particulares. A região oriental, a central e a ocidental. O bairro central é o portuense, propriamente dito; o oriental, o brasileiro; o ocidental, o inglês...»
Na Boavista, os ingleses, com as ruas iluminadas, os elétricos ou "americanos" como então se chamavam, os passeios ladeados com árvores; da Constituição para cima estavam os brasileiros, como então se chamavam aos que voltavam com fortuna do Brasil, construindo palácios e palacetes, muitos deles de gosto dúbio, provocando a inveja e o desdém da velha burguesia portuense. É também aqui estão as raízes da rivalidade dos dois clubes que ainda não haviam nascido...
Dois caminhos
A geografia da Invicta ajuda a explicar a implementação inicial das duas massas associativas. Se descontarmos a primeira existência portista, que só voltaria a ter continuidade com Monteiro da Costa em 1906, cabe ao Boavista o pontapé-de-saída.
Fundado a 1 de Agosto de 1903, por um conjunto de portugueses e ingleses que eram empregados da Fábrica Graham, pertença de William Graham, na zona da ##Boavista, na cidade do Porto, o clube seria batizado com o nome de Boavista Footballers. A primeira casa do clube ficava na Rua dos Vanzeleres, no que hoje seriam as traseiras da Casa da Música, bem próximo da Rotunda da Boavista.
Os portugueses levaram a sua adiante e os ingleses abandonaram o clube, levando consigo o «footballers». A partir desse dia o clube passava a chamar-se Boavista Futebol Clube, 100% português e sem apoio financeiro de William Graham.
Sem meios, o clube procurou um espaço para onde jogar e encontrou um baldio pertença da família Mascarenhas que alugou e onde passou a jogar. Essa bouça, ficava precisamente onde se encontra hoje o Estádio do Bessa.
Saídos do Grupo do Destino, de que ##Monteiro da Costa era presidente, os azuis-e-brancos tiveram a sua primeira casa no Campo da Rainha, na rua da Rainha, hoje conhecida como Antero de Quental. A dois passos da Lapa e do Marquês, apesar da sua centralidade, o FC Porto nascia já fora do velho burgo, na zona norte da cidade e é por aí que vai ganhando raízes até se mudar para a Constituição, rua vizinha, a curta distância do Campo da Rainha.
O Campo da Rainha, localizado onde hoje fica o cruzamento entre a Rua Damião de Góis e a Rua de Antero Quental, foi o primeiro campo relvado do país, o que revela que o FC Porto nasceu em berço de ouro, contando entre os seus sócios fundadores (em 1906) alguns dos mais destacados membros da sociedade portuense.
Apesar do estádio ser em honra da monarca e as cores do clube serem escolhidas para homenagear a bandeira nacional, que então era azul e branca, a verdade é que a primeira base de apoio do clube surgiu dentro de círculos republicanos e liberais da Invicta que eram frequentados por uma certa burguesia portuense, um acontecimento comum no resto do país, durante os últimos anos da Monarquia.
A caminho do oriente
Ao longo dos anos, os azuis-e-brancos foram progressivamente afastando-se do centro da cidade. Primeiro jogando no Campo de Ameal, que se localizava em Arca de Água, precisamente onde hoje se encontra o jardim com esse nome. O estádio pertencia a um velho clube de Paranhos, o Sport Progresso e era alugado ao FC Porto para determinados encontros, por culpa da pequena lotação do Campo da Constituição, "encurralado" entre casas e mais casinhas e quintais que impediam o seu alargamento.
Na década de 50 o FC Porto chegaria novamente às Antas, onde o dragão ganhou raízes até nova mudança já no novo milénio, com o FC Porto a afastar-se mais uns metros, até se "encostar" à VCI, no arrojado e belíssimo Estádio do Dragão.
O velho rival, manteve-se fiel às suas origens, e nunca abandonou a Boavista, onde primeiro nasceu o Campo do Bessa, surgiu no começo dos anos setenta o Estádio do Bessa e no fim do século o Estádio do Bessa Século XXI. Que manteve a traça, baseada nas velhinhas 'caixas de fósforo" à inglesa, com bancadas altas e onde os adeptos estão literalmente em cima do acontecimento, criando uma atmosfera única em estádios portugueses.
Vetustez como argumento
Fundado em 1903, durante anos o Boavista olhou para a sua certidão de nascimento com o orgulho de ser o mais velho emblema da Invicta. Não era com falta de desdém que os boavisteiros puxavam dos galões e lembravam aos portistas a sua maior antiguidade.
Mas tudo mudou quando o FC Porto alterou a sua data de nascimento de 1906, para 1893 e até esse «posto» que era a idade, o Boavista perdeu...