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    Inglaterra 1966
    Cultura do Futebol

    Pickles e a Taça

    Texto por João Pedro Silveira
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    Um passeio noturno

     
    No começo da noite de 27 de Março de 1966, David Corbett saiu do seu apartamento no rés-do-chão em Beulah Hill, Norwood, zona sul de Londres, para ir fazer uma chamada telefónica ao quiosque que ficava do outro lado da rua. Com ele seguia Pickles, o seu cão raçado de collie, então com quatro anos e que Corbett adoptara quando este era ainda um cachorro, porque o pequeno tinha o mau hábito de roer a mobília em casa do seu irmão, que fôra o seu primeiro dono. 

    Corbett colocou a trela em Pickles e conduziu o cão pelo passeio até à passadeira onde podiam atravessar a estrada, até que Pickles parou e começou a cheirar um embrulho atado com um fio que se encontrava encostado à roda da frente de um carro estacionado.

    O faroleiro do Tamisa pegou no estranho achado e enquanto desembrulhava o papel de jornal, conseguiu ver a figura de uma mulher que segurava um disco sobre a sua cabeça, assim como pequenas placas onde se podiam ler as palavras «Alemanha», «Uruguai» e «Brasil».

    Imediatamente percebeu o que tinha nas mãos, eufórico, correu para casa e gritou para a mulher: «Encontrei a Taça do Mundo! Eu encontrei a Taça do Mundo!» 

    Pouco depois dirigiu-se à esquadra de Gypsy Hill para entregar o achado. Os polícias conduziram o troféu e o próprio Corbett à esquadra de Cannon Row, onde Harold Mayes, um destacado dirigente da Federação Inglesa identificou a Taça Jules Rimet. Os inspectores da Scotland Yard suspeitaram imediatamente de Corbett, que foi prontamente interregado.
     
    Na manhã seguinte o Reino Unido, e o resto do Mundo, acordavam com a notícia de que a Taça do Mundo fora encontrada. Acabava o «drama», a Jules Rimet estava de volta.
     
    O roubo
     
    O troféu fora roubado uma semana antes, no Domingo, 20 de Março, enquanto estava em exibição pública na Methodist Central Hall no centro da capital londrina. Um guarda ficava sentado numa cadeira ao lado da vitrina, enquanto outros quatro guardas, circulavam pela exibição. 
     
    O guarda que normalmente se sentava ao lado da vitrina onde o troféu era exibido, faltara nesse Domingo. Quando os restantes quatro guardas fizeram uma pausa para café, os «amigos do alheio» entraram pelas traseiras e fugiram com a Jules Rimet. Niguém vira nada... 
     
    Rapidamente a Scotland Yard foi chamada a investigar o caso. As testemunhas apontavam para um só ladrão. No dia seguinte, a Inglaterra, e o Mundo, acordavam com a notícia de que a Taça Jules Rimet tinha desaparecido
     
    Para a Football Association (1), o desaparecimento da Taça do Mundo era um absoluto desastre. Para a FIFA e o seu Presidente Sir Stanley Rous, o cenário apresentava-se catastrófico.

    A FA contactou o famoso joalheiro de Fenchurch Street, George Bird, para que este produzisse uma réplica do troféu. A construção de uma réplica foi envolvida em tal secretismo, que nem o próprio Rous soube da existência de uma réplica.
     
    Assim que a notícia correu mundo, diversas foram as teorias que chegaram à Scotland Yard. Algumas mais loucas que outras, mas certamente nenhuma tão divertida como a de um homem que jurava que o seu relógio lhe indicara que a taça estava em Wicklow, na Irlanda.
     
    Um telefonema
     
    Com a Metropolitan Police a ser alvo de piadas em todo o mundo, Joe Mears, Chairman da FA e diretor do Chelsea, recebeu uma chamada de um homem que se dizia chamar Jackson, que informava que um pedaço do troféu seria enviado para Stamford Bridge, dentro de uma carta com instruções.

    A «encomenda» chegou na quarta-feira seguinte ao assalto, com um pedaço da Jules Rimet e uma carta onde se pediam 15 mil libras em notas de 1 e 5 libras.
     
    Na carta, Jackson pedia que Mears publicasse um anúncio no Evening News de quinta-feira, onde se podia ler «willing to do businesse Joe» (3), este assim o fez, mas desrespeitou a indicação de contactar a polícia. Seria um agente da polícia, que se identificando como «McPhee», um assistente de Mears, recebeu a nova chamada de Jackson, combinando um encontro em Battersea Park. 
     
    Enquanto esperava por Mears, Jackson reparou numa Ford Transit, suspeitou que era a polícia e tentou fugir. Mas seria capturado. Na esquadra confessou chamar-se Edward Betchley, mas insistiu que era apenas um intermediário, a quem tinham pago 500 libras para participar na troca. Betchley informou ainda as autoridades que o homem por trás do resgate era alguém conhecido como «The Pole» (4). A Scotland Yard nunca conseguiu confirmar que ele alguma vez existiu.
     
    Faltava encontrar o troféu. Betchely pediu autorização para receber a visita de uma mulher, prometendo que caso ela pudesse visita-lo, a taça surgiria em breve. A polícia acedeu e dois dias depois Pickles encontrou o troféu. 
     
    Estrela mediática
     
    O encontro de Corbett e Pickles com a Jules Rimet levantou suspeitas, mas depois dos interrogatórios da praxe, Corbett e Pickles puderam voltar à sua vida. 

    A atenção mediática foi global. Pickles tornou-se uma estrela global. Jornais, revistas rádios, entrevistas na BBC, na ITV, presença em programas muitos famosos na época como «Blue Peter» e «Magpie», receções oficiais, Pickles vivia o estilo de vida de uma celebridade, ao ponto de participar no filme «The Spy With the Cold Nose».
     
    Venceu o prémio de «Cão do Ano», ganhou comida para um ano e teve convites para visitar o Chile, Checoslováquia e Alemanha. A ideia de pensar meio ano em quarentena impediu as viagens.

    Pickles ficou pelo Reino Unido e participou nas celebrações da vitória na final sobre a Alemanha, acompanhando o dono a um hotel em Kensington, onde Bobby Charlton e os restantes jogadores, fizeram questão de pegar ao colo no herói canino, que foi fotografado novamente ao lado do troféu, que poucos sabiam que havia sido trocado à tarde em Wembley, pela réplica de Bird.
     
    Réplica
     
    Em 1970 a Taça seguiria para o México, onde o Brasil venceria a competição pela terceira vez e ganhou direito a ficar com a Jules Rimet para sempre. Bird recebeu a réplica de volta, enquanto o original seria roubado no Rio de Janeiro em 1983, desaparecendo para sempre, derretido em lingotes...
     
    A réplica seria leiloada pela Sotheby's em Londres, em 1984. A FIFA oferecera 30 mil libras, mas seria o Museu Nacional do Futebol em Preston (2) que ficou com a réplica da «Vitória com Asas».
     
    Mears falecera a 1 de Julho de 1966, vitima da angina de peito que sofrera aquando do roubo, enquanto Betchley, depois de passar dois anos na cadeia, faleceu vitima de um enfisema. 
     
    Pickles faleceu um ano depois, quando o filho de Corbett largou a trela e Pickles saiu disparado atrás de um gato, acabando por enforcar-se, quando a trela se prendeu num ramo de uma árvore. 
     
    Pickles foi enterrado no quintal da casa de Corbett, no Surrey, a casa que Corbett comprara com os contratos que firmara na época. A coleira encontra-se hoje no Museu Nacional do Futebol em Manchester (3), perto da réplica da Jules Rimet. 
     
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    (1) Federação Inglesa de Futebol 
    (2) «Disponível para fazer negócio, Joe.»
    (3) O National Football Museum mudou-se de Deepdale Preston para Manchester em 2012.
    (4) O Polaco
    'I put the lead on Pickles and he went over to the neighbour's car,' recalls Corbett, now 66. 'Pickles drew my attention to a package, tightly bound in newspaper, lying by the front wheel. I picked it up and tore some paper and saw a woman holding a dish over her head, and disks with the words Germany, Uruguay, Brazil. I rushed inside to my wife. She was one of those anti-sport wives. But I said, "I've found the World Cup! I've found the World Cup!"' Sunday evening in March 40 years ago, David Corbett left his ground-floor flat in Norwood, south London, to make a telephone call from the kiosk across the road. With the Thames lighterman was Pickles, the four-year-old mongrel he had taken off his brother John's hands, when he was a puppy, because he chewed furniture.
     
    'I put the lead on Pickles and he went over to the neighbour's car,' recalls Corbett, now 66. 'Pickles drew my attention to a package, tightly bound in newspaper, lying by the front wheel. I picked it up and tore some paper and saw a woman holding a dish over her head, and disks with the words Germany, Uruguay, Brazil. I rushed inside to my wife. She was one of those anti-sport wives. But I said, "I've found the World Cup! I've found the World Cup!"'

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