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    Arsène Wenger: Le Professeur

    Texto por João Pedro Silveira com Andy Packett
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    Muitos nomes deixaram marca na história dos gunners, como Joe Shaw, George Graham, e claro, o incontornável Herbert Chapman, mas quando pensamos em Arsenal, o primeiro nome que nos vem à cabeça não é nenhum destes e é sim o de Arsène Wenger. O francês, não é só o treinador com mais anos à frente do leme do clube de Holloway, como é o mais bem sucedido de toda a história do clube londrino, mudando também a estrutura do clube, métodos de treino, política desportiva...

    Mas mais do que tudo o resto, Wenger mudou a própria essência do Arsenal, transformando um clube que era famoso por jogar feio e vencer quase sempre por 1x0, para se transformar na mais bela equipa de Inglaterra, a senhora do futebol arte, ou da «nota artística» como Jorge Jesus diria...

     
    Primeiros anos
     
    Arsène Wenger - pronuncia-se Venguer - nasceu em Estrasburgo, na Alsácia, filho de Alphonse e Louise, um casal de classe média. Os seus pais tinham vivido a anexação da Alsácia-Lorena pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial e o pai tinha sido forçado a alistar-se no exército alemão, tendo lutado na frente russa.

    Arsène cresceu em Duttenheim, uma pequena localidade de população maioritariamente alsaciana, onde o francês era uma língua da admnistração e pouco mais. Aliás, o pequeno Arsène só começou a aprender francês quando foi para a escola aos sete anos. Até aí falava a língua dos seus pais e avós, o alsaciano, um dialeto do baixo-alemão.
     
    Seria em Duttlenheim, com doze anos, que começou a jogar futebol, na equipa da terra, onde o pai Alphonse era o treinador. A Alsácia dos anos 50 era uma sociedade profundamente católica. Wenger, como os restantes rapazes, precisava recorrentemente de pedir ao pároco autorização para faltar às vésperas e jogar ou treinar futebol. Aos fins-de-semana, acompanhou muitas vezes o pai ao outro lado da fronteira para assistir aos jogos do Borussia de Mönchengladbach.
     
    Depois de Duttlenheim seguiu-se o Mutzig, outro pequeno clube da Alsácia, onde se estreou no futebol sénior. Mudou-se para o Mulhouse - ainda na Alsácia - em 1973 onde combinou a carreira com os estudos na Faculté des sciences économiques et de gestion da Universidade de Estrasburgo.
     
    Nancy e Mónaco
     
    A modesta carreira continuaria em dois clubes de Estrasburgo, o ASPV Strasbourg e o RC Strasbourg, onde terminou em 1981. Penduradas as botas, tirou um curso de treinador ainda nesse ano, começando por se tornar treinador-adjunto do AS Cannes. Aldo ##Platini - pai de Michel Platini - seria o responsável para que se mudasse para Nancy, na Lorena, onde assumiu o seu primeiro projeto. 
     
    A boa carreira no clube do nordeste, provocou o interesse do AS Monaco. Em 1987, Wenger assinava pelos monegascos, iniciando a primeira fase de sucesso da carreira. 

    "Le Professeur" como mais tarde ficou conhecido, conduziu o clube do Principado à vitória no Championnat logo na primeira época no Louis II. Nas duas épocas seguintes, o Monaco teve de se contentar com dois terceiros lugares, sempre distante do Olympique Marseille, que iniciava então um período de domínio esmagador na Liga Francesa.

    A vitória na Taça de França em 1991 abriu caminho para a presença na Taça dos Vencedores das Taças de 1991/92, onde os monegascos chegaram à grande final, jogada no antigo Estádio da Luz. Num estádio quase deserto, a equipa do Principado acabou batida pelos alemães do Werder Bremen por 0x2, para grande desalento do treinador francês.
     
    Em França, o domínio do Olympique continuava, não obstante o Monaco apresentar ao mundo um senhor avançado, de seu nome George Weah, que em breve rumaria a Milão, onde não esqueceu Wenger, chamando-o ao palco quando recebeu a Bola de Ouro da FIFA.
     
    Aventura japonesa e o chamado londrino
     
    Depois dos dirigentes terem impedido uma transferência para o Bayern Munique, Wenger acabaria por ser demitido depois do péssimo começo de época em 1994/95. Em Janeiro de 1995, surpreendeu o mundo aceitando o cargo de treinador do Nagoya Grampus Eight, na J-League, onde permaneceu 18 meses, conquistou uma Taça do Imperador e foi eleito o melhor treinador da época. 
     
    Ao fim de dois anos, o Arsenal lançou-lhe um convite que Arsène não podia recusar: a oportunidade de treinar um grande clube, com meios económicos para poder apostar em jogadores jovens e menos conhecidos, como Patrick Vieira e Rémi Garde, as duas primeiras sugestões que apresentou ao board de acionistas. 
     
    Em Londres, os jornais faziam parangonas como «Arsene Who?», revelando o total desconhecimento que tinham sobre o treinador francês, que era um desconhecido para a imprensa e para as casas de apostas inglesas que eram unânimes na escolha de Johann Cruijff, como o nome certo para se sentar no banco da casa em Highbury Park.
     
    Um amor em Highbury
     
    Nos primeiros anos do seu «reinado» em Highbury, Wenger, além de todas as alterações que efetuou no plantel e na forma de jogar da equipa, revolucionou por completo o clube, desde a sua política de contratações, às ementas que diariamente eram confecionadas nos centros de treino e formação dos gunners. Estudioso como era, com o curso de gestão na carteira, Wenger estudara durante anos a forma como tornar um clube mais moderno, eficaz e rentável.

    Seguro do seu papel, Wenger sabia que a revolução para devolver o Arsenal à grandeza de outrora não passava só pelos brócolos grelhados (1) que tinham espantado os jogadores do clube, ou o envio de observadores para assistirem a jogos da terceira divisão portuguesa...
     
    Ao poder que recebia, Wenger respondia com mais dedicação, estudando adversários, analisando centenas de jogos e vídeos de jogos de diversas promessas do futebol europeu, em particular o da sua França natal.
     
    O «acórdão Bosman» tinha transformado o futebol europeu, num negócios sem fronteiras, o Arsenal tornou-se desde a primeira hora do fim das restrições de estrangeiros na Premiere League como um clube comprador. Os cheques com muitos zeros sempre estiveram à disposição de Wenger. 

     
    Atento ao futebol do outro lado da Mancha, Wenger foi responsável pela contratação de «pérolas» como Patrick Vieira, Rémi Garde, Emanuel Petit, Nicolas Anelka, Marc Overmars, Dennis Bergkamp, que se juntavam a alguns dos mais icónicos jogadores ingleses da época como David Seaman, Tony Adams, Martin Keown, Lee Dixon, David Platt, Ray Parlour ou Ian Wright.
     
    O primeiro troféu da era Wenger chegaria em 1998, tal como o segundo e o terceiro. O ano do Mundial de França foi o ano da tripla conquista: Premier League, FA Cup e Charity Shield. O Arsenal era coroado como Rei e Senhor do futebol inglês e Arsène Wenger, era justamente reconhecido como o seu Mestre. Depois do primeiro troféu, seguiu-se um interregno, que o francês aproveitou para reorganizar o clube e reforça-lo. 



    Wenger conseguiu desviar Sol Campbell aos rivais do Tottenham no começo da época de 2001/02, para se juntar à constelação onde já brilhavam Thierry Henry, Robert Pires e o sueco Freddie Ljungberg, e tal como as decisões anteriores, esta provou ser um sucesso, pois a época acabou com a conquista do Campeonato.

    «The club of my life»

    «O clube da minha vida», foi assim que Wenger se referiu ao Arsenal, anos depois numa célebre entrevista. A verdade é que o amor é recíproco e o clube da margem norte do Tamisa, também declarou amor eterno ao francês. Durante o seu consulado, a equipa perdeu aquela sua identidade profundamente britânica, do kick and rush, do futebol curto de técnica, mas cheio de força. 
     
    Durante décadas essa fôra, não só a imagem de marca do clube, como a razão do seu sucesso. Com Wenger chegaram os «holandeses voadores» como Overmars e Bergkamp, e a técnica dos franceses, que ao mesmo tempo se sagravam Campeões do Mundo com o seu «futebol champanhe».
     
     
    Nenhuma época ficará marcada na história do futebol dos gunners - e do futebol inglês - como a de 2003/04, aquela que é conhecida como a época dos invencíveis, quando o Arsenal imitou o feito único do Preston North End, que na primeira edição do Campeonato Inglês conseguira sagrar-se campeã sem conhecer o sabor da derrota. 
     
    Foram precisos esperar 115 anos para ver tal feito repetido. Com segurança podemos afirmar que desde que Guilherme da Normandia derrotara o rei Haroldo dos Anglo-saxões na batalha de Hastings em 1066, que nenhum conquistador francês causara tanto impacto na «Velha Albion». Poucos podiam adivinhar que o nono troféu que o Arsenal acabara de conquistar era o «canto do cisne» das conquistas «wengerianas»...
     
    Nova Ordem
     
    Entre 1996 e 2004, Arsène Wenger transformara o Arsenal no principal rival e adversário do Manchester United de Sir Alex Ferguson. A relação entre eles sempre fora tensa, como é comum numa relação com dois polos de poder, como era o futebol inglês da época, mas tudo estava pronto para mudar, pois enquanto o Arsenal festejava a conquista da Premier League, o Chelsea contratava José Mourinho.
     
    O Special One avisou ao que vinha, apontando à conquista do Campeonato. O Arsenal como campeão invencível era o alvo a abater. A luta foi intensa, mas o Chelsea levou a melhor e conquistou um título que não ia para Stamford Bridge há mais de 50 anos.
     
     
    Insatisfeito com o resultado da época, Wenger acusou o toque e sentiu-se ameaçado pelo português. Havia em Inglaterra quem achava que a aproximação entre Ferguson e Mourinho era um perigo para Wenger, mas o francês não via as coisas desse modo e manteve sempre a sua postura, entre algumas críticas da imprensa e de adeptos. A sua posição e o seu cavalheirismo - tirando algumas polémicas com Mourinho - são reconhecidos por todos. 
     
    2006 podia ter sido o ano de viragem, quando os gunners chegaram pela primeira vez na história à final da Champions, defrontando o Barcelona em Paris. A portentosa cabeçada de Campbell fez sonhar os adeptos, mas tudo ruíu com os dois golos catalães na segunda parte. 
     
     
    Professor de futebol
     
    Sem títulos, constantemente ultrapassado pelo Manchester United e Chelsea na classificação, o clube passou a ter grandes dificuldades em manter as suas principais referências. Aos poucos, os diamantes que ajudara a lapidar resolveram abandonar o Emirates, a nova casa que substituíra Highbury Park. Primeiro foi Henry, mas outros lhe seguiram, como Nasri, Fabregas, Van Persie...
     
    As novas contratações e as centenas de milhares de libras gastas não devolveram a glória ao clube. Curiosamente, no momento em que está a completar 1000 jogos como treinador do Arsenal, os números indicam que todos os títulos conquistados surgiram nos primeiros 497 jogos...
     
    Indiferentes a isso, os adeptos - e a direção - estão rendidos ao frenchman, um herói em terras de «Sua Majestade», porque mais do que títulos e conquistas, Wenger mudou a história do próprio clube. Os gunners deixaram de ser a equipa que jogava feio, para se tornar numa orquestra de futebol, capaz de dar espetáculos sem par em Inglaterra.

    A 13 de maio de 2018, Wenger realizou o último encontro ao leme do Arsenal, numa vitória por 0x1 sobre o Huddersfield. A temporada 2017/18, nada famosa em termos desportivos, ficou para sempre na memória do clube londrino pelo fim de um casamento que durou 22 largos anos. Tudo por culpa de um maldito burnout que abriu vaga a Unai Emery, o primeiro treinador da era pós-Arsène.
     
    Longe vão os tempos em que os adeptos dos outros clubes gozavam com o famoso one nil to the ##Arsenal. Com Monsieur Arsène, o Arsenal deixou de ser uma linha de produção, mais famosa pela eficácia do que pela qualidade, para se tornar numa referência do futebol mundial. Não é a toa que dizem que o Emirates está para o futebol como o Scala para o mundo da Ópera... O mérito é todo do Maestro, perdão, do Professeur, aquele que ensinou os ingleses a gostar de futebol arte...

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    (1) A dieta que Wenger tornou oficial no Arsenal, era conhecida pelos detractores como «Evian e Brócolos».

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    Comentários

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    motivo:
    Wenger
    2014-03-28 12h03m por Gaucho_show_de_bola
    Agradeço-lhe imenso por tudo o que fez no clube mas está na hora de mudar. Fez historia obrigado mas isto assim nao pode continuar. Eu nao quero qualificações para a Champions todos os anos quero titulos para o meu clube e até podem dizer que sem ele as coisas podem piorar isso nao importa se nunca se tentar.

    Além de tudo isso nestes ultimos anos a falta de ambição do wenger, a recusa em ir ao mercado mesmo quando é absolutamente necessario é ridicula da sua parte e claro que ...ler comentário completo »
    Wénger
    2014-03-22 00h31m por golden_lynx
    Gostem dele ou não será para sempre recordado como o treinador dos Unbeaten 49, que ganhou a Premier League sem derrotas merecendo até uma edição dourada do troféu. É certo que nos últimos anos parece que não quer saber, mostra-se muitas vezes com falta de ambição e muito choramingas mas foi uma das razões pela qual o Arsenal nunca perdeu o rumo, mesmo vendendo estrelas atrás de estrelas todos os anos, sacrificando a competitividade e qualidade do plantel e perdendo títulos atrás de títulos...ler comentário completo »
    Mister Wenger
    2014-03-21 22h36m por barrinhos
    Parabéns pelos 1000 jogos pelo Arsenal, e amanhã quero uma vitoria para calar o Mourinho que já mete nojo, força Mister, força Gunners, amanha é 1-3 para o Arsenal.