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    Visão de jogo
    Pedro Silva
    2017/04/11
    E1
    Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

    Ser futebolista profissional, fazer o que mais se gosta, ganhar muito dinheiro e ter fama. Um sonho que muitos tentam e poucos conseguem. Mesmo assim, entre os que conseguem, nem todos ficarão ricos: uns porque ganham pouco, outros porque gastam muito. Têm dificuldade em gerir a carreira, a fama, as finanças, as companhias e os investimentos.  

    Ao longo dos anos, todos fomos conhecendo casos de craques que nunca chegaram a ser tudo o que podiam ou a ter tudo o que lhes prometeram. Lembramo-nos facilmente de alguns craques que vimos jogar e que se tornam notícia pelos piores motivos. A maioria, após uns momentos de fama e algum dinheiro, cai no esquecimento e na dura realidade da vida de um cidadão comum: O futebol é uma bolha e, saindo dessa bolha, as coisas não são iguais.
    A frase é de um futebolista português consciente de que este problema está por todo o lado e destrói vidas. Tarantini, futebolista com mais de 400 jogos como profissional, atualmente um dos capitães do Rio Ave, continua em grande nível dentro de campo, como um dos jogadores mais influentes da equipa, e também fora dele: não satisfeito com duas Licenciaturas, completou no ano passado um Mestrado em Ciências do Desporto. Fruto da sua experiência fora de campo, tornou este problema numa causa.
    Tal como todos os futebolistas, treina quase todos os dias, tem viagens, estágios e jogos. Além disto, a família. Mas mesmo assim, não deixou passar isto em claro e tem um objetivo: despertar uma geração de desportistas.

    Para que a sua causa se suporte em dados concretos, impulsionou um estudo cujas conclusões devem fazer pensar todos os que seguem o seu sonho de forma obsessiva, desmedida e descontextualizada. Estes dados têm sido partilhados na imprensa e em palestras junto de escolas e clubes:

    • Apenas 16 por cento dos praticantes conseguem chegar a jogar na I Liga de Futebol Profissional;
       
    • Apenas cinco por cento conseguem chegar a um clube “grande”;
       
    •  Apenas dois por cento chegam às Seleções Nacionais Séniores;
       
    •  Um futebolista que chegue à I Liga, joga neste escalão, em média, perto de cinco anos;
       
    • O Futebolista Profissional termina a carreira, em média, aos 31 anos.

    Apesar de tudo isto, e ao contrário do que se possa pensar, Tarantini não defende que os jovens devem abdicar do sonho de serem jogadores de futebol. Pelo contrário, menciona a palavra “acreditar” é vezes sem conta com um sentido positivo, mas realista: “Acreditem, mas tenham um plano B”.

    A probabilidade de um jovem futebolista tornar-se profissional é reduzida e, mesmo que se concretize, irá durar pouco e dificilmente lhe permitirá ficar independente financeiramente para o resto da vida. Aos 31 anos, quando a maioria das pessoas está no início da sua vida profissional, um futebolista já está a terminar a sua. E depois, o que se segue? Como irá viver os 40 anos seguintes?
    Conhecendo a sua causa, convidei-o recentemente para partilhar a sua experiência numa sessão com uma equipa de futebol de formação, onde abordasse o seu percurso, as dificuldades que superou, as lições que foi aprendendo e a causa que defende.

    Desde o início se mostrou disponível e de fácil trato. Treinou de manhã e deu uma outra palestra à tarde. Mesmo assim, chegou pontualmente e com um sorriso. Foi claro na mensagem, respondeu a todas as perguntas, disponibilizou-se para as fotografias e deixou bem vincadas algumas ideias:

    • sonho de ser futebolista profissional pode secar tudo à sua volta, muitas vezes de forma agravada porque resulta de uma projeção daquilo que os pais querem para os filhos fruto das suas frustrações passadas, ou procurando ter ali uma “galinha de ovos de ouro”;
       
    •  A grande relevância do suporte familiar para dar estabilidade aos jovens, permitindo-lhes crescer a nível pessoal, académico e desportivo, de forma harmoniosa e equilibrada;
       
    • A capacidade de adaptação e de resistência às frustrações é decisiva para não haver desvios do caminho certo. Como refere em relação ao seu próprio percurso: “Não correu tudo como eu queria nem como eu esperava”;
       
    • É tudo uma questão de escolhas e sacrifícios: “Era das coisas mais difíceis de suportar, ver a malta da faculdade ir para as noitadas e eu ficar em casa. Mas foi a minha escolha.”;
       
    •  A sensibilidade da transição de júnior para sénior, onde é necessário que os treinadores conheçam bem os jovens que têm à sua frente, saibam ensinar-lhes o que lhes falta e dar-lhes a confiança que precisam para mostrar o seu valor;
       
    • A importância da dedicação e da persistência para se atingir um objetivo. Várias vezes referiu que, nas equipas onde jogou e entre muitos colegas e adversários que teve, não era ele o melhor jogador, o maior talento. Contudo, chegou onde a maioria não conseguiu: “Eu consegui através do trabalho, disse.

    Sonhar com os pés no chão, mudar mentalidades e criar uma cultura de compatibilização escola-desporto são tarefas demasiado grandes para um homem só. Por isso, todos nós, os que direta ou indiretamente fazemos do futebol uma parte importante da nossa vida, temos essa responsabilidade repartida, porque nem todos os jovens futebolistas serão profissionais mas todos serão adultos, homens e mulheres parte da sociedade.

    Tarantini conseguiu deixar uma semente em todos os que o escutaram. O que cada um fará com essa semente só os próprios saberão, mas despertar uma geração de desportistas é também uma boa causa para todos nós.



    Comentários (1)
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    motivo:
    CH
    Tarantini
    2017-04-11 21h37m por Chilavert
    Brilhante trabalho especialmente a desmistificar que o jogador de futebol é tolo e intelectualmente limitado.
    Concretamente a sua tese de mestrado deve ser escarrapachada na FPF, nas associações e essencialmente na formação de treinadores para que consigam nas proximas gerações sensibilizar jovens e os seus pais para a realidade do futebol profissional.

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