"O meu sonho morreu. Após a euforia da época passada, em que nos sagramos campeões, o meu sonho era continuar no Leicester. Infelizmente, não foi assim."
Foi desta forma que Claudio Ranieri constatou que o seu ciclo no Leicester City tinha terminado. Consciente de que o momento da equipa é mau, consumou a descida à terra, numa aterragem forçada que se iniciou logo nas derrotas iniciais com o Manchester United na Supertaça e o Hull City na 1ª jornada da Liga.
Verdade seja dita: Ranieri estava consciente da dificuldade que seria esta época pós-sonho. Logo no início da época falou da importância de lutar para ficar nos "dez primeiros" da Liga inglesa e de fazer uma boa campanha na Liga dos Campeões. O objetivo destas declarações era óbvio: baixar as expectativas dos adeptos e dos próprios jogadores, que talvez ainda vivessem nesse mundo estratosférico onde o Leicester era campeão.
Olho agora para a Premier League, e pergunto como é possível que o mesmo clube, com o mesmo treinador, com praticamente os mesmos jogadores, perante uma concorrência que não mudou assim tanto, tenha resultados tão diferentes? Penso que se deve ao simples facto de que, se em Leicester pouco ou nada mudou, à sua volta, a forma como todos os olhos nacionais e internacionais os vêm, mudou radicalmente. Isso muda muito! O Leicester passou a ser um "grande", um "alvo a abater". Vencer o Leicester passou a ter a carga de poder ser melhor que um dos melhores, ainda que por uma jornada. Agora, todos investem aqui uma boa dose da sua energia. Um empate que seja, pode ser um bom resultado - afinal, é um empate com o "campeão inglês em título".
O erro
Acredito, contudo, que Ranieri cometeu um erro: não saiu no momento certo. Não saiu como devia nem como merecia. Sabendo da dificuldade que seria voltar a repetir, ou aproximar-se daquele sucesso, decidiu continuar.
O seu feito será sempre inesquecível, mas permitiu que, um dia quando contarmos a história deste Leicester, que foi campeão de Inglaterra contra todas as previsões e que o seu Treinador foi eleito o melhor do mundo, para sermos completos e verdadeiros, tenhamos de dizer que na ápoca seguinte Ranieri foi despedido. Não devia ser assim.
O legado
É o fim de um sonho, concretizado com muita humildade e muito mérito. O que fica, então, deste período épico de Ranieri no Leicester? Fica a prova de que vale sempre a pena sonhar e sonhar em grande! Quando um Homem com 64 anos, mais do que uma vez despedido como manda a carreira de um treinador, após clubes e seleções, em vários países, teve a humildade de assumir o 14º classificado da Premier League e o mérito de a transformar na prova viva de que o melhor lado do futebol é o seu fator surpresa, capaz de deixar o mundo de boca aberta, mesmo numa prova de regularidade!
Durante todo este tempo, Ranieri foi um excelente treinador e um grande líder. Não só porque foi campeão mas, acima de tudo, pela forma consciente como lidou com o sucesso e pela honra com que lida agora com o insucesso. Porque devolveu à liga inglesa a uma competitividade como há muito não se via. Foi o futebol no seu estado mais puro.
"Esta aventura foi incrível e irá para sempre viver comigo. Os meus sinceros agradecimentos a todos os que no clube ajudaram a alcançar este feito, mas sobretudo aos adeptos."
Os grandes líderes deixam sempre um legado e Ranieri deixou o seu:
- levou o clube a um título inquestionável e, até então, impensável;
- marcou de forma inesquecível aqueles com quem lidou e que torcem pelo clube;
- promoveu jogadores, alguns deles até então desconhecidos, que são hoje referências dos seus clubes e seleções;
- deixou, através do seu exemplo, uma mensagem forte a todos os que são apaixonados pelo futebol e pela sua imprevisibilidade: não ganham sempre os mesmos.
E agora, Ranieri, o que se segue?