O luso-francês com um jogo pelo Marseille: «O presidente foi ao balneário e disse ao treinador 'Mete o miúdo'»

Assumimos desde já que vamos elogiar um pouco o nosso trabalho, caro leitor. Não que haja qualquer tipo de soberba da nossa parte, mas a verdade é que a base de dados do zerozero surpreende até quem com ela trabalha todos os dias. Confuso? Vamos explicar.

Aquando do sorteio que ditou o Marseille como adversário do Benfica nos quartos-de-final da Liga Europa, a nossa equipa começou a pensar em artigos que pudessem ser lançados na antecâmara dos dois jogos da eliminatória. Com três cliques chegámos à lista de jogadores portugueses que representaram o Marseille e foi aqui que a magia aconteceu.

Sendo certo que demos de cara com alguns nomes mais conhecidos e com os quais já estávamos a contar- como Rolando, Delfim, Vitinha, Nuno Tavares e Rui Barros à cabeça -, a verdade é que ficámos bastante surpreendidos com o último nome da lista.

Filipe Azevedo: um jogo pelo Marseille em 1993/94

A campainha da curiosidade jornalística soou de forma imediata e tivemos de ir atrás das histórias que o agora ex-jogador teria para nos contar.

Tapie, figura inesquecível

Os nossos registos indicavam que Filipe Azevedo tinha completado a sua formação no Marseille e esse foi um dos primeiros dados que quisemos confirmar com o antigo extremo. «Sim, é exatamente isso. Os meus pais são portugueses, mas eu nasci em Valence, uma cidade entre Marselha e Lyon. Entretanto rumei ao Marselha, clube onde me formei e no qual estive de 1991 a 1995. Fui internacional sub-18 e sub-20 francês e depois consegui estrear-me pela equipa principal do Marseille em 1993», começou por nos explicar Filipe Azevedo. 

Filipe Azevedo cruzou-se com Voller, Tapie e Deschamps @Getty /

Tendo isto esclarecido, qual a história por trás do único jogo pela equipa principal do Marseille que Filipe contabiliza no seu currículo? «Eu já vinha treinando algumas vezes com a equipa A, mas nesse dia, 20 de novembro de 1993, tive a felicidade de me estrear de forma oficial. Lembro-me que o presidente, o mítico Bernard Tapie, desceu do balneário e disse ao treinador Marc Bourrier «Tira o Dragan Stojkovic e mete o puto». Mal começou a segunda parte ele mandou-me aquecer e tive a oportunidade de jogar 20 ou 30 minutos. Só foi pena termos perdido [desaire por 3-0 frente ao Auxerre].»

De resto, na visão de Filipe Azevedo, este episódio só comprova a excentricidade do polémico dirigente francês. «Ele era uma pessoa emblemática, é uma figura mítica em França. Ele pressionava os jogadores, mas ao mesmo tempo dava confiança. A presença dele fazia-se sentir», acrescentou.

Colegas de renome e gratidão até hoje

Filipe Azevedo estreou-se pelo Marseille com 18 anos, pelo que é facilmente percetível que teve a oportunidade de conviver com grandes jogadores em tenra idade. Na temporada em que o luso-francês disputou a referida partida pelos les olympiens, o clube contava com nomes da craveira de Barthez, Desailly, Deschamps, Rudi Voller e... Rui Barros e Paulo Futre.

Descrevendo como «fantástica» a experiência de partilhar balneário com tantas estrelas, Filipe Azevedo deixou muitos elogios aos colegas portugueses: «O Paulo Futre foi embora a meio da época, não convivi muito com ele. Com o Rui Barros, que era uma pessoa mais discreta, já estive mais tempo. Lembro-me que, nesse jogo, ele vinha da Seleção e estava um pouco tocado, mas jogou na mesma porque a equipa precisava dele. Tanto ele como o Futre são pessoas que continuam a ser muito respeitadas no clube pela postura que sempre tiveram.»

Na visão do antigo extremo, a sua estreia pela equipa principal do Marseille ganha especial relevo se se tiver em conta que o clube na altura «não apostava na formação e só contratava estrelas». Também por isso, Filipe mantém-se grato ao Marseille até aos dias de hoje. «Formaram-me como homem e como jogador, foi incrível ter podido jogar pela equipa principal. Sou mesmo adepto e espero que o clube consiga fazer um bom jogo frente ao Benfica. O Marseille é um clube à parte de qualquer outro clube francês. Os adeptos são loucos, o estádio está cheio independentemente do adversário. A cidade vive mesmo o clube», asseverou.

Portugal pela única porta possível

Atualmente a trabalhar no desenvolvimento do futebol de formação chinês e na organização de eventos desportivos no país, Filipe Azevedo, agora com 49 anos, deixou o Marseille a meio da temporada 1995/96. O destino? O único possível...

«Quando saio do Marseille tive a possibilidade de ir para o Sporting. Era jovem- na altura tinha 20/21 anos-, tinha feito formação num grande clube e era internacional jovem por França, portanto tinha bastante mercado. Lembro-me que o Sporting, nessa altura treinado pelo Carlos Queiroz, oferecia-me contrato. No entanto, recusei. Eu já estava num grande, só queria jogar no clube a terra dos meus pais, o Felgueiras», recordou. 

No Felgueiras trabalhou com Conceição e Jesus

De resto, no conjunto do Tâmega e Sousa, onde destaca também o papel do dirigente Sidónio Ribeiro, Filipe Azevedo teve oportunidade de trabalhar com um dos treinadores mais emblemáticos do futebol português nos últimos anos: «Só tenho elogios para o Jorge Jesus, percebe muito de futebol e vive o futebol de uma maneira fantástica. Tem uma maneira de ser um pouco explosiva, mas é uma excelente pessoa. Lembro-me que ele negociava os contratos dos jogadores. Quando um jogador apresentava rendimento e estava a receber pouco, ele ia ter com o presidente para falar sobre a situação. Isto ajudava-me a que tivesse o plantel do seu lado.»

Com esta viagem pelo passado terminada, é tempo de apontar baterias ao presente. O Marseille de Filipe Azevedo parta em desvantagem para o segundo jogo com o Benfica, mas apoio não faltará à equipa gaulesa no Stade Vélodrome. Sairá o luso-francês a sorrir desta eliminatória?