Márcio Sousa teve o mundo a seus pés. Aos 17 anos, o Maradona, alcunha que ganhou ainda nos tempos do Vitória SC, era um dos jovens jogadores portugueses a quem muitos apontavam um futuro brilhante no mundo do futebol, sobretudo depois da final do Campeonato da Europa de 2003, em Viseu, onde o camisola 10 de Portugal 'partiu a loiça toda' frente à vizinha Espanha (2x1), com dois golos, mas que, infelizmente, não conseguiu dar o salto para o estrelato.
Sem qualquer tipo de mágoa, de bem com a vida e muito grato pelos momentos que viveu durante a campanha fantástica com o símbolo de Portugal ao peito naquele Europeu, Márcio Sousa aceitou de pronto o convite do zerozero para viajar ao passado, mais concretamente até 2003, e recordar tudo aquilo que jamais será esquecido. Essa final.«Porque apesar de tudo, ainda tenho histórias para contar e histórias importantes». Vamos então até esse dia 17 de maio de 2003.
zerozero (ZZ): Cumpre-se no dia 17 (hoje) 15 anos [20 anos] desde aquela grande final. Passou muito tempo desde essa altura, que recordações guardas desse dia?
Márcio Sousa (MS): Já passou muito tempo, é verdade, mas é uma coisa que fica sempre na memória de quem lá esteve e nos portugueses. É algo que fica para a vida toda e que vais guardar para a vida e vais contar aos teus filhos e aos teus netos. Isso é uma coisa que fica marcada...
MS: Sim, sim, lembro-me perfeitamente. Às vezes ainda estou em casa e ponho-me a ver esses momentos como é lógico. O primeiro golo foi uma jogada no meio campo em que o João Coimbra mete-me a bola por cima da defesa, a bola bate no chão e eu apareço isolado e chuto para o lado esquerdo do guarda-redes [Antonio Adán]. Depois a bola bate no poste e entra. O segundo é um livre do lado direito e eu coloco a bola no ângulo do lado contrário e o jogo ficou 2x1.
ZZ: E ainda tens alguns 'flashes' do público após esses golos?
MS: Sei que foi uma alegria imensa. O Estádio do Fontelo estava completamente cheio. Era uma loucura. Havia pessoas em cima do muro, em cima das árvores... Estava um ambiente espetacular e foi um final feliz para todos.
ZZ: O que vos levou a essa conquista frente a uma Espanha que era à partida a grande favorita à conquista do troféu?
MS: Na altura, toda a gente falava na Espanha, que era uma equipa fortíssima. Muita gente tinha como garantido que eles venceriam o campeonato, mas, aos poucos, fomos passando e quando chegamos às meias-finais passamos a acreditar cada vez mais e tivemos a felicidade de bater a Inglaterra em penáltis e chegamos a final. Na final, foi um momento de grande união porque sabíamos perfeitamente que tínhamos qualidade e só tínhamos de passar para o campo. As pessoas já se conheciam bem, já nos conhecíamos bem dentro de campo e sabíamos as movimentações o espaços que ocupávamos e esse foi o grande segredo.
ZZ: Eram muito novinhos, com 16 e 17 anos, alguns ainda com 15. Vocês tinham noção daquilo que estava a acontecer à vossa volta?
MS: Na altura certamente havia impacto, mas não como agora. Agora as televisões estão constantemente a gravar jogos, no caso das redes sociais não era tão acessível como é agora e apesar disso tudo já foi uma coisa muito divulgada, falada em todo o país. Mas tu, com a idade que tens, não tens noção daquilo que está acontecer. Para ti é mais um torneio, uma competição onde entras, mas não tens a dimensão daquilo que tu conseguiste alcançar com 16-17 anos. Só passados para aí cinco/seis anos é que tens a noção daquilo que alcançaste naquele dia. Ainda hoje penso nisso. Se fosse hoje seria ainda mais divulgado e falado.
ZZ: Olhando para trás, o que sentes mais falta dessa altura?
MS: A questão é muito simples. Saudade de estarmos juntos naqueles momentos, palhaçadas, espírito de grupo... Isso é que dá mais saudade, de estar com pessoas que ficaram para a vida e que ainda hoje falo com eles. São momentos que marcam para a tua vida e que vais ficar com eles para sempre.
ZZ: É inevitável falar sobre isto. Toda a gente acreditava que podias ter chegado a um patamar elevado. Passados estes quinze [vinte] anos, como é que olhas para tudo isso?
ZZ: É também com muito orgulho que olhas para o Moutinho e para o Vieirinha que foram novamente campeões da Europa em 2016...
MS: Exatamente. E falei com eles. Com o Vieirinha tenho uma relação mesmo muito boa de amizade e na altura quando ele estava no Euro em França eu trocava mensagens com ele e dava-lhe força porque sabia que eles estavam unidos e podiam fazer um momento histórico para Portugal. Claro que fico orgulhoso e com uma satisfação enorme por os ver na situação que estavam, onde eu e muitos campeões da Europa de Sub-17 podiam estar. O futebol é mesmo assim. O comboio passa uma vez, eles conseguiram apanhar, outros não... Mas a vida é mesmo assim. Nem tudo é perfeito para toda a gente. Se fosse perfeito não tinha piada.
ZZ: O mais importante são os laços que ficam, então?
ZZ: Para terminar e também porque algumas pessoas não sabem a razão de ser desta tua alcunha pela qual a malta dos sub-17 te trata: Maradona! Além da medalha de campeão, isso é algo que também não se esquece... Como surgiu?
MS: Foi em Guimarães. Nunca fui alto e jogava de pé esquerdo e na altura quando tinha 8-9 anos, quando jogava com o Vieirinha no Vitoria SC, porque estivemos sempre juntos até à equipa B do FC Porto, começaram a apelidar-me com esse nome. Nunca pedi que me apelidassem disso, mas foi uma coisa que ficou. Algumas vezes até me sentia envergonhado porque quando via vídeos do Maradona a jogar pensava para mim como era possível estarem a comparar-me com aquele astro do futebol. Não há comparação possível e, por vezes, ficava um pouco envergonhado e dizia: 'não me chamem isso, não me sinto bem com isso'. Mas ficou e muita gente ainda me conhece através desse nome. Fica para a vida toda.
1-2 | ||
David Rodríguez 42' | Márcio Sousa 22' 47' |