Do bairro de Olho d’Água a Dallas, uma típica histórica de superação. Nanu cresceu numa família com muito amor para dar e deu os primeiros passos no modesto Taboeira. Daí saltou o Beira-Mar e foi em Aveiro que sentiu na pele as dores de um profissionalismo envergonhado.
Na entrevista ao zerozero, o lateral direito que o FC Porto – tem contrato até 2025 – emprestou ao FC Dallas aceita puxar a casse atrás e recordar os anos mais duros da carreira. Com foco especial na época 2014/15, quando jogou no Gafanha.
Uma conversa franca, bem disposta e carregada de elogios para o plantel atual do FC Porto.
zerozero – O FC Porto tem seis pontos de avanço na Liga e parece bem encaminhado para ser campeão nacional.
Nanu – É o que eu digo, para mim o FC Porto vai ser campeão e tem de ser campeão. A mentalidade do clube é simples: vamos ser campeões, mais nada. Nem sempre as coisas correm bem, mas a convicção que há dentro daquele clube é impressionante. Só posso agradecer tudo o que a equipa técnica fez por mim. Espero voltar e mostrar o meu verdadeiro valor. Não me sinto realizado porque não mostrei o Nanu que eles queriam que eu fosse. Isso ficou em falta, gostava de ter a oportunidade de mostrar que esse Nanu existe. Nem tudo foi mau.
zz – Consegue escolher o melhor momento de dragão ao peito?
N – Tive o privilégio de jogar na Liga dos Campeões, que era um sonho. Nas vezes em que estive em campo, acho que cumpri. Não estive tão bem na minha estreia em Manchester, mas no segundo jogo contra eles já me senti melhor, mais soltinho. Momento brilhante... diria que foi o cruzamento para o Taremi, para aquele golo contra o Chelsea. Deixou-me feliz porque nos deu a vitória e deixou-nos perto de empatar a eliminatória. Foi uma boa sensação. Merecíamos mais nesse jogo. Fomos muito superiores ao Chelsea e merecíamos ter ido às meias-finais.
zz – Quem eram os líderes do balneário, aqueles que faziam o batismo aos ‘rookies’?
N – Bem, fui bem recebido, mas eles lembraram-me à chegada do golo que eu tinha feito ao FC Porto pelo Marítimo (risos). Tive de ouvir umas boquinhas. Mas eles rapidamente perceberam que a partir daquele momento eu passaria a fazer tudo para o FC Porto ganhar.
zz – Qual foi o adversário mais difícil que apanhou pela frente? O duelo contra o Sadio Mané ficou famoso. Seria por aí?
N – Bem, o Mané não posso escolher porque não lhe dei hipóteses. Há jogos em que fazemos tudo bem a defender, mas nesse jogo eu pus o Mané a correr atrás de mim, o que é bem diferente. Há jogadores que defendem bem, mas não exploram o lado ofensivo. E nesse jogo eu pus o Mané a correr para trás. Não foi só defender bem o Mané.
zz – No resumo do jogo vemos o Mané a falar várias vezes consigo.
N – Sim, ele devia estar a pensar ‘quem é este miúdo’? Perguntou-me porque não jogava no FC Porto, disse-me para continuar a trabalhar, para não desistir, elogiou a minha qualidade. Ouvir isto de um dos melhores do mundo é gratificante, é incrível. Ele é muito humilde, foram dois jogos fantásticos. Se tivesse sido só uma vez, as pessoas pensariam que o Mané estava num dia mau e eu num dia bom. Assim não. Esses jogos chamaram a atenção das pessoas e ainda fiquei com duas camisolas do Mané: da seleção do Senegal e do Liverpool.
zz – O que há ainda do menino do Olho de Água, Aveiro, no profissional de futebol que joga no FC Dallas?
N – Há pelo menos uma coisa, sem dúvida: o sorriso. Toda a gente que lida comigo elogia a minha alegria e a energia positiva que tenho. Estou sempre bem disposto. Sou um bem-disposto, rio-me bastante e o meu sorriso em Dallas é o mesmo que nasceu em Olho de Água.
zz – Esse menino já passou por muito no futebol.
N – Muito. Esta história tem mesmo de ser contada. Passei pelo o que tinha que passar, mas a mensagem que dou é que nunca desistam, tive momentos em que achava que não iria conseguir realizar os meus sonhos. Às vezes temos de engolir sapos, ter determinação e fé. Digo isto porque já sofri muito.
zz – Consegue dar um exemplo concreto desse sofrimento.
N – Sim, em Aveiro, nos tempos do Beira-Mar. Passei grandes dificuldades. O clube estava numa má situação, só me pagou três meses e eu sobrevivia com os 100 euros mensais que os meus pais me mandavam. Com 100 euros sustentava-me um mês e não me faltava nada. Comia salsichas, atum, massa, os meus pais estavam fora. Bebia leite com cereais, bolachas e pão, ficava com a barriga cheia. Não me faltou o essencial. Eu estava emprestado ao Gafanha pelo Beira-Mar.
zz – Não tinha carro?
N – Ia de carro até um sítio e depois fazia o resto do percurso com um colega. Não tinha dinheiro e vivia feliz. Fiz uma grande época e saltei para o Marítimo. Eu não gosto de pedir nada a ninguém, nem aos meus pais, que estavam fora. Esse ano foi crucial. Como é que eu me aguentava com com 100 euros por mês? E fui feliz. O dinheiro não é tudo. Não é fácil passar o que passei. Tinha vergonha de pedir mais dinheiro aos meus pais. Nunca me faltou energia. Não comia comida de atleta, mas não passei fome. Esse ano foi incrível.
. PARTE 1: «Sei que as pessoas do FC Porto esperavam mais de mim»
. PARTE 3: «O soco do Kritciuk foi assustador, fiquei diferente»