*com Cristiano Tavares Faria
Foi o rosto de uma das eras mais marcantes no universo presidencial do futebol português e deixou o caudal do Rio Ave mais direcionado que nunca para o sucesso. Afastado recentemente por razões de saúde, António Silva Campos entregou a pasta da presidência com bases tão sólidas, como as que há séculos sustentam os alicerces do Aqueduto de Santa Clara, os conhecidos Arcos de Vila do Conde.
No balanço destes 15 anos, o zerozero esteve à conversa com Gaspar, antigo capitão dos rioavistas, na primeira fase do projeto de António Silva Campos, e com Rui Malheiro, jornalista e analista de futebol e antigo membro da estrutura do emblema nortenho, durante os anos 90.
«É preciso perceber que o Rio Ave vem da década de 60 e 70, dos distritais da Associação Futebol do Porto. Tem uma ascensão meteórica até à primeira divisão, mesmo na fase final da década de 70 e jogava num campo no centro da cidade, com condições mínimas, num pelado em que jogavam desde as camadas jovens à equipa sénior», enquadrou, desta forma, Rui Malheiro.
Condições a menos para um clube com vontade de se cimentar nos palcos maiores: «Na primeira metade da década de oitenta, conseguiu solidificar-se na primeira divisão, sem condições em termos de trabalho e de estruturas, para se manter uma equipa de primeira divisão.»
Por essa altura, surgia a primeira grande mudança encabeçada por José Maria Pinho, então presidente do clube: «É o responsável por esse crescimento, que é a mudança do centro para fora da cidade, com um estádio maior, o atual.»
Na transição para os anos 90 e com o clube remetido há quase uma década à II Liga, surgiu um novo impulso para o elevar de patamar, pré-António Silva Campos: «Com o engenheiro Paulo de Carvalho e com uma forte presença da Câmara de Vila do Conde, no período em que trabalhei no Rio Ave foram criadas as bases para a equipa subir à primeira divisão, o que foi alcançado entre 1996 e 2000. O Rio Ave chegou até a ser a equipa revelação do campeonato e a mudar de volta num terceiro [n.d.r 4º lugar] lugar.»
Os ventos sopravam saúde e uma metodologia cada vez mais vincada no seio do clube, algo que nem a antepenúltima descida do enredo vilacondense retirou à gestão anterior à de Silva Campos: «Há uma preocupação por parte do Rio Ave de fortalecer as infraestruturas também na formação, para ter produtos da casa a jogar na primeira equipa. O maior exemplo é o Fábio Coentrão.»
Por fim, surgiu a «consolidação» do Rio Ave no panorama nacional e, com ela, o «sonho vilacondense» da intromissão pelos lugares europeus, objetivo que, na opinião de Rui Malheiro, se aproximou da realidade pelas ligações estabelecidas dentro e fora do clube.
«As ligações que o clube teve com o empresário Jorge Mendes foram determinantes para conseguir esse salto qualitativo. Dentro dessa ligação, a presença do Miguel Ribeiro como diretor desportivo [atualmente no Famalicão] foi fundamental para o trabalho do António Silva Campos dar frutos.»
Estavam reunidas as condições para congregar o trabalho de gerações num clube que «alcançou por mais de uma vez as provas europeias, voltou a chegar a uma final da Taça de Portugal [depois de ter chegado em 1984], disputou uma final da Taça da Liga e chegou a uma final da Supertaça, que nunca tinha acontecido na história. É um período, do meu ponto de vista, áureo da história do Rio Ave.»
Um estado de graça à qual a «profissionalização» de várias áreas do clube muito contribuiu: «Houve uma profissionalização do departamento de futebol que era necessária, mais condições do ponto de vista financeiro, para chegar a outro tipo de jogadores, que nós não conseguíamos chegar naquela altura [anos 90].»
«A pergunta torna-se fácil se a gente olhar sem informação entre o antes e o depois, a nível de gestão do próprio clube. Se assim for, obviamente, é uma diferença enorme», introduziu Gaspar, quando convidado a identificar as alterações, logo que Silva Campos venceu as primeiras eleições.
Apesar de reconhecer a obra, Gaspar também acautelou o trabalho das direções anteriores: «Notou-se logo a nível de investimento, mas isso tem a ver com a própria preparação que se deixou por trás, ou seja, supondo que o presidente apanhava um clube completamente desfeito, seria muito complicado.»
Um trabalho prévio que, em equilíbrio com a ambição e organização demonstrada logo em 2008, atirou o emblema vilacondense para o patamar que qualquer adepto do futebol português consegue reconhecer: «O pensamento do Rio Ave passava, obviamente, pela manutenção, mas já se pensava em algo mais. Já se pensava do meio da tabela para cima, o que fez com que nós, profissionais, encarássemos as coisas de forma diferente.»
Emergindo das águas em que nadou na sua versão do Rio Ave, Gaspar sublinhou a «diferença abismal» de orçamento entre o primeiro mandato de Silva Campos e os seguintes. Contudo, não foi apenas a faceta de empresário que impressionou o antigo central.
«No final de um jogo, o presidente sentiu-se bastante mal. Toda a gente foi em socorro dele e via-se que a sua preocupação não era só pelo resultado desportivo, mas também [em relação a] nós, jogadores, sentirmo-nos confortáveis. Sentia o jogo, sentia o Rio Ave. Não só resultado, mas tudo o que envolvesse os profissionais, ele tinha uma preocupação redobrada», admitiu, antes de catalogar a estadia no Estádio dos Arcos «com nostalgia pelos anos fantásticos», já que «foi a preparação para um Rio Ave europeu.»
Rio Ave europeu que Gaspar ajudou a construir, mas no qual não teve possibilidade de jogar: «Não joguei, mas estive lá! Estive nos jogos antes, estive no próprio jogo e continuo a estar pelo Rio Ave. Conhecermos aquela casa e, até ao último segundo, [saber que] é possível acontecer o golo que dá o acesso à Europa... há a chamada Caravela ao peito, que tem muito que se lhe diga.»