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    Novo episódio do Ponto Final

    Fernando Meira: «Continua a ser muito difícil não ter terminado no clube do meu coração»

    Este é o ponto final. Aqui vamos dar espaço ao adeus, vamos pendurar as chuteiras e vasculhar no álbum das recordações de jogadores que marcaram gerações. Não há parágrafo, sem antes haver um ponto final.

    Este é o ponto final. Aqui vamos dar espaço ao adeus, vamos pendurar as chuteiras e vasculhar no álbum das recordações de jogadores que marcaram gerações. Não há parágrafo, sem antes haver um ponto final.

    Herói na Alemanha, um dos reis de Guimarães, o nosso convidado deste Ponto Final terminou a carreira em Espanha, na província de Aragão. Festejou títulos de campeonatos em três países diferentes e levantou uma competição europeia depois de ganhar ao Manchester United. Vestiu a camisola principal de Portugal por mais de 50 vezes, esteve presentes numas Olimpíadas, num Mundial e num Europeu. A pergunta antes do Ponto Final: Quem é?

    zerozero: Fernando Meira era fácil descobrir este jogador?

    Fernando Meira: É mais fácil com as dicas. Sei que a ideia é as dicas não serem suficientemente indicadoras de quem é, mas claro que saberia que era eu.

    zz: Ninguém se vai confundir com os seus amigos e sócios Nuno Assis e Pedro Mendes? Estes títulos por três países diferentes fazem de si especial.

    FM: Sim, especial, mas os meus sócios, quer o Nuno (Assis), quer o Pedro (Mendes) fizeram carreiras espetaculares, venceram títulos. O Pedro Mendes foi campeão europeu, o Nuno Assis foi campeão aqui em Portugal pelo Benfica, algo que eu gostaria de ter sido, porque quando representas um grande clube como o Benfica a tua ambição e sonho é sempre esse. Comparar ou distinguir a minha carreira mais que a deles parece-me exagerado, porque eles também tiveram grandes carreiras.

    zz: Deixou de jogar em 2012, mesmo no abrir do ano, num Racing Santander x Zaragoza. Sabia que ia ser o seu último jogo?

    FM: Não, longe disso. Estava a caminho dos 33 anos e estava com as minhas capacidades físicas em pleno. O que se passou é que eu quis terminar a minha ligação com o Zaragoza, porque tinha mais um ano e meio de contrato, para regressar ao Vitória SC. A minha vontade era terminar a carreira no clube do meu coração, mas não consegui que isso fosse possível. Eu rescindi com o Zaragoza com o objetivo de regressar a Portugal, ficar livre de contrato e recuperar de uma pequena lesão muscular que tinha. Eu queria estar com a minha família, recuperar e aproveitar o mercado de janeiro para tentar entrar no Vitória SC e terminar a carreira. A vontade sempre foi essa e nunca pensei que aquele ia ser o meu último jogo.

    zz: E porque não foi para o Vitória SC?

    FM: Na altura, o presidente Emílio Macedo queria que eu regressasse, tal como o treinador Manuel Machado e antes de falarmos em números, o que disse ao presidente foi que só voltaria se toda a gente que estava na estrutura concordasse com o meu regresso. Vocês sabem que no futebol há muito aquele ditado: Santos da casa não fazem milagres. Além da ingratidão que existe no futebol. Não gosto de estar inserido em projetos ou com pessoas que não têm esse tipo de gratidão. À medida que a nossa idade avança também selecionámos as pessoas com quem queremos estar. Na fase final da minha carreira fazia sentido voltar ao clube do meu coração e terminar ali a minha carreira, mas por outro lado também fazia sentido, para mim, que as pessoas me quisessem receber dessa forma. Infelizmente, o presidente disse-me que havia alguns diretores que não viam a minha chegada com bons olhos. Eu disse logo ao presidente que assim sendo não fazia sentido ficar, porque mais ou cedo ou mais tarde ia chatear-me. Eu acho que o futebol deve ser vivido de forma emocional, é um desporto coletivo, as pessoas devem partilhar as mesmas ideias, apoiarem-se mutuamente e quando há uma estrutura sem esse tipo de pensamento, sem essa missão, as coisas ficam mais difíceis de se realizar. Fiquei triste.

    zz: Foi mais difícil superar isso do que o fim da carreira?

    FM: Muito mais, pois foi superar um fim de carreira que não foi o desejado. À medida que a tua carreira avançando, vais ajustando os teus sonhos. O primeiro sonho era jogar no Vitória SC, porque eu cresci a acompanhar o Vitória, a ver os jogos do Vitória, a idolatrar os jogadores do Vitória e o meu primeiro sonho sempre foi jogar no estádio D. Afonso Henriques. Quando isso é possível, começamos a pensar noutras coisas, em jogar num clube grande, ou de representar a seleção nacional. Felizmente isso foi possível. Quando cheguei ao Benfica, que é um grande clube, já ambicionei saltar para um grande clube europeu, jogar nas grandes competições, como a Liga dos Campeões, no Campeonato do Mundo. Toda esta evolução faz parte da vida de um futebolista e é perfeitamente normal.

    zz: É quase como andar numa montanha e depois de atingir o pico vê-se a casa lá em baixo e isso não aconteceu consigo, por muito que quisesse.

    FM: Quando traças um projeto final da tua carreira, sabes que não dependes só de ti. Tudo vai depender do estado atual do clube onde tu ambicionas terminar, as pessoas que estão à frente desse clube, e nunca podemos confundir os clubes com as pessoas que estão a gerir os clubes, porque o clube vai manter-se sempre. Para mim foi muito difícil, e continua a ser, não ter terminado a minha carreira no clube do meu coração. Fico triste por naquela altura não ter tido essa possibilidade.

    qPara mim foi muito difícil, e continua a ser, não ter terminado a minha carreira no clube do meu coração. Fico triste por naquela altura não ter tido essa possibilidade.
    Fernando Meira, antigo futebolista

    zz: Mas conseguiu perceber o porquê dos dirigentes não verem com bons olhos o seu regresso?

    FM: Eu tenho sempre que separar as coisas: uma coisa é aquilo que eu penso, outra coisa é aquilo que as pessoas que estão lá dentro pensam. Eu não tinha a autoridade de questionar o porquê de algum dirigente não querer a minha chegada, mas também faço a minha análise. Possivelmente, pensariam que no futuro quereria ser diretor desportivo, presidente, treinador ou outra coisa qualquer e temeram que eu assumisse o cargo deles. Estou apenas a supor. A questão do dinheiro nunca se colocou, se havia algum diretor que pensaria que eu ia ser um jogador caro, estava completamente errado, pois o presidente sabia disso. Essas são as únicas razões. Se tu contratas um jogador para regressar ao clube de coração, na fase final da carreira, tens de perceber que ele vai acrescentar no campo e no balneário. Mas se no campo não funcionar na sua plenitude, tens de ver a mais valia que pode ser para a mística do clube, para incentivar os mais jovens. Por vezes ter numa estrutura, num grupo de trabalho, ter jogadores experientes que conhecem a casa, que podem passar a história do clube aos mais jovens e aos jogadores que chegam de fora só por isso já estão a ganhar.

    zz: Já não é o primeiro jogador a passar essa visão.

    FM: Isto é vital no futebol. Dentro de um clube, de uma equipa de futebol é muito importante ter um bom balneário. Se não tiveres um bom balneário, por muita qualidade que tenhas, numa fase má o treinador vai tremer, a equipa vai tremer. Se tiveres um balneário forte, uma equipa unida, uma equipa solidária, isso vai fazer a diferença. Se olharmos à realidade do futebol português, temos quatro ou cinco equipas com muita qualidade e todas as outras definem-se pelo grupo de trabalho e não pela qualidade do plantel. São equipas muitas equilibradas e a grande diferença que existe num desporto coletivo como o futebol é a união, o balneário, a solidariedade que existe entre os jogadores e os laços que eles conseguem criar entre eles. Se não tiveres pessoas no plantel que consigam promover isto é mais difícil.

    zz: O que o fez escolher o futebol? Os nossos registos dizem que foi em 88...

    FM: Eu já não me lembro do que fiz ontem. (risos) Comecei no Vitória SC com sete anos, sempre tive muito vício em jogar futebol, fosse onde fosse, em qualquer lado queria estar a jogar futebol. Sei que não se pode dizer isso em casa, mas a escola para mim era algo secundário. O meu sonho era o futebol. Os meus pais deram-me a educação correta, de que a escola tem de estar primeiro. Um jogador só pode colocar os estudos em segundo plano a partir do momento em que tem um contrato que lhee dê alguma independência económica. Mas o meu sonho sempre foi jogar futebol. A minha mentalidade fez-me ter esta carreira.

    Fernando Meira nos primeiros tempos de Vitória SC @Arquivo Pessoal Fernando Meira

    zz: Foi logo como defesa?

    FM: Nunca. Só comecei a ser defesa aos 19 anos. A minha formação sempre foi como extremo direito, era ala. Comecei a ir à seleção nacional com 15 anos, em todos os escalões joguei como ala em 4-3-3, depois com o Jesualdo Ferreira, por vezes, jogava como médio pela direita. Com 19 anos, com o Jaime Pacheco, num jogo em Braga, onde o Vitória SC perdeu 4-0, entrei a faltar poucos minutos, joguei como central, numa altura em que o Vitória SC tinha jogadores castigados e lesionados naquela posição. Lembro-me que era para ser uma alternativa como defesa central. O Jaime Pacheco na altura perguntou-me se estaria disponível para jogar a central e eu só disse que fazia o que ele me mandasse, disse-lhe que queria jogar e mostrar o meu valor para fazer parte da equipa. Assim foi, no ano seguinte entrou o Filipovic e percebemos de início que não ia apostar na formação do Vitória SC, na altura fazia parte dos Sub-21 da seleção portuguesa e precisava de ter tempo de jogo para continuar a ir à seleção. Como percebi que com o Filipovic não ia ter oportunidade, batia à porta do Ex.mo Senhor Presidente Pimenta Machado, presidente do Vitória SC na altura, e pedi-lhe para sair, que precisava de ter tempo de jogo, precisava de crescer como jogador, como homem e que queria muito ir à seleção e com aquele treinador não ia ter hipótese.

    zz: É aí que vai para o Felgueiras.

    FM: Certo, fui para o Felgueiras juntamente com mais cinco ou seis jogadores do Vitória SC, entre os quais o Pedro Mendes e fizemos uma época fenomenal. Crescemos todos muito, estivemos até à última jornada para subir de divisão, com uma equipa de miúdos. Ainda durante essa época, o Quinito ligou-me a dizer que queria que eu regressasse ao Vitória SC para jogar como central.

    zz: Mas em Felgueiras já foi como central?

    FM: Nunca, sempre como extremo, com o Diamantino Miranda, em 4-3-3 e a jogar nos três da frente. O Pedro Mendes jogava como médio interior direito e eu como extremo direito. O Quinito viu em mim algo que o despertou, primeiro para ajudar o Vitória e a equipa dele e eventualmente fazer carreira como central. Ligou-me a perguntar se eu queria regressar ao Vitória SC, mas para jogar como central. Eu disse que sim. Ele disse-me: Vais regressar, vais ser o meu capitão de equipa e vou fazer de ti jogador.

    zz: Em algum momento entram as dúvidas do jogador que é titular, joga na seleção nacional, mas sempre a extremo. O que pensa um jovem de 19 anos quando lhe sugerem isso?

    FM: Faz muito parte da personalidade de cada um. Eu tenho flexibilidade, consigo colocar-me no lugar do outro e no futebol, como na vida, temos de ter capacidade de absorvemos tudo e perceber se é o melhor para nós. No futebol, quando o teu treinador te diz algo, tens de perceber o melhor para ti e para a equipa. Felizmente comigo correu bem, tal como com outros jogadores: o Coentrão, o Miguel, por exemplos. Há vários jogadores que tiveram sucesso assim, primeiro porque tiveram jogadores com capacidade de ver isso, mas também porque tiveram a mentalidade e o poder de encaixe de ver que é o melhor para eles.

    Fernando Meira nos estúdios do zerozero, durante a gravação do Ponto Final @zerozero.pt

    zz: Mas foi uma mudança muito grande.

    FM: Foi, mas mesmo sendo extremo direito, tinha características para jogar a central. Mais à frente consegui perceber isso, que podia não ser um posição que dava muito gosto de jogar, mas era uma posição onde conseguia expor de uma forma mais fácil as minhas qualidades. Como extremo jogava muito mais vezes de costas para o adversário, como central tens o campo sempre aberto e consegues mostrar as tuas qualidades. Claro que precisei de melhorar o jogo aéreo, ser mais agressivo, ter mais liderança... Já tinha essa mentalidade, mas quando passo para central tive de mostrar isso, uma comunicação diferente, sem a necessidade de ter uma braçadeira, pois é uma questão de personalidade.

    zz: Já é aquele que olha de frente.

    FM: Eu entendo que no futebol a comunicação é fundamental. Orientares os teus colegas para que as posições estejam bem, encurtar bem as linhas, para haver uma ligação entre setores. Comunicação a mais nunca vai prejudicar, só vai ajudar a orientar todos os setores da equipa. Se a grande maioria dos jogadores tivesse esta mentalidade, o futebol era muito melhor. Atualmente, o futebol está a perder o que nós tínhamos e a geração anterior à minha ainda tinha mais: personalidade, vontade de vencer, comunicação no jogo. Estamos a perder isso, a mística...

    zz: O compromisso?

    FM: Sim e a união. Hoje em dia, com os telemóveis e as redes sociais somos mais individualistas, não há tanto convívio coletivo e no futebol isso faz toda a diferença para que os jogadores se sintam mais unidos.

    zz: É tão forte essa época a central que o Benfica contrata-o para essa posição. Como foi essa mudança?

    FM: Para mim foi muito complicado a forma como saí do Vitória SC, pois tive um ano muito difícil com o Dr. Pimenta Machado. Ele subiu continuadamente o meu valor de transferência. Tive muitos clubes interessados em mim durante toda a época e ele nunca me deixava sair. O meu salário continuava sempre o mesmo. O meu pensamento foi: Estou a fazer uma grande época e tenho de aproveitar o momento. Pressionei, de forma a prosseguir a minha carreira e sair para o Benfica.

    zz: Mas essas dificuldades do Dr. Pimenta Machado aconteceram com que sentido? Subir ao máximo o seu valor de transferência, apenas?

    FM: Sim, logicamente. Eu consigo colocar-me no lugar dele e sei que foi negociador ao perceber que o meu valor estava a subir e a procura era alta. Entendo o lado dele, mas poderia ter existido uma conversa comigo, a dar-me tranquilidade de que sairia no fim da época, pois eu era muito desejado e o clube poderia ganhar mais dinheiro, até poderia melhorar o contrato, para tranquilizar-me mais, mas nunca houve essa conversa.

    qAs coisas não correram muito bem no Benfica, porque tive muita instabilidade. Foram três presidentes, vários treinadores, dificuldades económicas e um plantel muito aquém de um clube como o Benfica.
    Fernando Meira, antigo futebolista do Benfica

    zz: Outros tempos...

    FM: Tempos diferentes, mas acabei por ir para o Benfica. Infelizmente, as coisas não correram muito bem no Benfica, porque tive muita instabilidade. Foram três presidentes (Vale e Azevedo, Manuel Vilarinho e Luís Filipe Vieira), vários treinadores (Jupp Heynckes, José Mourinho, Toni e Jesualdo Ferreira), dificuldades económicas e um plantel muito aquém de um clube como o Benfica. Quando olhávamos para o lado víamos o Sporting a ser campeão, o FC Porto muito forte, principalmente depois de ter entrado o Mourinho, que tinha estado connosco. Para nós é frustrante estares num grande clube e não ter uma equipa competitiva. Não queria só jogar no Benfica, queria ganhar. A ambição faz parte disso. Para mim já não era suficiente jogar no Vitória SC, jogar no Benfica, jogar na seleção. Queres ter um grande contrato, mas também queres ganhar títulos, queres chegar à seleção, mas também queres ser titular. Esse tipo de evolução existe e é normal, para mim, naquela altura, no segundo ano, começou a haver a frustração de querer vencer no Benfica e não conseguirmos.

    zz: Mas o que faltava?

    FM: Era tudo, primeiro estabilidade diretiva, faltava estabilidade económica e plantel ao nível da grandeza do Benfica.

    zz: Mas havia bons nomes...

    FM: Tínhamos muitos jogadores estrangeiros e de qualidade duvidosa, face às exigências do Benfica. Depois da entrada do Luís Filipe Vieira, o Benfica teve plantéis de grande qualidade e isso permitiu ao Benfica ser várias vezes campeão, ter boas prestações europeias, estar continuamente a jogar Liga dos Campeões. É isso que os jogadores querem. Quando saí para o Estugarda, tive uma conversa com o Luís Filipe Vieira. Ele disse-me: Fernando, és o meu capitão, não quero que saías, mas se quiseres sair, não vou impedir. Eu disse-lhe aquilo que já disse aqui, que estava frustrado, porque apesar de estar na seleção, queria ser titular no Benfica, ter uma equipa competitiva e ganhar títulos e não havia isso. Disse-lhe que para mim seria melhor experimentar algo novo e ir para a Alemanha. Ele, felizmente, teve essa flexibilidade e deixou-me sair. Para mim, foi mesmo muito bom ter ido para a Alemanha.

    zz: Nesse período do Benfica ainda não há Seixal e o Estádio da Luz está em obras.

    FM: Exato, treinávamos nos campos que existiam ao lado do Estádio da Luz.

    zz: Devia ser muito difícil.

    FM: A partir do momento em que chegues ao Benfica, sabes que isso vai acontecer. Toda a gente sabe que o Benfica é um clube grande, mas ninguém faz ideia da grandeza do Benfica. Explicar isso é difícil, pois quando entras no estádio consegues perceber a dimensão, mas é nas deslocações ao estrangeiro e mesmo a jogar fora em Portugal que vês a grandeza. Isso dá um orgulho grande aos jogadores, mas também pressão.

    zz: Os melhores anos da sua carreira foram no Estugarda? Apesar de amar Guimarães, é verdade que chegou a pensar ficar a morar na Alemanha?

    Fernando Meira foi campeão no Estugarda, em 2006/2007 @Getty /

    FM: É verdade, cheguei a pensar nisso. Eu costumo dizer que o Estugarda comeu o meu Filé Mignon. Estive a preparar a carninha, a tirar o osso e só ficou o Filé. Ficou todo na Alemanha. É uma cidade incrível, uma competição difícil de explicar, tamanha é a organização e o respeito pelos jogadores. Qualquer clube tem grandes jogadores de futebol, internacionais, primeira e segunda liga com uma exposição mediática brutal, estádios cheios, bem organizados.

    zz: Sabia disso quando foi para Estugarda?

    FM: Não, nada. Sabia que o Estugarda estava em dificuldades, que lutava para não descer, com o Felix Magath. O objetivo era evitar a descida. Nesse ano conseguimos ir à Liga Europa, vencemos a Taça Intertoto. O Estugarda é um clube que não luta para ser campeão na Alemanha, apesar de termos conseguido esse feito, luta para estar entre os cinco ou seis primeiros.

    zz: Nos dias de hoje, um jogador que procure ir para o estrangeiro, facilmente vai descobrir informações sobre o clube. Em 2001 isso não existia.

    FM: Mesmo, na altura sabia duas coisas do Estugarda: que era a cidade da Mercedes e da Porsche, mas conhecida por ser a cidade da Mercedes, e o clube do Balakov. Na altura falei com o Balakov para conhecer o clube, disse-me maravilhas, como é óbvio. Ele falava português, havia alguns brasileiros que falavam português, depois o Kevin Kurany e o Marcelo Bordon. Estes três foram os que mais me apoiaram.

    zz: Apanhou o campeonato parado. Ajudou esse lado?

    FM: Eu vinha com competitividade, mas a pré-época do Magath não foi sorte nenhuma. Eram três treinos diários, era muito duro.

    zz: Com temperaturas negativas.

    FM: Isso não é problema, facilmente te adaptas, mas o treino do Magath era muito duro fisicamente, com pouca bola, porque era pré-época e como tal os treinos eram mais físicos. Isso não dá gosto nenhum ao jogador, porque o jogador quer é jogar futebol. Eram fases muito duras, mas o Magath era um treinador muito exigente. Nós, fisicamente, erámos atletas ao mais alto nível. Era um país muito organizado e tu como jogador, também queres que a tua família se sinta bem. A minha família teve dificuldades de adaptação, o que é normal, mas depois gostou muito de Estugarda. É uma cidade segura, limpa, muito bem organizada e para mim era uma tranquilidade enorme, pois sabia que os meus estavam felizes. Evoluiu muito, porque aprendi o rigor, a disciplina e a organização de um clube, o respeito pelo mais velho, que existe muito ma Alemanha. Em Portugal, ou em qualquer país europeu, qualquer miúdo chega e pensa que já pode tudo. Na Alemanha isso não acontecia. Vivenciei isso nas duas vertentes. Sempre respeitei qualquer pessoa, mas este princípio de respeitar os mais velhos foi algo muito presente em qualquer equipa. Isso num balneário é importante, porque criei uma hierarquia não em fosse de um contrato ou estatuto, mas em função da experiência.

    zz: Quando foi para o Estugarda levava apenas duas épocas e meia a central. Chega a campeonato super competitivo, super combativo e onde o trabalho do desafio central é uma obra a cada jogo. Foi fácil adaptar-se a esta realidade?

    FM: Nessa altura já fazia duas posições.

    Fernando Meira
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    zz: Correto, também era opção a médio defensivo.

    FM: Exato. Eu era rápido e o Magath apreciou isso, foi o que ele mais valorizou em mim. Eu não era um jogador agressivo, não era forte no ar, era um jogador grande, que sabia jogar, forte na construção, forte a quebrar linhas e ele queria um jogador com essas características. Eu fui ganhando essa agressividade, porque na Alemanha o jogo é muito físico, mas consegui expor as minhas qualidades mais visíveis. A nossa equipa ia muito de encontro às minhas características. Claro que o ideal era ser um Fernando Meira a bater como o Jorge Costa e a saber jogar como eu sabia, mas não podemos ter o melhor dos dois mundos.

    zz: Estava nos melhores momentos da sua carreira e vence a Bundesliga: quando pensou que essa conquista poderia ser possível?

    FM: No ano anterior tivemos o Trapattoni e foi um desastre de temporada. Percebemos que tínhamos de jogar em 4-4-2, porque o plantel foi formado assim. Essa estratégia para nós não funcionava, nós não estávamos habituados e preparados para jogar assim enquanto equipa. No Estugarda estava enraizado o 4-3-3. A equipa de tinha sido construída por jogadores caros: o Hitelsperberg, o Gronkjaer, o Tomasson... A exigência era grande, porque o Estugarda queria atacar a acesso à Liga dos Campeões. O Trapattoni foi um treinador fenomenal, como pessoa, na relação humana, o oposto do Magath. Ele dizia para jogarmos em 4-4-2 e mal entrávamos em campo a equipa organizava-se em 4-3-3. O Tomasson no meio, Gronkjaer à esquerda, Cacau na direita. Ele via a equipa assim e não dizia nada, para ele estava sempre tudo bem. As coisas correram mal e em janeiro ele foi despedido. Veio o Armin Veh da 2ª Divisão, que faz o resto da temporada. No verão contratam um adjunto (Alfonse Higl) que fez um diferença brutal. O Armin Veh era muito próximo do jogador, sabia ler muito bem o jogo, mas precisava de um upgrade no treino, que foi dado por esse adjunto. Na altura o presidente falou comigo, porque eu já era um dos mais velhos, a pedir opinião sobre o que tinha corrido mal. Eu aconselhei a apostar na prata da casa, pois o Estugarda é o clube alemão com mais títulos na formação, eu vi-a os jogadores a treinar connosco e percebia que tinham qualidade. Ele fez isso, foi assim que apareceu o Sami Khedira, Serdar Tasci, Mario Gomez, foram todos jogadores que vieram da formação. Conseguimos criar um grupo fortíssimo, um balneário recheado de palhaçadas, muitos almoços e jantares. Aliado a esses laços, também tivemos a sorte de ter jogadores de qualidade e o Bayern de Munique estar num ano zero. Estivemos até à última jornada a lutar contra o Schalke 04.

    zz: E essa última jornada é imprópria para cardíacos...

    FM: Nas últimas dez jornadas tivemos dez vitórias. O Schalke 04 tinha uma equipa muito boa, com Rafinha, Manuel Neuer, Kurany, Bordon, Lincoln, Ozil, era uma equipa muito boa, mas foi o Estugardazinho, muito humilde, que foi campeão.

    zz: Com o Timo Hildebrand na baliza.

    FM: É verdade, que depois veio para o Sporting. 

    zz: Markus Babel.

    FM: Não jogava muito, mas era muito experiente. Tínhamos dois mexicanos.

    zz: Ricardo Osório e Pavel Pardo.

    FM: Magnin jogava à esquerda, eu, Tasci e o Delpierre. Depois tínhamos o Pável Pardo no meio, com o Sami Khedira, Hitzlsperger, Robert Hildbert, à direita, e na frente o Mario Gómez com o Cacau.

    Fernando Meira a celebrar o título da Bundesliga com Cacau @Getty /

    zz: Essa última jornada está nos registos mais emblemáticos da Bundesliga. Quando é preciso mostrar a emoção da Bundesliga aquela jornada aparece.

    FM: O Schalke estava em segundo, nós em primeiro por diferença de golos. Se empatássemos ou perdêssemos em casa e o Schalke ganhasse por três ou quatro a zero era o Schalke campeão. Começámos o jogo a perder e o Schalke aos vinte minutos já estava a ganhar 2-0. Imagina a nossa cabeça e o estádio naquele momento. Nessa altura a euforia tinha dado lugar a pânico. Não havia contestação, pois nós estávamos a viver um sonho, mas era o pânico de falhar o título na última jornada. Mas tivemos dois momentos fenomenais, um que foi de um canto batido na direita, onde o Hitzlsperger pega na bola de primeira e faz um golo fantástico. O outro golo foi do Sami Khedira e tudo, depois, ficou tranquilo.

    zz: Tinha a noção que os portugueses que gostavam de futebol torciam por si?

    FM: Sim, tinha essa noção.

    zz: Aquela imagem de o ver a levantar a Saladeira, com o cachecol do Vitória SC de um lado, a bandeira de Portugal nos ombros ficou na cabeça das pessoas.

    FM: Nós aqui em Portugal não temos a perfeita noção de sentir as nossas raízes lá fora. Eu considero que os portugueses são um povo muito bairrista e nós em Guimarães apoiamos muito a nossa terra, mas lá fora, esses portugueses, sentem isso a dobrar. Portanto, se no futebol sentimos isso, lá fora as pessoas passam essa paixão pelo futebol a triplicar. Como jogador, temos essa noção. Quando encontrava emigrantes sentia essa paixão, essa alegria, de encontrar alguém da mesma origem. Isso é muito bonito da nossa nação e se há expoente máximo é quando representamos Portugal e cantamos o hino.

    zz: É de arrepiar?

    FM: É arrepiante e ainda arrepia. Estou a falar e estou a ficar arrepiado, a lembrar de vários momentos que vivi da nossa seleção, quando estava perfilado, ao lado dos meus colegas e ouvir o hino nacional, de bancadas cheias... Essa era a nossa grande motivação. Primeiro orgulho, mas enquanto jogador era por momentos daqueles que treinava, descansava bem, alimentava bem, não fazia saídas à noite, não fumava. Fazia de tudo para ser um jogador melhor e estar melhor que os meus adversários quando os defrontasse. O que dá mais gozo a um jogador é sentir que é melhor que o seu adversário.

    qSenti que poderia ter ido ao Mundial de 2002, Euro 2004 e Mundial 2010. O 2002 pelo meu potencial na altura, mas 2004 e 2010 pela minha prestação.
    Fernando Meira, antigo futebolista

    zz: Quero recuar ao tema da seleção nacional. Como foi continuar na seleção já não sendo extremo e passar para central, quando ao mesmo tempo a malha das escolhas fica mais curta, naturalmente, devido à idade?

    FM: Quando chego à seleção para ser central estava lá o Jorge Costa e o Fernando Couto. Eram uma dupla que se conhecia bem, era a dupla natural e assídua da seleção.

    zz: Chega no pós Euro 2000.

    FM: Sim, ainda havia o Beto, o Jorge Andrade, mas depois apanho o Ricardo Carvalho, Bruno Alves, Pepe... Jogadores de grande dimensão. Fui várias vezes chamado por também jogar a médio defensivo. Se fosse só por ser central, se calhar, em algumas convocatórias nem iria. A concorrência era muito forte e tinha de estar sempre ao mais alto nível. Isso foi muito bom, porque sempre me obrigou a estar em nível elevadíssimo. A nossa seleção sempre teve gerações de grande nível, essa competitividade fez com que a seleção crescesse também.

    zz: Esteve em três fases finais, estou a contar também com as Olimpíadas de Atenas em 2004, houve também o Mundial de 2006 e o Euro 2008. De alguma forma sentiu que poderia ter estado noutros momentos com Portugal?

    FM: Muito mais. Senti que poderia ter ido ao Mundial de 2002, Euro 2004 e Mundial 2010. O 2002 pelo meu potencial na altura, mas 2004 e 2010 pela minha prestação. Em 2010 fiz a campanha e fiquei de fora da fase final. Foi frustrante. Pior que isso, foi ter o selecionador (Carlos Queiroz) a dizer que ia à fase final e numa partida contra o Brasil em que perdemos por 6-2, um jogo onde eu não joguei, o Carlos Queiroz disse quem eram os quatro centrais que iria levar, mas à última da hora mudou, sem que eu alterasse qualquer coisa com o meu compromisso com a equipa, pois nem sequer joguei. Isso para mim foi o que me desiludiu, não o símbolo de Portugal, mas as pessoas que faziam parte da seleção. Nós sabemos que, por vezes, no futebol há interesses. Hoje em dia sou agente FIFA e é uma desilusão muito grande ver que determinados jogadores vão para clubes por interesse e não pelo seu real valor, mas mais à frente os jogadores pagam essa fatura, mas também é um desilusão ver pessoas que fazem parte do futebol e fazem negócios apenas para se beneficiarem e não para melhorarem a qualidade dos clubes ou a vida dos jogadores que representam. É uma deceção muito grande e por isso acho importante o futebol ser renovado por pessoas de valor à frente de posições, sejam empresários, dirigentes ou presidentes, temos de ter gente com valor à frente dos cargos importantes do futebol nacional, porque antigamente era mau, mas ainda há. O futebol, hoje, é mais industrial, é mais um modelo de negócio, mas tem de haver regras, princípios e quando isso não existe é frustrante. Por vezes questiono-me se é isto que procuro para mim. Por vezes tenho desilusões que me fazem questionar.

    Fernando Meira em ação frente a Inglaterra, no Mundial de 2006 @Getty / Ross Kinnaird

    zz: Saiu do Estugarda para o Galatasaray, mas esteve um período curto na Turquia. Como foi parar à Turquia?

    FM: Depois de ter sido campeão no Estugarda, tive uma proposta da Juventus. O Estugarda chegou a acordo com a Juventus para eu ser transferido por dez milhões, viajo para Turim com o meu empresário para tentar chegar a acordo, correu tudo bem, mas quando cheguei a Estugarda o presidente quis reunir comigo e disse que não poderia deixar ir para a Juventus, porque iríamos jogar a Liga dos Campeões, eu era capitão e precisava de mim. Eu pedi para ele não fazer isso, pois estava a ter uma oportunidade fantástica, de ir jogar para um clube como a Juventus e depois poderia voltar a não ter essa oportunidade. Ele prometeu deixar sair no ano seguinte, mas implorou que ficasse nesse. Eu fiquei, mas a pensar no ano seguinte. Em dezembro surgiu a hipótese do Galatasaray. Reuniu-me com eles e cheguei a acordo para me transferir para a Turquia no verão, mas o Gala tinha de chegar a acordo com o Estugarda. No verão chega a proposta ao Estugarda e o presidente volta a dizer que não me deixa sair. Isto foi num fim-de-semana, a equipa ia começar a pré-época na Áustria. Liguei para o diretor desportivo, Horst Heldt, disse que queria falar com o presidente e depois de falar com ele expliquei o meu ponto de vista e a falta de palavra que ele estava a ter. Disse que ia pegar na minha família e ia para o Algarve de férias. Que ia ficar lá até ele me transferir, se não transferisse, deixaria de jogar futebol. Tinha 29 anos na altura. Disse-lhe isso com muita frontalidade por causa da falta de respeito. Quando és presidente e estás a falar com um jogador teu, tens de cumprir a palavra. Chamei-o à razão e as coisas foram resolvidas em três ou quatro dias, fui à Áustria despedir-me dos meus colegas e segui para a Turquia.

    zz: Mas foi pouco tempo na Turquia...

    FM: Na Turquia em oito meses recebi quatro salários.

    zz: Não foi nada do que estivesse à espera?

    FM: Nem tudo. Istambul é uma cidade fenomenal, o Galatasaray é um clube enorme, é difícil explicar a dimensão daquele clube, o fanatismo dos adeptos... Viver aquele ambiente é altamente emotivo, não consegues falar com os teus colegas, tamanho é o barulho. Aquilo é insurdecedor. Essa parte é bonita, mas a nossa equipa não era a melhor, o Galatasaray estava a passar por momentos diretivos graves, o treinador alemão que estava lá foi despedido e no meio desta montanha-russa recebo uma chamada em dezembro do Dick Advocaat, que era o treinador do Zenit, a convidar-me para ir para a Rússia. Fizeram-me uma proposta irrecusável e o Galatasaray vendeu-me. Sei que o Galatasaray não perdeu dinheiro e deixaram-me sair num momento em que o clube passava por grande instabilidade, mas jogar na Turquia e no Galatasaray marcou-me imenso.

    zz: Quando foi para São Petersburgo que clube encontrou? Ganhou a Supertaça Europeia...

    FM: Ganhei tudo o que era possível. Essa foi a parte mais importante, para além da parte económica, mas os títulos são sempre importantes na carreira de um jogador. Era uma realidade diferente.

    Fernando Meira nos estúdios do zerozero, durante a gravação do programa Ponto Final @zerozero.pt

    zz: Foi o melhor momento de títulos...

    FM: De títulos sim, mas o investimento foi maior depois. O Zenit é claramente o maior clube na Rússia, e quando chegas a um clube com um poderio económico brutal e não olham a meios para contratar jogadores, mas via falta de organização, falta de detalhes. Não tínhamos um ginásio a condizer com a dimensão do clube, não havia autocarro a condizer...

    zz: Há dinheiro, mas não há investimento.

    FM: Exato... Não havia gosto. Com a chegada do Spalletti tudo mudou. Pediu logo um edifício novo, balneários novos, ginásio novo, centro de reabilitação, autocarro novo. Aquilo que criticámos apareceu logo, porque era importante para o clube e a evolução foi brutal. O Spalletti foi, claramente, o melhor treinador que encontrei na minha carreira. Não na parte humana, mas na parte de campo, na filosofia de saber o que quer para o seu jogo. É assustador a forma como ele trabalha e vê o futebol. Vai desde o pormenor do aquecimento com bola, do trabalho defensivo, do trabalho de finalização, do trabalho de posse de bola, tudo anda à volta de um modelo de jogo. Estatisticamente uma equipa sofre mais golos com a bola que entra nas costas da defesa, ou bola entre a defesa e o guarda-redes. Portanto, todo o trabalho dele era focado no aspeto defensivo para evitar isso e em termos ofensivos todos sabíamos o que tínhamos de fazer para encontrar isso. Ele dizia sempre: O passe não é para onde tu estás, é para onde tu vais. Ele era muito detalhista. Para nós foi muito estranho chegar uma equipa técnica com um treinador que só te orientava a parte defensiva e outro para a parte ofensiva. Foi muito importante, porque melhorei os detalhes, mas simultaneamente tinha alguém sempre a picar. Os nossos treinos eram de tal forma competitivos, que parecia a dinâmica dos treinos. Para nós era um gosto enorme, porque era sempre bola no pé. Até nos ríamos, porque víamos os movimentos e já sabíamos o que ia acontecer. Tínhamos jogadores muito inteligentes, como o Bistrov, Danny, o Kerzhakov, que perceberam como ninguém as ideias. Também tínhamos o Zyrianov e o Denisov... grandes jogadores que era muito bons e altamente inteligente.

    zz: É engraçado contar isso, mas aconteceu nos seus 30 anos...

    FM: É incrível, eu apanhei o melhor treinador da minha carreira, no final da minha carreira. E tive como treinadores Scolari, Mourinho... O Mourinho é muito forte, principalmente na relação humana, mas o Spalletti no campo é inigualável. Não tenho dúvidas nenhumas.

    zz: Por vezes pensamos que aos 30 anos já não vamos aprender nada...

    FM: Eu já disse aqui que podemos aprender com qualquer pessoa e até com pessoas que não tem nada a ver com futebol. Lembro-me de em tempos ter lido uma entrevista do José Mourinho, onde ele dizia que no futebol estamos sempre a aprender. Até a ler uma entrevista de um roupeiro, de um diretor desportivo, estamos sempre a aprender, há sempre algo a retirar disso. Temos de ter a mente aberta e não pensar que sabemos tudo. O treinador português foi aquele que mais cresceu a nível mundial e lembra-se como era o nosso mercado, antigamente. Tínhamos muitos treinadores brasileiros, mas parece que eles estagnaram, porque têm o estatuto, mas nós formamo-nos, crescemos, aprendeu, conseguimos ter grandes treinadores e isso vê-se no nosso futebol. Nós temos bons jogadores, mas temos excelentes profissionais que sabem orientar tudo muito bem.

    qO Spalletti foi, claramente, o melhor treinador que encontrei na minha carreira. Não na parte humana, mas na parte de campo, na filosofia de saber o que quer para o seu jogo. É assustador a forma como ele trabalha e vê o futebol.
    Fernando Meira, antigo futebolista, foi treinado por Spalletti no Zenit

    zz: É de facto visível nas nossas seleções.

    FM: Temos uma seleção cheia de qualidade em todos os setores, não só dentro do campo.

    zz: E com grande espírito.

    FM: Acho que depois de termos quebrado com a guerra Norte-Sul o espírito esteve sempre lá.

    zz: Foi culpa do Scolari e a forma como uniu toda a gente em torno da Nossa Senhora do Caravaggio?

    FM: Ele não uniu apenas a equipa, ele uniu um país em torno de uma bandeira. Conseguiu unir-nos ainda mais, mas a grande diferença notou-se a partir de momento em que começamos a ter muitos jogadores internacionais a jogar no estrangeiro e não ter jogadores divididos por alguns clubes de Portugal. Crescemos a ver o João Vieira Pinto e o Paulinho Santos picados, mas quando isso passa para dentro da seleção sentes que há um atrito entre jogadores do Norte e do Sul quando todos deviam sentir-se como família. Isso acabava sempre por ser um problema e hoje é um problema para o Roberto Martínez fazer a convocatória e fazer o 11, porque a qualidade e a quantidade é alta.

    zz: Foi difícil preparar o fim de carreira? Teve de deixar a carreira em andamento...

    FM: Eu quando deixo de jogar futebol, em 2013, surge o convite do Pedro Mendes e do Nuno Assis para criarmos uma agência de jogadores, eu e o Pedro tiramos o licenciamento de agente FIFA. Quando terminas uma carreira de futebolista queres continuar ligado ao futebol. Eu, pessoalmente, gostava de ter sido treinador, mas não tive essa oportunidade, porque fui confrontado quase no imediato para ser agente FIFA e posso te dizer que foi algo que me dá imenso prazer, porque posso estar ligado ao Mundo do futebol e com o avançar da tua idade vais abrindo o leque das pessoas ligadas ao futebol, além disso é o falar com treinadores e jogadores, dares opinião sobre o que pode ser o melhor, também te dá alguma realização pessoal. Assim como eu gostava de ter terminado no Vitória SC, ser treinador era algo que gostava de fazer quando terminei a minha carreira de futebolista. Por exemplo, o Sérgio Conceição era daqueles jogadores que eu nunca diria que fosse dar treinador, pois ele era muito emotivo, ficava aziado quando não jogava. Agora, apesar de ser muito emotivo, é ponderado, está a fazer um trabalho fenomenal, não facilita em nada. Por exemplo, o Costinha é alguém que eu admiro imenso, tem perfil para ser treinador, mas não conseguiu ter grande sucesso como treinador, porque não teve a sorte que também é preciso ter. Mas, como perfil é alguém que tem todo o perfil para ser treinador, porque sempre que jogámos, ele dava conselhos, conseguia perceber o jogo, tal como o Paulo Sousa, ou o Paulo Bento. Há jogadores que tu consegues ver que têm mais aptidão para isso. Se calhar comigo, poderia acontecer o mesmo que aconteceu ao Costinha. Hoje em dia, com o tempo que é preciso ter para conseguir ter a licença de treinador, fico sem vontade. O sistema parece que cada vez mais é contra os ex-jogadores e acho que isso deveria ser repensado. O facto de eu, por exemplo, tirar a licença de treinador num mês, não quer dizer que vá ter trabalho. A legislação devia chamar aqueles que estão na dúvida, mas afasta-os.

    zz: Quem merece o principal agradecimento na sua carreira?

    FM: Muita gente, é uma pergunta difícil. Mas se tivesse que escolher apenas uma pessoa, tenho de escolher uma menina chamada Daniela, que é a minha mulher, que foi alguém que sempre me orientou, sempre me ajudou, sempre me apoiou em todos os momentos, bons, maus e se há alguém a quem eu possa retribuir e ser grato pela minha carreira é a ela.

    Fernando Meira, juntamente com Kurany, nos tempos do Estugarda. @Getty Images

    zz: O último exercício também ele difícil, no meio de tantos craques e tantos amigos, é escolher 11.

    FM: Número 1: Ricardo. Foi um guarda-redes que encontrei na seleção, com um trato fácil, muito bom com os pés, começou a criar uma diferença para os guarda-redes na altura. Se eles estivesse a jogar, nesta altura, ia estar dentro daquele leque de guarda-redes que também sabem jogar com os pés. Era um grande comunicador, falava muito bem connosco. Para mim, foi o melhor que encontrei na minha carreira. Como lateral direito vou optar por Paulo Ferreira. Não é fácil limitar a escolha a 11 jogadores, mas o Paulo Ferreira é alguém com uma personalidade fora do normal, um grande homem, muito humilde e como jogador fenomenal: forte no ataque, forte a defender, forte no ar, muito bom taticamente, muito bom na decisão. O melhor lateral direito com quem joguei. Na esquerda, Philipp Lahm. Ele podia, também, jogar na direita, mas na esquerda era mais imprevisível. Quando joguei com ele no Estugarda já fazia a diferença, porque fazia muito movimentos interiores. Apesar de ser destro, por natureza, aprendeu a jogar muito com o pé esquerdo. Muito inteligente, fez uma grande carreira, joguei dois anos com ele no Estugarda e apesar de não ser um forte fisicamente, lia muito bem as jogadas e era muito difícil passar por ele. No capítulo ofensivo tinha um perfil muito idêntico ao Grimaldo, que hoje joga no Levekusen. Centrais... Não me vou incluir neste lote, porque seria pior. Pepe é um dos nomes que vou escolher, mas não é fácil, porque tenho Ricardo Carvalho, Bruno Alves, tive muitos centrais que jogaram comigo, mas o Pepe dispensa apresentações. As pessoas ainda sabem como ele joga e na esquerda vou colocar alguém que jogou comigo no Estugarda, vou deixar o Ricardo Carvalho e o Bruno Alves, que são dois animais de fora, mas vou colocar alguém que me ajudou muito na minha adaptação a Estugarda, que foi o brasileiro Marcelo Bordon. Era canhoto, forte, rápido, muito forte na bola parada, batia livres quase como o Roberto Carlos e tinha todas as condições de um grande central. Claramente um dos melhores amigos que fiz no futebol e um dos melhores centrais da sua geração. No meio campo vou ser um pouco criativo, vou jogar com três médios ofensivos. Deco é um deles, é o nosso Zizou da seleção. O Deco era diferenciado, era alguém que trazia magia e imprevisibilidade ao jogo, dava sempre um toque a mais que fazia com que os defesas não chegassem à bola. Era um líder, muito competitivo, com qualidade para fazer a carreira que fez. Outro é o Aleksandr Hleb, bielorusso que jogou comigo no Estugarda, depois esteve no Barcelona e no Arsenal. Ele podia jogar a seis, a oito, a ala, era rápido, agressivo, flexível, com um pé direito e um pé esquerdo quase igual. Cheguei a ter situações em que ele batia livres laterais e perguntava com que pé queria que ele batesse, porque era exatamente igual. Era um jogador incrível, nunca vi um jogador com as qualidades deles. Aliava tudo: qualidade, agressividade, técnica, explosão e a dois pés. O mais parecido que vi foi o Figo, e está na minha equipa aqui na direita. O Figo tinha a ginga e nunca sabíamos para que lado ia. Outro elemento é o Danny, que jogou comigo no Zenit. É alguém que foi pouco valorizado no nosso futebol nacional e na nossa seleção. Foi várias vezes considerado o melhor jogador do campeonato russo, como personalidade nota 10, um amigo verdadeiro e um jogador que fazia a diferença: gostava de ter bola, era decisivo, percebia muito bem o que Spalletti queria, podia jogar em qualquer lugar do ataque, estava em todo o campo. Ele tinha essa liberdade, porque percebia os momentos do jogo. Era um jogador sempre presente e foi alguém que me ajudou muito na minha adaptação no Zenit. Na esquerda, Cristiano Ronaldo. Dispensa apresentações. E na frente, o matador que nos deu o campeonato na Alemanha, Mario Gómez. Um avançado que eu vi crescer desde os 18 anos, um menino grande que lhe faltava agressividade, porque era muito calado, muito menino. Era um menino grande, mas rápido, forte, jogava muito bem com os dois pés, uma autêntica bomba. Percebias que ele tinha muita qualidade, mas faltava-lhe nervo. Todos os dias picávamos o Mario Gómez para ele soltar a agressividade. Ele tinha tudo e explodiu no nosso ano do título. Finalizava com o pé direito, com o pé esquerdo, era muito forte de cabeça. Esta é a minha equipa, mas ficaram de fora muitos e bons jogadores, mas não dá para escolher todos.

    A entrevista a Fernando Meira decorreu no estúdios do zerozero @zerozero.pt


    Disponível em: zerozero

    Recorde aqui todos os episódios do programa

    Portugal
    Fernando Meira
    NomeFernando José da Silva Freitas Meira
    Nascimento/Idade1978-06-05(45 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    PosiçãoDefesa (Defesa Central)

    Fotografias(15)

    Comentários

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    motivo:
    Fraco
    2024-02-03 18h27m por jda
    ‘’Disse que ia pegar na minha família e ia para o Algarve de férias. Que ia ficar lá até ele me transferir, se não transferisse, deixaria de jogar futebol. Tinha 29 anos na altura. ’’
    Isto é de fraco profissional!
    Meira
    2024-02-02 19h59m por lvrs1
    O Vitória não o deixava sair, o Benfica não o deixava sair, o Estugarda não o deixava sair, são todos culpados. . .

    Que tal pensar nisso antes de assinar os contratos? :/
    Fernando Meira
    2024-02-02 16h50m por DragonKing
    Na minha opinião, e já a tinha antes de ler a entrevista, não teve uma carreira mais recheada, quer de títulos ou clubes de primeira linha, por sua culpa ou por culpa de terceiros. A gestão da sua carreira não foi a melhor, a exemplo disso, a passagem pelo Galatasaray.
    Meira
    2024-02-02 15h42m por Taument_da_Silva
    Foi um excelente jogador, gostei muito de o ter no Benfica (dos poucos jogadores que ainda valiam a pena naquele tempo).

    Sobre não ter regressado ao Vitória. . . eu quase nunca consigo perceber as explicações que os jogadores dão para não voltarem. Diz que não voltou porque "algumas pessoas" da estrutura não o queriam lá. . . mas o presidente queria, e seguramente os adeptos também (homem da casa, adepto do clube, jogador internacional de alto nível, capitão do Estugarda ...ler comentário completo »
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