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    A nova vida de Fábio Pinhão

    De capitão do Sporting à Construção Civil: «Tive de arregaçar as mangas»

    Um exemplo de coragem, humildade e reconstrução. O sonho do futebol guiou a infância e adolescência de Fábio Pinhão, cuja qualidade atraiu em tenra idade o interesse do Sporting e a oportunidade de rumar à Academia de Alcochete. A adaptação foi rápida e chegou a envergar a braçadeira de capitão, mas a transição para sénior não teve o desenvolvimento esperado.

    Do boca-a-boca, apercebemo-nos com surpresa do novo rumo da sua vida. O Pinhão, que assim como Fábio Cardoso e Aurélio Buta gerou muita expetativa a nível desportivo na região de Águeda, dedica-se agora à Construção Civil. Uma imprevisível mudança de rumo, sem o glamour dos relvados.

    Em serviço na capital portuguesa, atendeu-nos a chamada após mais um jantar com os «companheiros de luta». Bem resolvido e sem arrependimentos, recordou-nos a passagem pela formação do Sporting e as atribuladas aventuras no pós-Alcochete, tempo marcado por algumas lesões graves.

    Terminado um sonho, não teve medo de arregaçar as mangas e encontrar um novo caminho, tão ou mais digno. Um belo relato.

    Fábio envergou braçadeira de capitão da geração de 1997 @Arquivo Pessoal

    O início, os testes e a chegada à Academia

    Foi no clube da terra que Fábio Pinhão começou a dar os primeiros toques na bola, ao serviço da modesta Associação Desportiva Valonguense. Quem já contactou com pessoas deste clube, sabe dos muitos relatos da sua habilidade e exibições diferenciadas para aquele nível. Talento em potência e que, naturalmente, cativou o interesse de um dos grandes do futebol português.

    «Os contactos com o Sporting chegaram por volta dos meus 12 anos. Jogava no clube da terra como qualquer miúdo. Num certo dia chegou um fax, era assim na altura (risos), do Sporting à AD Valonguense. Uma convocatória para me apresentar nos Campos Universitários em Lisboa, com o intuito de fazer captações. Não tinha noção que estava a ser seguido por eles», começou-nos por dizer.

    qFicaram 3 jogadores de uma seleção de 60

    «Apresentei-me em Lisboa na data marcada, era uma seleção de cerca de 60 jogadores. Começámos a treinar de manhã, o grupo foi reduzido para 22 na parte da tarde e no final do dia ficámos reduzidos a três. Aí chamaram os meus pais e perguntaram se era possível começar a fazer alguns torneios inserido nas equipas do Sporting, quando faziam deslocações ao Norte. No final desse ano, entraram diretamente em contacto connosco e surgiu o convite para rumar a Alcochete», afirmou.

    De mochila e ilusão às costas, Fábio rumou à margem sul do Tejo para abraçar uma oportunidade ímpar. O sonho tornou-se realidade e o dia-a-dia passou a ser de convivência com grandes craques. Com o suporte dos pais, que fizeram por estar presentes apesar da longa distância, a adaptação acabou por ser de sucesso. Dentro e fora das quatro linhas, explica-nos.

    «Fui para o escalão sub-14. É uma idade ainda precoce, mas a adaptação foi boa. Tínhamos as melhores condições para viver e estudar. Acompanhamento psicológico, tutores, etc. Os meus pais fizeram um grande esforço e tentaram ir lá o máximo de vezes possível. Vínhamos pouco a casa, só nas férias e se não existissem torneios ou algo assim.»

    «A nível desportivo as coisas também arrancaram bem. Gradualmente fui evoluindo e tive desde cedo muito tempo de jogo. Durante a minha estadia na Academia fui capitão da geração de 1997

    «Construí uma relação muito boa com vários companheiros: Rafael Barbosa, José Postiga, Rodrigo Ferreira, Ricardo Silva, Pedro Silva, Pedro Delgado, que joga na China. Ainda recentemente falei com ele, um grupo de amigos bastante porreiro.»

    «Também partilhava espaço e convivia com Iuri Medeiros, Ricardo Esgaio, Tobias Figueiredo, Ilori, Bruma, etc. Pessoal mais velho e alguns a fazerem excelentes carreiras», revelou.

    Alchochete foi casa durante quatro épocas @Arquivo Pessoal

    «A direção de Bruno de Carvalho foi intransigente»

    O salto para o escalão de juniores acabou por resultar na saída, primeiro por empréstimo, do Sporting. As mudanças na estrutura da formação dos leões contribuíram também para este desfecho, como nos confessa o antigo jogador.

    «Na transição para juniores deixam de existir duas equipas por escalão e o Bento Valente, um dos diretores, foi sincero comigo. Ia ser difícil ter espaço durante aquela época e deram-me a escolher entre ficar no plantel e tentar a sorte, ou sair para rodar. Acabei por ser emprestado [Anadia] e continuei a ser acompanhado, com a promessa de voltar.»

    «Só que a estrutura do Sporting sofreu grandes alterações durante aquele ano e, por exemplo, o Bento Valente saiu do clube. Pelos contactos do meu empresário com os novos responsáveis percebemos que deixaram de contar comigo. Sem mágoas, foi altura de procurar uma nova equipa.»

    A uma curta e atribulada passagem pelo Belenenses sucede-se uma época «especial» em Barcelos, onde concluiu o seu percurso de formação. A passagem para sénior, contudo, acabou por ser afetada por exigências do Sporting, devido a verbas a serem recebidas pelo emblema de Alvalade. Estar perto de casa voltou a ser solução.

    Em confronto com o FC Porto @Arquivo Pessoal

    «Tinha fechado para rumar ao Belenenses. Prometeram-me um salário e um apartamento para ficar. Só que passaram um, dois meses e estava a viver num anexo debaixo das bancadas do Restelo, sem receber. Alertei o meu empresário e rapidamente encontramos a solução Gil Vicente

    «Vivi em Barcelos nesse ano, cumpriram com tudo e fiz amizades para a vida. Tinha habitação, refeições e um ordenado. Uma experiência que me marcou e recordo com muito carinho. Pessoas fantásticas...»

    «Ia arrancar o meu percurso sénior e até surgiram algumas coisas interessantes do estrangeiro, de segundas ligas. Só que surge um grande problema com a direção do Bruno de Carvalho, intransigente nos direitos de formação a que o Sporting tinha direito devido à minha passagem lá. Ao assinar um contrato profissional, tinha de pagar essas verbas

    «O Sporting não abdicou e limitou um pouco as minhas opções nessa fase. Acabei por regressar ao Anadia e ir para o CNS [atual Campeonato de Portugal]. Infelizmente é nessa fase que começam as lesões graves», admitiu.

    «20 anos, os joelhos operados: ainda vale a pena?»

    O calvário apareceu e os joelhos acabaram por ceder, o que contribuiu para o final abrupto da carreira de Fábio Pinhão. De tom mais triste, o ex-jogador recorda-nos momentos mais difíceis a nível mental e uma passagem infeliz pela Suíça, o ponto final no capítulo futebol.

    «As coisas até estavam a correr bem, mas na primeira eliminatória da Taça de Portugal fiz uma rotura de ligamentos cruzados num joelho. Sete meses parado, só voltei nos últimos jogos do campeonato. Entretanto surgiu a hipótese de ir para a II Divisão B da Suíça [FC Ibach], para tentar ganhar ritmo e jogar.»

    «Estava a recuperar a confiança e a pré-época correu bem, porém, na preparação para a terceira jornada, sofri a mesma lesão no outro joelho. Mais do que a nível físico, terminaram as forças mentais para lutar pela minha carreira.»

    «Tinha um tio meu lá e esse acompanhamento familiar, só que não foi nada fácil. Desanimei muito, quando estava a recuperar volta-me a acontecer uma lesão grave. Optei por, mais tarde, apanhar o avião de volta para Portugal e meter o futebol um pouco de lado. '20 anos, os dois joelhos operados: ainda vale a pena?'»

    «Foi a altura de tomar uma decisão drástica e seguir outro rumo. Num patamar mais acima até tinha investido em nova recuperação, mas optei por reconstruir a minha vida e futuro», desabafou.

    Em ação na passagem «feliz» por Barcelos @Arquivo Pessoal

    «Sou um homem bem resolvido»

    Ao entrar na casa dos 20, Fábio estava de regresso às origens e com o desafio de reconstruir a sua vida. Apesar das dúvidas naturais, não baixou os braços e procurou a felicidade, que acabou por encontrar no difícil ramo da Construção Civil. Mesmo que os joelhos continuem a recordar mazelas antigas, em dias mais carregados, o gostinho pela arte começou a surgir.

    «Não foi fácil voltar a viver com os meus pais (risos). Sempre fizeram tudo por mim, mas desde os 13 anos estava habituado à minha independência. Tinha de desenrascar-me e fazer pela vida. Arregacei as mangas e fui trabalhar para uma fábrica, só que não gostei muito. Depois, entrei no ramo da Construção Civil e é uma atividade que aprecio. Aprendi o ofício, tive capacidade de ouvir e, neste momento, há muita procura devido à falta de malta de mais jovem.»

    «Ainda existe o estigma social, o 'olhar de lado' para esta profissão. Sou sempre a pessoa mais nova nos locais em que trabalho. Tive muita vontade de aprender e saber com as pessoas mais experientes.»

    Barcelos sucedeu a má experiência no Belenenses @Arquivo Pessoal

    «Felizmente as coisas estão a correr bem e, desde o último ano, o meu patrão deu-me oportunidade de começar a coordenar equipas, o que estou atualmente a fazer em Lisboa», confessou-nos, compreendendo os comentários que surgem devido à estranha mudança de profissão.

    «Claro que esta mudança de vida é estranha para algumas pessoas. Vivi experiências que não estão ao alcance de todos, até pelo meio mais pequeno e próximo de onde sou natural. Tentam saber a razão para o futebol não ter resultado, comentam que 'foram os joelhitos', a 'noite' e até outras coisas...»

    «Não posso culpar isto ou aquilo, até porque quando as lesões surgiram eu já não estava numa fase ascendente do meu percurso enquanto futebolista», lembrou.

    «A Academia é uma preparação para a vida»

    Em jeito de despedida, porque a conversa já vai longa e o corpo pede descanso, ficam as boas memórias e a certeza de ter feito a melhor escolha. O futebol, como nos explica, é implacável. Só os melhores atingem o sucesso.

    «Estar na Academia torna-nos em homens. É uma preparação para vida. Não tenho nada a apontar. Fiz lá grande amigos, seja jogadores ou colegas de secundária lá em Alcochete. É o que eu levo. Não voltei a ter qualquer contacto do Sporting depois da saída, porém, ficou o carinho e sigo a acompanhar o clube como adepto»

    «O futebol é um mundo bastante difícil, ainda vejo isso por muitos colegas meus que lutam quase pela sobrevivência de ano para ano. Não conseguem sair dessa bolha. O filtro vai apertando e só ficam os melhores. Ficou pelo caminho esse sonho, no entanto, sou um homem perfeitamente resolvido com isso», concluiu.

    Fábio (capitão) no Torneio Lopes da Silva, acompanhado de alguns craques @Arquivo Pessoal



    Portugal
    Fábio Pinhão
    NomeFábio Miguel Pinhão Martins
    Nascimento/Idade1997-01-31(27 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    PosiçãoDefesa (Defesa Direito) / Médio (Médio Defensivo)

    Fotografias(9)

    Comentários

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    motivo:
    Boa entrevista
    2023-07-24 23h27m por dp_69
    Estas histórias também merecem ser ouvidas, e o Fábio demonstrou ter grande caráter.
    Tudo de bom para ele.
    Bruno de Carvalho parasita
    2023-07-24 19h31m por Lmparciamente
    "para sénior, contudo, acabou por ser afetada por exigências do Sporting, devido a verbas a serem recebidas pelo emblema de Alvalade. "

    Texto retirado do zerozero.pt
    https://www. zerozero.pt/news. php?id=494415

    Ou seja, dispensaram o rapaz em miúdo, mandam procurar clube e adeus, e não o deixam assinar o primeiro contrato profissional e lançar-se só porque querem os TROCOS todos, chuchar até à última gota. . . assim é impossível. Digo TROCOS porque n...ler comentário completo »
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