Do «caso Moutinho», que garante não ter criado, à atualidade leonina, passando pelo martírio dos seus tempos de escola, em que era um caso único de sportinguismo entre benfiquistas. Costinha, numa entrevista em exclusivo ao zerozero.pt, aborda temas sérios e polémicos, tira o chapéu a Godinho Lopes e à credibilidade financeira que o clube recuperou e diz ainda que é necessário blindar o clube verde e branco, para que a união cresça e os «cadáveres» se calem, contribuindo para o aumento da estabilidade. Tudo isto sem fato, ao contrário daquilo que nos habituou, em estilo casual, de t-shirt, sapatilhas e na sua casa no Porto, onde sempre foi bem tratado e da qual não se consegue desfazer, tais são as recordações que tem da invicta.
Sem tabus, ainda que em alguns temas não se tenha querido alargar, Costinha recebeu o zerozero.pt em Leça da Palmeira, onde ainda mantém a sua casa desde os tempos em que jogou nos dragões, clube onde ganhou tudo... e para onde se mudou João Moutinho, um dos mais mediáticos casos que assolaram a sua passagem como dirigente pelo Sporting, aquando da sua mudança para o Dragão.
Obviamente que eu fiquei chateado e triste por ver um jogador com a qualidade do João sair (...) fomos reforçar o FC Porto (...) é um caso que não passa por mim nem nunca passou
«O João não ficou bem na fotografia porque saiu para o FC Porto, como não fica bem nenhum jogador que sai para um rival», atira o nosso entrevistado, hesitante nas palavras quando questionado sobre este tema. «Há uma coisa que é importante que se diga [hesita novamente] e eu nem sei se deva dizer... [volta a hesitar e olha o horizonte, pela janela, o mar lá fora num dia de chuva] Eu não criei o caso Moutinho. E penso que não vale a pena falar desse assunto porque iria ter que falar em coisas desagradáveis, que não quero, das quais nunca falei e não é agora que ia falar delas», desabafa.
Pergunto-lhe se o paralelismo entre ele, Costinha, vitorioso no FC Porto [nove títulos com a camisola dos dragões] e João Moutinho pode ser estabelecido, uma vez que o último ganhou mais em duas épocas no FC Porto do que em seis nos leões.Costinha12 títulos oficiais
©Catarina Morais
«É verdade que está mais próximo de ganhar, infelizmente, no FC Porto, do que no Sporting, que vive crises constantes de identidade, e digo infelizmente porque sou do Sporting», assume, deixando a ressalva, e voltando ao tema: «Tenho a consciência tranquila porque sei o que fiz no Sporting, sei o que foi bom e o que foi mau e sei que às vezes é fácil ter um miúdo de 36 anos para se poder desculpar e colocar culpas que não são atribuídas a essa pessoa», julgou, deixando antever críticas, entre outras pessoas, a José Eduardo Bettencourt, presidente do clube aquando da sua passagem como diretor desportivo em Alvalade, mas não confirmando o destinatário das palavras, e continuando: «Obviamente que eu fiquei chateado e triste por ver um jogador com a qualidade do João sair do Sporting para o FC Porto, porque fomos reforçar o FC Porto, mas isso é um caso que não passa por mim nem nunca passou. A partir do momento em que o João é transacionável eu como diretor tenho que fazer a gestão desse próprio negócio mas [volta a hesitar e faz uma pausa]... ordens são ordens».
©Catarina Morais
«Sporting é um clube muito difícil»
Costinha assume que o Sporting é «um clube muito difícil, onde toda a gente fala» e agarra-se ao FC Porto, único emblema em Portugal que representou na primeira divisão, para exemplificar o que está errado.
Só devem mandar duas pessoas: o presidente e o treinador
«Não vejo no FC Porto pessoas da direção do clube a falar constantemente nos jornais. Não vejo ninguém do FC Porto atacar os seus treinadores e os seus jogadores. Não vejo situações que se vêm nos jornais a falar do FC Porto como se vê do Sporting e como do Benfica já não se vê. Quando há uma liderança de vários anos, as coisas têm por tendência solidificar. Quando estamos sempre a mudar, as coisas partem daqui, partem dali, cola-se um bocadinho mas rebenta acolá...»
Solução? O nosso entrevistado acena negativamente à blindagem do balneário, até porque, não vê «os jogadores a falar»: «Acho que faz falta blindar é o próprio clube. É o clube perceber de uma vez por todas que só devem mandar duas pessoas: o presidente e o treinador, para separar o administrativo do desportivo», atira, criticando aqueles a quem chama «cadáveres», que aparecem para apontar o dedo quando há «um problema ou um jogo mau».
©Carlos Alberto Costa
O antigo médio sublinha que «o Sporting é um clube que atrai instabilidade porque também se deixa abater por ela» e sobre a polémica dos últimos dias em torno de Ricardo Sá Pinto mostra-se conciliador.
«Se não tivesse competência não teria sido escolhido. As pessoas podem dizer ´foi cedo demais para o Sporting´. Mas isso é como a eterna questão dos jogadores que são novos ou velhos para jogar. O treinador, se é bom, não tem que ter muita ou pouca experiência. Obviamente que ajuda mas hoje em dia penso que é muito mais importante ser um bom condutor de homens num plantel, porque taticamente já está tudo mais que estudado e visto».
O que falta, então, é o clique entre a qualidade e o jogo para que a relação seja perfeita, mais ainda quando o investimento desta época ronda os 40 milhões, dez vezes mais do que a verba de que dispôs enquanto dirigiu os destinos da bola verde e branca.
Penso que uma equipa como o Sporting deve jogar sempre ao ataque, uma equipa grande deve jogar ao ataque
«Sei que o Sporting tem uma grande equipa, fez um investimento muito forte, tem jogadores com qualidade mas ela não aparece no campo. A relação qualidade / jogo ainda não apareceu mas se nós já à quarta jornada queremos crucificar alguém... Penso que é preciso dar tempo às pessoas e depois decidir, podem ou não gostar da forma de estar do Ricardo Sá Pinto, se é bom ou mau treinador...»
Seja como for, e apesar de ressalvar que não é treinador, o nosso entrevistado, sportinguista inquestionável, deixa um desejo: «Penso que uma equipa como o Sporting deve jogar sempre ao ataque, uma equipa grande deve jogar ao ataque».
«Tiro o chapéu a Godinho Lopes»
Bastante tempo depois de ter abandonado o Sporting, cuja saída podia ter sido mais pacífica, espoletada por uma entrevista qual «grito de revolta», Costinha considera que o que falta no Sporting é reforçar a estrutura.
Godinho Lopes conseguiu tornar o clube mais forte, pelo menos em termos de posição no mercado de transferências
«A estrutura não é suficientemente forte, e viu-se um dia o Godinho Lopes dizer que o Domingos era o treinador, no dia seguinte estava na rua. Naquele clube acontecem coisas que não acontecem em mais lado nenhum», afirma, com alguma mágoa mas muito realismo, acerca do seu clube do coração.
Apesar da crítica ao presidente do clube, Costinha dá a mão à palmatória e tira o chapéu a Godinho Lopes:
«Dívidas todos têm, passivos também, mas penso que até agora conseguiu, financeiramente, dotar o Sporting de uma equipa que já não tinha há muito tempo, portanto tenho que lhe tirar o chapéu. Neste momento o Sporting tem algum poder económico para negociar jogadores, o que é importante e lhe dá alguma estabilidade futura. Nesse aspeto, tenho que lhe dar nota positiva porque conseguiu, mesmo contra toda a crise económica que o país vive, tornar o clube mais forte pelo menos em termos de posição no mercado de transferências».
O martírio do colégio entre as águias
Em jeito de remate ao tema Sporting, Costinha fala da «cultura de futebol» que o país precisa, elogiando, neste particular, os «apaixonantes e apaixonados» adeptos dos leões, que mesmo em tempos de crise, críticas à equipa, ao treinador e ao presidente, acudiram em massa (mais de 25 mil) a Alvalade, para a partida de segunda-feira, com o Gil Vicente.
©Catarina Morais
«Os adeptos vivem o Sporting como ninguém, querem que o clube retome a senda de vitórias. Eu lembro-me, quando era miúdo, de ir para o colégio todos os dias e levar com os meus amigos do Benfica. Era um martírio. 18 anos sem ganhar um campeonato era uma tortura. Quando o Sporting ganhou 7x1 ao Benfica eu fui para a escola de verde e era o único que estava contente [risos], ninguém falava comigo, porque eram todos do Benfica. Tive aquele momento de felicidade, que durou apenas um dia, porque depois estivemos sete jogos sem ganhar», recordou, garantindo que sabe o que sentem os sportinguistas, algo que gostaria que tivesse, em breve, um ponto final.
Esteja atento e veja nos próximos dias mais excertos da entrevista concedida por Costinha ao zerozero.pt.