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Novo episódio do Ponto Final

Bruno Moreira: «Tive representantes dos três grandes em minha casa»

Este é o ponto final. Aqui vamos dar espaço ao adeus, vamos pendurar as chuteiras e vasculhar no álbum das recordações de jogadores que marcaram gerações. Não há parágrafo, sem antes haver um ponto final.

Este é o ponto final. Aqui vamos dar espaço ao adeus, vamos pendurar as chuteiras e vasculhar no álbum das recordações de jogadores que marcaram gerações, mas saíram sem que a maioria das pessoas soubessem. Não há parágrafo, sem antes haver um ponto final.

O nosso convidado é um homem de área. Tem 36 anos e o último jogo que realizou foi em outubro. Despediu-se na distrital, mas o futebol levou-o para latitudes impensáveis. Tão depressa no Norte como no Sul, o nosso avançado jogou sete temporadas na 1ª Liga e venceu a primeira edição de uma competição em Portugal que já não existe. A pergunta antes do Ponto Final. Quem é?

zerozero: Bruno Moreira, obrigado por estar aqui connosco. Descobria quem era este jogador, com estas dicas?

Bruno Moreira: Quero agradecer o convite para estar aqui. Provavelmente sim, provavelmente não. A competição que fala deve ser a Liga Intercalar.

zz: É essa mesmo.

BM: Essa competição apareceu, mas durou pouco tempo. Conquistei-a pelo Varzim, provavelmente descobririam...

zz: Foi uma carreira que andou por Portugal, Bulgária e Tailândia. Vamos querer perceber como se vai para a Tailândia sem ser de férias. Para já, a história do último jogo: foi num Ermesinde x São Martinho do Campo. O jogo ficou 0-1 para o São Martinho do Campo e saiu aos 55 minutos. Sabia que aquele ia ser o seu último jogo?

BM: Não sabia que ia ser o último, mas já estava a preparar a minha retirada. Foram longos anos de futebol, infelizmente comecei cedo com muitas lesões, todas ligamentares. Fiz várias cirurgias ao joelho. Passei a minha carreira toda em cima dessas lesões e com recuperações para me tornar mais forte. Tenho a certeza que consegui fazer mais do que qualquer um conseguiria.

zz: Foram quantas operações?

BM: Foram umas cinco ou seis cirurgias aos joelhos, numa fase muito precoce da minha carreira, ainda na formação. Como é óbvio, chegamos a um ponto em que tanta limitação deixa-nos a pensar se vale a pena ainda mais um jogo, se vale a pena ainda mais um treino. Mas nesse último jogo senti uma dor forte no joelho, durante o intervalo. Sinto que o meu joelho não estava a corresponder. O contexto também não ajuda e aí caiu-me a ficha, durante o próprio jogo, que seria o último.

Bruno Moreira
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zz: Sai para o balneário ou fica no banco?

BM: Informo a equipa técnica de que não me sinto bem, que tenho o joelho a bloquear-me. Eles já estavam preparados para isso, aguentei cinco minutos, dei o sinal ao banco e fui substituído nesse momento. Fiquei no banco a assistir ao resto do jogo.

zz: Foi no banco que decidiu que aquele teria sido o seu último jogo?

BM: Eu fui-me preparando. Para quem não passa por cirurgias, nem tem este tipo de lesões mais graves, é normal ter consequências na parte final da carreira, agora imagine para quem tem de lidar com este tipo de situações desde novo. Eu tive rutura de ligamento cruzado em ambos os joelhos, tive de retirar pedaços de menisco muito cedo e, como é óbvio, isso afeta a estrutura.

zz: Quando aconteceu a primeira vez pensou que nunca mais ia jogar futebol?

BM: Não. A primeira vez aconteceu quando tinha 15 anos, era juvenil de primeiro ano. Inocente na altura, aconteceu-me num jogo da seleção nacional de sub-16. Senti uma dor grave e aguda, mas nunca pensei que teria de passar oito ou nove meses a recuperar de uma cirurgia. Foi ali que começaram os meus contratempos.

zz: É um drama.

BM: Mas respondendo à pergunta, se foi naquele banco de suplentes que tomei a decisão. Não, não foi ali. Já vinha a fazer parte do meu pensamento, porque há alguns anos que venho a jogar com muitas dores. Apesar de algumas vezes conseguir sentir-me bem, psicologicamente não é fácil levar com os problemas nos joelhos estes anos todos. Sabia que era uma questão de tempo.

zz: E foi o que aconteceu naquele dia...

BM: Verdade, foi isso.

zz: Informou os responsáveis do clube logo no final do jogo ou na segunda-feira a seguir?

BM: Não foi no fim do jogo, nem na segunda-feira a seguir, foi ao longo da semana. Ainda treinei na terça-feira, mas tinha o joelho inchado. Queria ver o que dava, mas já ia preparado para falar com as pessoas sobre a minha decisão. Ia preparado para falar com a equipa técnica e os responsáveis do clube. Tinha tudo programado.

zz: Acreditamos que essa decisão demore a ser tomada e, nestes últimos anos, se calhar, até teve mais liberdade mental para decidir, mas quando se toma a decisão é a mais difícil da carreira de jogador?

BM: Comentei muito isto com a minha esposa, em casa. A mim custaria muito tomar esta decisão se eu me sentisse bem e não tivesse dores. Ia custar-me muito mais. Eu saio do futebol, um pouco, por limitação, por não conseguir. Sempre fui um atleta exigente, sempre fui aquele atleta que precisava de treinar os dias todos para chegar ao final da semana e estar bem fisicamente. Nunca fui daqueles jogadores de descansar um dia, recuperar noutro e treinar noutro para estar pronto para o fim-de-semana. Isso para mim não colava, apesar de saber que faz parte e em alguns jogadores isso aceita-se. Eu não conseguia lidar com isso, porque se treinasse uma ou duas vezes por semana, chegava ao fim de semana e não rendia.

zz: Era preciso ritmo...

Bruno Moreira terminou a carreira no São Martinho, mas última experiência profissional foi no Trofense @Vítor Parente / Kapta+

BM: Sim, mas o certo é que eu, para treinar todos os dias e para treinar no meu limite, que era que era aquilo que eu sempre fazia, o meu corpo já não aguentava, já não deixava.

zz: O seu perfil no zerozero diz-nos que começou a jogar no FC Famalicão em 2000/2001. Está correto ou foi mais cedo?

BM: Está correto, é quando faço o primeiro ano de iniciado.

zz: E o futebol só apareceu nos iniciados?

BM: Como futebol de 11 sim, mas para trás há uma experiência a jogar futebol de salão e futebol de 5 com uns amigos em frente a minha casa. Tinha ali um rinque, foi onde tudo começou.  Entretanto, a minha freguesia, que se chama Landim, tinha uma equipa de futebol de 5, FC Landim, e comecei lá a jogar. Eu tinha noção e transmitiam-me isso, que tinha algum jeito para o futebol. Participava em torneios e era o melhor marcador.

zz: Sempre a avançado?

BM: Sempre a avançado. Mais tarde surgiu o convite para experimentar o futebol de 11 no FC Famalicão. Foi através de um treinador que me vai ficar sempre na memória, que foi o mister David, o Cenourinha.

zz: É ele quem faz o convite?

BM: Sim. E foi quem me ajudou a progredir, a ficar cada vez melhor.

zz: Ao fim destes anos todos, alguma vez disse: «Eu tinha razão»?

BM: Talvez tenha pensado nisso, mas foi a primeira vez que encontrei um treinador, um líder. Ajudou-me muito, a minha adaptação ao futebol de 11 foi espetacular, continuei a fazer, a ser decisivo. Foi uma aprendizagem muito boa e uma passagem simples do futebol de salão para o futebol de 11.

zz: E nunca houve vontade de voltar ao futsal? Ou a partir do momento em que experimentou o futebol de 11 não quis outra coisa?

BM: A partir do momento em que fui para o futebol 11, vi que era ali que queria jogar. Havia mais espaço.

zz: Os defesas mais meigos...

BM: Sim, na altura mais meigos. Senti logo ali que no futebol de 11 poderia potenciar melhor as minhas capacidades.

qTinha um ringue atrás de casa dos meus pais e foi ali que tudo começou, a jogar futebol de salão e futebol de 5 com os meus amigos. Só nos iniciados fui para o FC Famalicão
Bruno Moreira, antigo jogador de futebol

zz:  Vai para o FC Porto na época 2002/2003: como é que surge esse passo? É já para o Olival?

BM: Eu faço a transição: primeiro Constituição e depois Olival. Tive a oportunidade de representar qualquer um dos três grandes.

zz: Como surgiu? Através do Torneio Lopes da Silva?

BM: Sim, tenho essa participação no Torneio Lopes da Silva. Era um torneio importante, pois era a ponte.

zz: Era o primeiro filtro para as seleções nacionais e para os grandes.

BM: Certo. Eu tinha feito dois bons anos no FC Famalicão e apareceu uma oportunidade de escolher entre os três grandes. Tive os representantes dos três clubes em casa dos meus pais, para nos tentarem convencer a assinar por cada um deles. Na altura, o FC Porto foi mais incisivo. Era mais perto de casa, eu sou muito ligado à família e tive assim esta oportunidade.

zz: Mas permita-me recuar ao momento em que foram os três representantes de FC Porto, Benfica e Sporting a sua casa. Conte-nos essa história.

BM: Sim, foram os três, em dias diferentes. Já não me lembro quem foi o representante do Sporting, mas do FC Porto foi o Senhor Craveiro e do Benfica foi o Nené.

zz: O que foi decisivo para a escolha ser o FC Porto?

BM: Lembro-me que naquela altura era benfiquista ferrenho. Era capaz de comprar todos os jornais diários desportivos só para ler a parte do Benfica. O Nené chegou a minha casa com a camisola do Benfica para me oferecer. Foi espetacular ter a sensação de seres desejado pelos três clubes. Mas, escolhi o FC Porto por ficar mais perto de casa, por ser um clube grande. E eu sabia que ia ter um centro de estágio e melhores condições para os jogadores.

zz: E nunca se arrependeu da decisão?

BM: Nunca.

zz: Como foram os primeiros tempos de FC Porto?

BM: Foi uma mudança muito grande. Lembro-me de chegar à Constituição para o primeiro treino e logo aí ver colegas do meu tamanho, na altura já era alto, e jogava contra jogadores mais baixos.

zz: Já não havia a diferença que existia quando estava no FC Famalicão...

BM: Isso. Percebi logo que estava num patamar diferente. Cheguei ao FC Porto para disputar num plantel de juvenis de primeiro ano e rapidamente subi para a equipa de juvenis de segundo ano. Notei uma diferença muito grande em termos de aprendizagem, de evolução.

zz: E tinha o seu espaço? Jogava?

BM: Sim, ia jogando e ajudando sempre, não com muita regularidade, mas sempre titular.

Bruno Moreira, nos estúdios do zerozero, durante a gravação do Ponto Final @zerozero.pt

zz: Quem eram os seus colegas?

BM: Lembro-me do Paulo Machado, Vieirinha, Márcio Sousa, Hélder Barbosa, Bruno Gama, Tiago Costa, o defesa central, o Igor Araújo, que era guarda redes...

zz: É a geração de jogadores que são Campeões da Europa de Sub-17, em Viseu?

BM: Esses mesmos. E notei que tive uma evolução muito grande em mim, os treinos eram completamente diferentes. As condições eram muito melhores, depois passamos para Olival e era um mundo novo: relvado, todo o tipo de material e mais algum, sauna, hidromassagem, posto médico espetacular. Senti logo que tinha feito a escolha certa, até porque estava num patamar acima e a aprendizagem é logo maior. Tive também a sorte e o prazer de ter um excelente treinador...

zz: Quem era?

BM: José Guilherme, que agora está da FPF.

zz: Esses treinadores nos grandes acabam por ser diferentes para vocês que são jovens? Tem a ver com a capacidade técnica ou capacidade humana?

BM: É tudo junto a parte: a parte técnica, a parte humana, a parte da pedagogia, que é fundamental.

zz: Acredito que seja difícil para os jogadores daquela idade. Quem está nessa idade e a jogar num grande, deve pensar que está no topo do mundo e que a carreira não vai parar de crescer.

BM: É importante nessas idades ter um treinador que nos ajude a gerir expectativas. Queremos sempre dar mais um passo que aquilo que deve ser.

zz: Achamos que merecemos mais...

BM: É importante ter treinadores que nos ajudem em termos técnicos, mas também na parte humana. Aprendi muito com o José Guilherme.

zz: Não termina a formação no FC Porto, mas é neste período que vai a seleção nacional. Como é que surge esta presença no Campeonato da Europa de sub-17 em 2004?

BM: Sim, vou a esse Europeu, mas estreei-me na seleção nos Sub-16. Fui a essa época, fiz todos os torneios internacionais. Não faço a fase de qualificação para o Campeonato da Europa de Sub-17 por me ter lesionado. Foi a primeira lesão no ligamento cruzado, mas consegui ir a tempo de estar na fase final do Europeu: perdemos contra a França, com o Benzema. Foi um motivo de orgulho, representar o nosso país.

qEra benfiquista ferrenho, mas escolhi o FC Porto por ficar mais perto de casa e sabia que iam ter boas condições para os jogadores, com a criação do Olival
Bruno Moreira, antigo jogador de futebol

zz: Quando foi chamado pela primeira vez, sentiu que era algo natural?

BM: Não foi natural, foi uma alegria imensa ser chamado para representar o nosso país pela primeira vez.

zz: Mas quando se está numa equipa como o FC Porto, a jogar e a marcar, deve-se sentir que é possível.

BM: Sim, sabia que era possível, que estava próximo, porque, na altura, como agora, os jogadores que jogam nos grandes são, maioritariamente, convocados para a seleção. Eu estava a destacar-me na altura no FC Porto e consegui o objetivo de ser convocado para a seleção nacional.

zz: A verdade é que foi só nessa altura: o que faltou para continuar nesse comboio?

BM: O regresso após lesão não foi fácil, ganhei muito peso e não consegui eliminá-lo logo e fui perdendo as minhas capacidades. Antigamente, dizia-se que um lesão no ligamento cruzado anterior era para terminar a carreira ou perto disso. Na altura, custou-me muito e o meu desempenho pós-recuperação não foi fácil. Consegui a chamada, mas na seguinte não me consegui encontrar, estava mais lento, mais pesado, fui jogando pouco.

zz: Já numa época de Sub-19?

BM: Sim, primeiro ano de júnior.

zz: Também tem os mais velhos na equipa, porque nessa altura eram três épocas de Sub-19 e os jogadores de primeiro ano têm pouco espaço.

BM: Senti que estava um passo atrás. Fui sentindo isso ao longo dos treinos, nas escolhas dos treinadores, e não tive a capacidade de sentir isso. De sentir que não estava bem fisicamente e precisava de fazer algo para mudar. Não tive alguma voz que me ajudasse nesse sentido, que me alertasse para o facto de eu ter tido uma lesão grave e que precisava de me preparar melhor. Eu jogava no FC Porto, era internacional, e sentia que as coisas, mais cedo ou mais tarde, voltariam outra vez ao normal. Mas no futebol o tempo passa e fui perdendo gás nas aptidões que tinha ganho no futebol de 11.

zz: Por isso é que saiu para o SC Braga?

BM: Sim. Eu e o FC Porto chegámos a um acordo. Passaram-me a mensagem de que tinha sido bom, que tinham gostado muito de mim, durante o período em que estive lá, mas não contavam comigo para a época seguinte. Tive que ir à procura de de soluções e apareceu o SC Braga.

Bruno Moreira terminou a carreira com 36 anos @zerozero.pt

zz: Vai para SC Braga e lá encontra o Orlando Sá...

BM: Sim, estava lá o Orlando Sá.

zz: E encontramos nos registos do zerozero que jogava lá o filho de uma lenda do andebol, Boris Tchikoulaev, filho de Viktor Tchikoulaev...

BM: Verdade, o Boris. Já nem me lembrava dele. Era central.

zz: Voltando à tua ida para Braga...

BM: Fui para Braga e notei uma grande diferença, porque o SC Braga não era o que é agora. Mas tive no SC Braga o que não tinha há algum tempo: jogo, minutos e as pessoas acreditarem em mim. Por vezes, era chamado à equipa B, que na altura estava na 2ª Divisão B, e era treinada por António Caldas. Voltei a sentir o clique de que as coisas estavam a correr bem, novamente, e era fundamental, pois estava no meu último ano de júnior. Sentia-me muito bem e cheguei a uma altura em que treinava sempre com a equipa B, onde notei uma diferença muito grande, porque são contextos diferentes.

zz: Mais duro?

BM: Mais duro, mais homens, mais intenso. A partir daí fui evoluindo ainda mais. Depois ia jogar aos juniores e por vezes na equipa B. Nessa altura sentia mais facilidade nos juniores.

zz: Quando é que tem o seu primeiro contrato profissional? Quando está no FC Porto?

BM: Não, no FC Porto tinha um contrato de formação, que continuou no SC Braga, com dois anos de opção como profissional. A época no SC Braga corria lindamente, até que no meu último jogo do campeonato pela equipa B voltei a ter uma rotura de ligamentos. Desta vez foi no joelho esquerdo.

zz: O que sentiu?

BM: A mesma dor. Uma dor característica. Uma dor aguda muito forte. Não queria acreditar. Terminei o jogo cheio de dores e os exames confirmaram nova rutura e que teria de fazer uma nova operação. Recordo que tinha dois anos de contrato como opção que não foram acionados.

qLesionei-me em Braga e garantiram a minha recuperação até ser reintegrado
Bruno Moreira, antigo jogador de futebol

zz: Sentiu-se desamparado?

BM: Não, até porque garantiram a minha recuperação e todo o processo até voltar a ser reintegrado noutro clube. Mas a verdade é que o martírio começou todo de novo e logo no meu primeiro ano de sénior. Ou seja, começo a época e até janeiro faço a minha recuperação em Braga. Treinava com os juniores e fiz ali a minha recuperação plena. O problema, depois, foi arranjar clube. Fui bater à porta do FC Famalicão.

zz: Voltou a casa?

BM: Sabia que não ia ser fácil, porque tinha 19 anos, vinha de uma cirurgia difícil e tinha que provar que estava bem. Mas, tudo isso não é fácil. As pessoas acharam que não estava preparado. Só que no FC Famalicão havia uma pessoa que era presidente do Joane e soube que não ia ficar no FC Famalicão, portanto convidou-me para ir para o Joane.

zz: E de repente vai para a 3ª Divisão...

BM: O meu primeiro treino é num campo de 5 pelado e cheio de lombas. E eu pensei para mim: 'Não sei se vou aguentar isto, não sei se não é o Ponto Final'.

zz: Falou com alguns médicos para saber se os joelhos aguentavam?

BM: Era novo e, felizmente, essas lesões mais graves aconteceram quando eu era novo e a recuperação é mais fácil e sentia-me bem. Sentia que não tinha sido operado ao joelho. O tempo foi passando, ganhei mais confiança, mas estava a jogar num clube da 3ª Divisão e a treinar num pelado de 5.

zz: Então, o que o fez continuar?

BM: Foram as pessoas. Quiseram muito que eu assinasse pelo Joane e que ajudasse o clube. Nesse meio ano onde estou de Janeiro até Maio, em 15 ou 16 jogos, faço 11, 12 ou 13 golos.

zz: Sentiu que era capaz...

BM: Sim, sentia que estava ali de corpo e alma.

zz: Sabe qual era o nome mais famoso desse plantel? Agora é mais famoso...

BM: O Armando Evangelista. É o último ano dele como jogador, porque ele tem uma rotura de ligamento cruzado, num jogo em que eu faço cinco golos.

Bruno Moreira representou o Nacional da Madeira, depois de ter estado no Moreirense @Catarina Morais

zz: Cinco golos?

BM: Sim, cinco golos. Ganhámos no Mondinense 5-1 e eu faço os 5 golos. O Armando, infelizmente, teve essa lesão nessa nessa altura e terminou a carreira. Tinha nessa equipa o Armando Evangelista, mas também o Vitor Hugo, o avançado, que tem a curiosidade de ter começado comigo a carreira de sénior e de também a terminar comigo, no São Martinho. Mas foi uma época espetacular, onde veio tudo outra vez ao de cima. Voltei a ter confiança de que era possível voltar a subir patamares.

zz: Houve muitos convites? Há outra pergunta encadeada nesta: quando está no FC Porto, naturalmente, é um jogador desejado, apetecido. Acredito que tenha empresário consigo e pessoas a gerir a sua carreira. Quando vai para Joane, já está sozinho?

BM: Em toda a minha carreira, tenho três empresários e na minha formação foram dois. Ou seja, passei a minha carreira profissional toda apenas com um empresário. Na formação tive dois empresários, que me fizeram muitas promessas, mas nada aconteceu.

zz: Mas quando está no Joane está sozinho?

BM: Sim, nem fazia sentido estar com algum empresário. Estava na 3ª Divisão, vinha de uma lesão grave.

zz: Ninguém acredita em si?

BM: Ninguém quer saber do Bruno Moreira, a não ser nós próprios e a nossa família. Mas houve uma pessoa, que acabou por ser muito importante na minha carreira, que era dirigente do Joane - o atual presidente da SAD do Famalicão, o Miguel Ribeiro - que me convidou para ir para o Varzim, pois era o diretor desportivo do Varzim, e foi aí que tive o primeiro contrato profissional.

zz: Não teve outros convites?

BM: Não me lembro na altura. O Miguel estava sempre ali, nos jogos da Joane, era o diretor desportivo do Varzim e para mim aquilo foi natural. Ele foi falando comigo na altura e nem tive outros clubes a passarem pela cabeça.

zz: Encontrou lá uma série de jogadores conhecidos e que tinham sido seus colegas no FC Porto: Bruno Vale, Bruno Conceição...

BM: Chego ao Varzim, lembro-me como se fosse hoje, e levo com o primeiro impacto de estar numa equipa profissional. Eram jogadores muito conhecidos: Bruno Vale, Bruno Conceição, Pedrinho, Telmo, Alexandre Vila Cova e Emanuel, Marco Cláudio, Nuno Rocha, Mendonça, Roberto, Chico.

zz: Diamantino Miranda a treinador...

BM: Sim, Diamantino. Era uma equipa muito experiente, já jogadores de idade avançada, e lembro-me de chegar ao balneário, pela primeira vez, tímido, não ter um sítio onde me sentar e o único lugar disponível que tinha ao lado do capitão.

zz: O Alexandre...

BM: Não me cabia um feijãozinho... Sentei-me ali ao pé dele envergonhado. Lembro que cheguei na altura em que ele estava a colocar as caneleiras. Eram aquelas caneleiras antigas, de carbono, enormes, de hóquei. E eu pensei logo que era ele que me ia marcar no treino. Mas foi a partir dali que me senti profissional. Treinos bi-diários...

zz: Mas a ideia de ser jogador profissional surgiu no FC Porto?

BM: Sim, claro. O objetivo passava por aí. Na altura no FC Porto passava sempre por chegar à equipa principal. Tive alguns treinos na equipa B, assim como um ou outro na equipa principal, treinada por José Mourinho, não por merecer lá ir, mas porque ele precisava de jogadores para ir treinar.

zz: Ele podia ter escolhido outros...

BM: Foi espetacular. Era a equipa que tinha ganho a Taça UEFA e a Liga dos Campeões. Um dia, antes da final da UEFA contra o Celtic, fomos fazer um treino contra eles. Nós, os sub-19. Nós só víamos aquelas personagens de passagem no Olival, de resto víamos na televisão, onde ganhavam jogos atrás de jogos.

qAntes da final da Taça UEFA, contra o Celtic, o José Mourinho quis treinar contra os juniores. Joguei contra aquelas estrelas durante 45 minutos e não toquei na bola
Bruno Moreira, antigo jogador de futebol

zz: Mas, vocês foram fazer um treino antes da final contra o Celtic?

BM: Sim, ou seja, o Mourinho devia querer treinar alguma coisa.

zz: E o vosso treinador deve ter dito para terem cuidado com as entradas...

BM: Jogou metade de uma equipa numa parte e outra os segundos 45 minutos. Eu lembro-me que em 45 minutos não toquei na bola. Aquilo é que era o verdadeiro futebol. A bola andava de uma maneira que não conseguíamos fazer nada.

zz: Mas não tocar na bola...

BM: Não toquei na bola.

zz: Quem estava a marcar?

BM: Jorge Costa e Ricardo Carvalho. Foi uma sensação incrível.

zz: Mas quando treinou com eles, partilhou balneário?

BM: Sim, mas aquilo foi tudo à última hora. Foi equipar e ir treinar.

zz: Nem deu tempo para avisar em casa.

BM: Pois. Mas vi que ali é que estava o verdadeiro futebol. A bola andava muito rápido.

zz: O que pedia o Mourinho a um jovem avançado que ia treinar pela primeira vez?

BM: Não. Foi só para fazer. Dizia-me o que tinha de fazer, mas nada daquilo que pedia aos seus avançados.

zz: O McCarthy e o Derlei. Mas acredito que tenha aprendido muito só a ver.

BM: Sim. Vi o que era o verdadeiro futebol e o nível a que se chega.

zz: Voltando ao Varzim. Foi aí que sentiu o que era ser profissional de futebol?

BM: Sim. Treinava de manhã, tinha treinos bi-diários.

zz: Esteve muito tempo no Varzim...

BM: Sim, dois anos e meio, onde, novamente, aparecem as lesões. Não foram lesões tão graves, mas tiveram de voltar a mexer nos joelhos, a ter de ganhar massa muscular. Enfim. Tenho aí várias cirurgias que me foram sempre atrasando.

zz: E é por esse motivo que depois vai para o Moreirense?

BM: Sim, entrei numa fase de recuperação em que andava sempre atrás dos outros. Não jogava, voltei a ganhar peso e a meio da época fui contactado pelas pessoas do Moreirense. Com essas lesões todas, quis sair. Quis sair dali, ir para outro ambiente, outro espaço, experimentar outra coisa diferente. A oportunidade do Moreirense, através do mister Jorge Casquilha, fez-me dar o clique de ter de estar sempre pronto e disponível, mesmo que não estejamos a jogar, seja por lesão ou por opção. Chego ao Moreirense com peso a mais e foram claros comigo: 'Bruno, não podes competir com este peso. Como é que queres ser mais rápido que o defesa? Como queres marcar golos?'

Bruno Moreira viveu os seus melhores anos no Paços de Ferreira @Vítor Parente

zz: Mas nunca lhe tinham dito isso?

BM: Eu digo na brincadeira que sofri bullying, mas sofri mesmo e acho que me fez bem. Eu não tinha esse cuidado com o peso. Para mim, estar com dois ou três quilos em cima do corpo, para mim, era normal. Eu treinava e jogava, tinha que me alimentar bem.  Nunca tive a capacidade de pensar que com dois ou três quilos a menos ia ser mais rápido e chegar primeiro. É no Moreirense que tenho essas pessoas que todos os dias me lixavam a cabeça por causa do peso. Todos os dias. Todos os dias era controlado, tinha que ir à balança e adaptei-me. Perdi peso, passei a estar mais atento à massa gorda e os golos apareceram com mais naturalidade. Isso foi fundamental para mim. Tive essa meia época no Moreirense e na seguinte preparei-me de maneira diferente.

zz: Foram 14 golos...

BM: Preparo-me de maneira diferente. Estou bem fisicamente. Faço 14 golos, faço muitos jogos, subimos de divisão e tenho um ano espetacular, com o melhor balneário de sempre.

zz: Quem era o rei desse balneário?

BM: Pintassilgo. Tinha muitos, mas ele era espetacular, do melhor que pode haver num balneário.

zz: Nesse Moreirense rivaliza com um grande avançado: Antchouet...

BM: No meu primeiro meio ano faço dupla com ele na frente. Era um espetáculo jogar com ele. Batalhava muito, corria muito ele, gastava a defesa. Depois havia sempre aquelas bolinhas que sobravam...

zz: Parece fácil, mas não é... Daí foi para o Nacional da Madeira.

BM: Sim, subimos de divisão e tive várias propostas. Acabei por aceitar o Nacional da Madeira, porque me ofereceram um bom contrato, boas condições, era um clube estável na Primeira Liga, lutava sempre pela Europa.

zz: Mas acabou por jogar pouco lá.

BM: Sim. Eu tenho uma relação muito forte com a minha família e foi a minha primeira saída. E, se não fores forte, isso afeta-te. Afeta-te no teu rendimento e em tudo. Eu chego à Madeira e senti-me muito bem. O Nacional era um clube espetacular. Apanho uma equipa técnica top, com o Pedro Caixinha. Fui a primeira vez que tive treinos três vezes por dia.

zz: Logo às sete da manhã.

BM: Sim. Era cardio, banho, pequeno-almoço, segundo treino mais forte, depois almoço, descanso e novo treino às cinco da tarde. Chegava ao final do dia rebentado. Foi uma experiência espetacular no capítulo do treino, mas como disse, não joguei muito. A distância afetou muito a minha carreira, não consegui perceber que era apenas a distância e tinha de me focar no meu trabalho. Afetou a minha alegria no treino, a concentração no treino. Joguei pouco.

zz: E foi só por opção de treinador?

BM: Sim. Hoje olho para trás, vejo as coisas de maneira diferente. Quando temos aquela idade, 22, 23 ou 24 anos, nunca temos essa visão. Questionamos a falta de minutos, mas agora é importante colocar-nos na pele do treinador e perceber porque não jogamos. Eu senti sempre isso, porque na minha consciência achava que o que estava a fazer no treino era suficiente para jogar. Eu achava que estava a ser melhor que os outros avançados e tinha de jogar, mas as coisas não são assim.

Bruno Moreira é o melhor marcador da história do Paços de Ferreira na Primeira Liga @Bruno de Carvalho

zz: Claro, ou porque há uma ideia de jogo diferente, ou porque o adversário é diferente...

BM: Não conseguimos perceber isso, porque não fomos escolha para jogar. Eu achava que tinha de jogar sempre e tinha treinado bem para jogar, mas nem de perto tinha feito o suficiente para jogar.

zz: E na época seguinte dizes que queres ir embora?

BM: Eu jogo pouco e eles propõem-me um empréstimo ao CSKA de Sofia. O treinador era um conhecido do futebol português, o Mladenov.

zz: Um clube gigante.

BM: Verdade, e aceitei esse desafio. Tinha noção da grandeza do clube, tentei sempre saber o que ia encontrar nos clubes para onde ia jogar. Era um clube ao nível de FC Porto, Benfica ou Sporting, mas quando cheguei, encontrei um clube a passar uma crise financeira. Não tínhamos sítio para treinar, estádio estragado. Não encontrei o que pensava e via nos vídeos. O treinador falava português, fui com um colega do Nacional - na altura fomos os dois emprestados -, a minha esposa estava grávida e também foi comigo. Foi uma experiência muito boa e adorei conhecer Sofia. Conheci lá o Nuno Pinto, que jogava no Levski, e ficámos muito amigos, as duas famílias.

zz: Mas foi para Sofia para jogar futebol e não para passear.

BM: Sim, mas tivemos momentos engraçados. Os nossos clubes são tipo Benfica, Sporting. São da mesma cidade e íamos a restaurantes que ou eram só adeptos do CSKA ou só adeptos do Levski. Nunca tivemos qualquer tipo de problemas. Erámos adorados pelos adeptos de cada clube. Foi espetacular a experiência, mas em termos desportivos não encheu as minhas expectativas. O campeonato parou no inverno, em dezembro, e coincidiu com o nascimento da minha primeira filha. As coisas não estavam a correr bem, eu não iria sem a minha mulher e decidi que não ia voltar à Bulgária.

zz: Queria estar próximo dos seus...

BM: Sim, sabia que estava emprestado e não era difícil de resolver. Falei com as pessoas do Nacional e, apesar das pessoas não estarem à espera, entrámos em negociações para encontrar a melhor solução. Só conseguimos um acordo de rescisão no final de janeiro. O Nacional não me deixava sair para qualquer clube, mas felizmente havia boas relações com o Paços de Ferreira e eu já tinha um pré-acordo para ir jogar na Mata Real. Rescindi o contrato um dia antes do fim do mercado e no último dia fui para a Mata Real às 18 horas, para me reunir com o presidente e o Carlos Carneiro, mas no último instante surgiu um imprevisto. O Paços de Ferreira já tinha o limite de jogadores inscritos e informam-me que eu não poderia ser inscrito. Fiquei desiludido. Era perfeito: perto de casa, Paços de Ferreira em crescimento, Primeira Liga... Mas não deu. Ainda assim, apanhei pessoas sérias e honestas - as pessoas de Paços de Ferreira são assim -, que me garantiram o contrato, mas tinha de arranjar uma solução para jogar seis meses.

zz: E vai para Chaves.

BM: Certo, fui inscrito à última hora, mas era um retrocesso. Eu vinha a crescer: Moreirense, Nacional e de repente volto à 2ª Liga e não foi fácil. Fui sempre bem tratado, notei que as pessoas precisavam de mim e ia com a consciência de trabalhar bem, para voltar à 1ª Liga. Mas tive um azar muito grande: o Chaves não estava a ganhar, não estava a fazer golos, mas eu não entro logo na equipa. O primeiro jogo ganhámos e é o avançado, o Luís Barry, que faz o golo.

qO Chaves não estava a ganhar, não estava a fazer golos, mas eu não entro logo na equipa. O primeiro jogo ganhámos e é o avançado, o Luís Barry, que faz o golo
Bruno Moreira, antigo jogador de futebol

zz: E a partir daí o Barry começa a marcar...

BM: Certo, estava mesmo à minha espera. Começou a abrir o livro. As coisas começaram a correr bem, a equipa começou a subir na tabela classificativa, um ambiente vitorioso e bom, mas em termos pessoais joguei pouco. Comecei a pensar na época seguinte: como ia para o Paços de Ferreira sem estar a jogar?

zz: Mas havia a palavra do Paços...

BM: Normalmente, quem vai da 2ª Liga para a 1ª Liga é porque tem um registo bom e não aconteceu isso comigo. Eu vou para Paços de Ferreira sem jogar na 2ª Liga. As pessoas cumpriram a palavra e assinei o meu contrato com o Paços, voltei novamente à 1ª Liga.

zz: E tem os seus melhores anos de Primeira Liga...

BM: Tenho registo de melhor marcador do Paços de Ferreira na Primeira Liga, com 27 golos. Aquela homenagem vai ficar para sempre, apesar de saber que um dia alguém vai quebrar esse registo.

zz: O que o fez sentir-se tão bem em Paços de Ferreira ao ponto de fazer tantos golos?

BM: O que eu posso dizer de Paços de Ferreira é que são pessoas especiais, são pessoas humildes, pessoas de trabalho, pessoas que procuram sempre dar o máximo pelo clube. Ao longo da minha carreira apanhei excelentes treinadores, mas tive a felicidade de ali ter encontrado o melhor treinador: o Paulo Fonseca. Tudo isto, apesar de ter começado a época sem ser convocado.

zz: É também a temporada em que o Paulo Fonseca regressou a Paços de Ferreira.

BM: Sim. No início fiquei um bocado desanimado, por não ser convocado, mas na terceira jornada fui convocado para um jogo em Penafiel e por volta dos 16 minutos o Hurtado lesionou-se, entrei para jogar ao lado do Cícero. Ganhámos 0-1 com golo do Cícero e assistência minha. A partir daí fui uma máquina de fazer golos. Na jornada a seguir fui titular, depois marquei o meu primeiro golo contra o Vitória SC, em Guimarães. Depois disso começaram os meus golos, comecei a jogar cada vez mais e a aprender muito com o Paulo Fonseca.

zz: O que aprendeu com o Paulo Fonseca aos 27 anos que não sabia?

BM: Principalmente, as movimentações em campo, o saber estar em campo, o ter a paciência para receber a bola naquela zona específica. Ele trabalhava todos os setores com esse objetivo: não ser o jogador a ir procurar a bola, mas a bola a chegar às zonas que ele queria.

zz: No fundo, ser a bola a andar.

BM: Hoje isso é normal, mas naquela altura eram raros os treinadores que pensavam assim. Desde a saída do guarda-redes, até chegar à zona de finalização havia algo a ser trabalhado, a bola tinha de chegar à outra baliza com um propósito. Sabíamos o que ia acontecer no jogo. Ajudou-me muito com as movimentações.

zz: Como chegar às suas melhores zonas de finalização...

BM: Exato. De como jogar num espaço em que os adversários ficavam na dúvida. Eram pormenores que fazem de nós melhores jogadores. Depois, era um treinador que usava muito o vídeo e nada melhor do que veres o que fizeste e o que deverias ter feito.

Bruno Moreira ganhou espaço na equipa de Paulo Fonseca @Global Imagens /

zz: É como aquela expressão: 'Não percebes? Queres que te faça um desenho?'

BM: É isso mesmo. Não há nada melhor para exemplificar que um vídeo.

zz: Está no seu melhor período, mas foi para a Tailândia. O que o fez arriscar, novamente?

BM: Eu já estava a caminhar para os 30 anos e terminava contrato com o Paços e estava numa altura da minha carreira em que tinha de decidir pela parte desportiva ou pela vertente financeira. Pesei as duas coisas. O meu empresário foi contactado por um empresário sérvio, com ligações à Tailândia, com uma possibilidade para ir jogar lá. Isto em fevereiro ou março. Durante esse período fui conhecendo o futebol da Tailândia, a realidade daquele clube. A maior parte das pessoas não conhecem, nem fazem a menor ideia do campeonato tailandês, nem do Buriram United. Esse clube é gigante, milhões de adeptos, três academias.

zz: Fica perto da capital?

BM: Não, a cerca de 400 quilómetros. Fica mais perto da fronteira com o Cambodja. Durante o período em que ainda estava em Portugal falei com um jogador venezuelano, Andrés Túñez, que jogava lá, e com um avançado brasileiro que jogou no Olympiacos, o Diogo. Só me contaram maravilhas: mais de 30 mil adeptos no estádio, as academias... clube grande. Depois, juntei as duas coisas: liga diferente, país diferente e clube grande. Podia lutar por títulos e a juntar a isso a parte financeira. Arrisquei. Não fui sozinho, fui com a minha esposa e a minha filha.

zz: Foi tranquilo para elas?

BM: Não, não foi. Tenho curiosidade para ver como a cidade está agora, uns anos depois, pois fomos viver para o primeiro condomínio que existia na cidade. Era uma cidade pequena, mas via-se um desenvolvimento enorme, dia após dia. Chegámos à Tailândia e deparámo-nos com muita humidade, muitos insetos e isso não ajudou. No primeiro mês, ficámos num hotel e a minha esposa sentiu a distância da família.

zz: Vocês viviam noutro fuso horário...

BM: Exato e ela não conhecia ninguém, havia muitos estágios. Todos os jogos tínhamos concentração de dois dias. A adaptação dela não foi fácil. A minha foi, porque já conhecia os outros dois jogadores e tinha os meus colegas de equipa. A equipa técnica também era espetacular, mas fui sentindo que a minha esposa não estava bem ali e foi a razão de termos voltado. Nunca lhe disse, mas vai saber agora: isso pesou muito na hora de regressar a Portugal. Eu não conseguia estar sem ela, e ela tinha a possibilidade de vir a Portugal sempre que quisesse, mas eu não conseguia estar sem elas lá. Mas adorei a experiência de estar num clube grande, de ser conhecido. Apesar de estar a 400 quilómetros de Bangkok, era conhecido.

qVoltei a Paços de Ferreria, mas essa época foi triste. Descemos de divisão, depois de perder em Portimão e essa viagem foi terrível
Bruno Moreira, antigo jogador de futebol

zz: Um nível diferente daquele que tinha vivido cá. Regressa a Paços de Ferreira...

BM: Sim, novamente a darem-me a mão. Tinha deixado a minha marca e as pessoas receberam-me de braços abertos. Mas foi uma época difícil.

zz: Pensava que isso podia acontecer ao Paços?

BM: Sim. O Paços de Ferreira nunca conseguiu estabilizar-se como clube de quinto ou sexto. Houve épocas espetaculares, mas o Paços de Ferreira sempre foi conhecido por ser um clube de meio de tabela e essa época não correu nada bem. Tivemos três treinadores: Vasco Seabra, Petit e João Henriques. Só por isso, percebemos que a época não foi fácil. Houve um jogo que foi marcante, que foi antes do jogo contra o FC Porto. Aquele histórico jogo em que o Paços de Ferreira ganhou 1-0 e houve confusão entre o Sérgio Conceição e o João Henriques. O Mário Felgueiras defendeu uma grande penalidade. Antes desse jogo tínhamos caído na linha de água e fomos apertados pelos adeptos. Até que vamos para o último jogo, em Portimão, um empate bastava para garantirmos a manutenção, mas perdemos o jogo...

zz: Essa viagem deve ter sido terrível...

BM: Horrível.

zz: Um autocarro silencioso...

BM: Ninguém falava, depois fomos mandados parar pelos adeptos, a meio da viagem. Tivemos de dar a cara aos adeptos, mas felizmente nada de grave aconteceu. Foi triste.

zz: No ano seguinte vai para Vila do Conde. Foi pela mão do Miguel Ribeiro?

BM: Certo, daí dizer que o Miguel Ribeiro foi fundamental, para mim, em algumas fases da minha carreira. Infelizmente tive pouco tempo com ele, porque depois ele abraçou o projeto do Famalicão. Mas custou-me muito ter deixado o Paços assim. Quem me conhece sabe que o Paços de Ferreira é o meu clube, é o clube onde fui mais feliz, mas sabia que quem lá estava ia voltar a colocar o clube na Primeira Liga.

zz: E aconteceu logo no ano a seguir.

BM: Apesar da desilusão tive uma nova oportunidade de continuar a jogar na Primeira Liga, de jogar nas competições europeias...

Bruno Moreira na chegada a Vila do Conde @Rio Ave

zz: Que tal foi Vila do Conde?

BM: Adorei, são clubes muito idênticos: Paços de Ferreira e Rio Ave. Clubes feitos de pessoas humildes, que fazem de tudo para que nada falte aos jogadores, pessoas com as quais me identifico. Foi marcante e espetacular ter estado nestes dois clubes.

zz: A sua última experiência na Primeira Liga foi em Portimão. Como surge a ida para o Algarve?

BM: Comecei a época no Rio Ave a jogar, tivemos aquela eliminatória contra o Milan e estava a jogar, mas aos poucos perdi o lugar na equipa e em dezembro perguntaram-me se eu queria sair para jogar, porque achavam que eu precisava de jogar. Não fecharam as portas do Rio Ave, ou seja, se eu não arranjasse uma solução não ia ficar sem clube, mas deram-me liberdade para encontrar uma solução. Não fiquei muito satisfeito com essa decisão e procurei soluções e foi aí que apareceu o Portimonense. O mister Paulo Sérgio ligou-me e gostei muito de falar com ele, das ideias que me apresentou. Gostei muito do feedback e sabia que a estrutura do Portimonense era segura e tranquila.

zz: Era a possibilidade de continuar a jogar.

BM: Chego a Portimão num dia de jogo: Portimonense x Farense. A equipa do Portimonense não estava a fazer golos e o avançado a titular nesse jogo ia ser o Beto. Era jogador de Sub-23, ia treinar com os seniores e por vezes jogava. Nesse jogo, o Portimonense ganha 2-0 e o Beto faz os dois golos. Fui ao balneário, o Paulo Sérgio apresenta-me à equipa e diz-me baixinho: 'Eu agora não preciso de ti para nada.' Disse isso a brincar, naturalmente. Comecei a treinar e o primeiro jogo foi contra o Rio Ave. Foi estranho, pois de uma semana para a outra eu saio de um clube e regresso lá para jogar por outro. Perdemos 3-0. O Beto joga e bem, pois tinha marcado no jogo anterior. Na jornada seguinte salto para a titularidade. Ganhámos ao Belenenses, mas não marquei e depois o Beto foi entrando e foi marcando. Lembro-me que fomos jogar a Braga e o Paulo Sérgio optou por um avançado mais para a profundidade. O Beto foi titular e ele fez um jogaço. O Beto a partir dali não parou mais. Era um diamante que estava ali. Foi espetacular ver o desenvolvimento dele, apesar de para mim não ter sido bom. Foi uma boa experiência. 

zz: E volta ao Norte.

BM: Eu tinha contrato de mais um ano pelo Portimonense, mas ligam-me do Trofense. O João Tomás, o antigo presidente da SAD e vi ali uma oportunidade de voltar para perto de casa. Um contrato mais longo, tinha aberto um estabelecimento comercial em Famalicão e vi ali uma oportunidade de estar mais perto. Era três anos de contrato com o Trofense, sabia que com o Paulo Sérgio não teria muito espaço e falei com o presidente do Portimonense para acertar a desvinculação.

qChego ao Portimonense e eles também estão em crise de golos. No primeiro jogo em que assisto na bancada, Portimonense ganha 2-0 e o Beto faz os dois golos. Fui ao balneário, o Paulo Sérgio apresenta-me à equipa e diz-me baixinho: 'Eu agora não preciso de ti para nada.' Disse isso a brincar, naturalmente
Bruno Moreira, antigo jogador de futebol

zz: Mas na Trofa as coisas não acontecem como desejava?

BM: Não. Existiram muitas dificuldades.

zz: Já não estava à espera de naquele momento de carreira encontrar um clube assim?

BM: Não, de todo. Não sei o que pretendiam, mas o clube não estava preparado para o contexto profissional e aquilo foi um choque. Felizmente, à minha volta tive pessoas do futebol. O João Tomás, o Hélder Sousa, o treinador Rui Duarte, pessoas que faziam tudo para que as coisas evoluíssem, mas não tínhamos campo para treinar, não tínhamos ginásio, muitas dificuldades. Mas erámos um clube profissional e ao domingo era exigência estava lá. Cumprimos o objetivo da manutenção, apesar de termos tido três treinadores: Rui Duarte, Francisco Chaló e terminamos com o Sérgio Machado. Pensei que no segundo ano iriam existir melhorias, mas nada. No início de época, o campo era quase um pelado e caiu-me a ficha de que não conseguiria estar no clube e entrámos num processo de rescisão, pois tinha mais dois anos de contrato e desapareci durante um ano, mas não foi o meu final de carreira.

zz: Nós aqui no zerozero chegámos a questionar isso.

BM: Verdade, eu não estive inscrito, não joguei e estive esse ano todo num processo de rescisão e só aconteceu em Março ou Abril. Durante esse tempo refleti se deveria continuar no futebol ou não, porque dificilmente ia encontrar melhores condições que aquelas antes. Percebi que as condições, em geral, na 2ª Liga seriam como aquelas, tirando três ou quatro clubes com estruturas mais fortes. Pensei, nessa altura, se seria capaz de continuar. E fiquei à espera de ver se aparecia alguma coisa.

zz: Sem procurar?

BM: Sem procurar, apesar das pessoas saberem. Agora, com 36 anos, a jogar tens de estar constantemente a comprovar, quando não jogas, estás morto.

zz: Claro.

BM: Gostava de continuar na 2ª Liga, mas não apareceu nada. Esperei por ver na Liga 3, num contexto bom: difícil. As coisas não foram aparecendo. Até que comecei a perceber se estaria disposto a ir para o CNS. Se calhar não.

zz: É aqui que surgem os amigos...

BM: Sim, através do Nelson Pedroso, amigo de casa, que tinha abraçado o projeto do São Martinho com o Tiago Valente. Sabia que era contexto de distrital e a treinar ao final do dia e com colegas a ter outras profissões.

zz: Como era o seu dia?

BM: Eu neste momento estou a tirar uma formação e quero tornar-me personal trainer e saber como trabalhar com atletas. Tenho a manhã ocupada com isso e ao fim do dia ia para treino. Cheguei a São Martinho com a sensação que tinha chegado a Joane. Era um ambiente familiar.

Bruno Moreira escolheu o seu 11 no programa Ponto Final @zerozero.pt

zz: Conheciam-no?

BM: Sim.

zz: E acharam estranho?

BM: Eu penso que sim, até para mim foi estranho, quanto mais para eles. Apanhei lá jogadores que tinham sido meus apanha-bolas em Paços de Ferreira e alguns tinham ficado com a minha camisola. Era um balneário de gente que está no futebol por gosto, por paixão e gostei de voltar a entrar num balneário desses e tentar perceber o lado do treinador, porque são meus conhecidos. Já estava a tentar entrar nesta nova fase que quero explorar. Eu para estar num registo destes, tinha estar livre, sem dores e a desfrutar do futebol. Não fazia sentido estar com dores no joelho e estar no posto médico do São Martinho e expliquei isso abertamente ao presidente. Claro que com a saída do Tiago Valente e do Nelson Pedroso ajudou ao meu termino. Aconteceu assim e tenho de registar os bons momentos, que sobrepõem sempre aos mais difíceis.

zz: Quem merece o seu maior agradecimento?

BM: Os meus pais, principalmente, pois ajudaram-me muito. Sem eles isto não acontecia, por exemplo, nos tempos do Famalicão ele trabalhava no turno da noite: assistia aos treinos, deixava-me em casa e ia trabalhar. Quando estive no Porto ia levar-me a todos os treinos. Se não tivesse essa ajuda, de certeza que não ia para o FC Porto. A minha esposa, porque foi o meu pilar ao longo de toda a carreira, a minha coaching. Esteve sempre presente. Os treinadores, naturalmente, cada um à sua medida, que sempre me ajudaram e ao meu empresário, o Pedro Cordeiro, que foi o meu único empresário durante toda a minha carreira como profissional. Eu acredito muito nisto: para termos um empresário, temos de confiar muito nessa pessoa, porque ela está a tratar da tua vida. Criámos uma relação muito boa, é padrinho do meu filho e criámos uma relação espetacular. É o meu super agente.

zz: Agora só falta escolher o seu 11...

BM: Não foi nada fácil, porque tinha vários para escolher. Na baliza vou colocar o Marafona. Estive com ele no Paços de Ferreira e no Varzim. Era um sono a treinar, mas no jogo era incrível. No lado direito escolho o Daniel Marques que jogou comigo no Famalicão, no FC Porto, foi também comigo para o SC Braga e depois para o Joane. A central escolho o meu capitão, o Ricardo, o Xerife, por tudo aquilo que ele é como pessoa, ser humano, capitão e líder. Espero um dia vê-lo como treinador principal que tem tudo para chegar lá. O outro central escolho uma das maiores figuras que apanhei no futebol: Vítor Pinto, jogou comigo no Moreirense. O Pinto sempre foi aquela figura de balneário e cria ambientes muito bons. No lado esquerdo coloco o meu amigo de casa e de família, o Nelson Pedroso. Tudo o que fosse depois do meio campo era para chutar à baliza, mas também fazia muitas assistências. No meio campo escolho mais dois capitães: um do Rio Ave, Tarantini, e o Castro, do Moreirense. O Tarantini, por tudo o que sabemos, foi uma referência de tudo aquilo que se deve ser como atleta, mas também na vertente académica. O Castro pela referência que era no balneário, um dos melhores capitães que apanhei, com os joelhos já muito castigados, mas sempre a saber o que fazer. A número 10 vou colocar o meu baixinho, o Andrezinho. Gostava muito que ele estivesse noutro registo e noutro patamar, porque tem qualidade para mais. Fez-me muitas assistências para golo. Aqui do lado esquerdo vou colocar o meu amigo Nuno Santos, que está no Sporting. Partilhei bons momentos com ele, um miúdo ranhoso, tudo está mal para ele, então se não jogar, é ainda pior. Coloco a extremo esquerdo, porque é onde eu gosto de o ver jogar, aquele extremo à antiga. Aqui do lado direito coloco um jogador que, para mim, é a maior figura do futebol português, que é o Pintassilgo. O melhor jogador de balneário que já tive. Ele é um desses, tal como o Pinto. Dou muito valor a isso. Na frente coloco este miúdo irreverente, o Diogo Jota. Vou sempre lembrar-me dos primeiros treinos no Paços de Ferreira. Vinha treinar e não era nada acanhado. Fazíamos exercícios de finalização e ele nunca passava, rematava à baliza e fazia golo. Eu reclamava para ele passar e ele dizia que só passava se falhasse. Esta confiança que ele transmitia com aquela idade, dava logo para ver onde ia chegar.

Bruno Moreira durante a gravação do programa do zerozero Ponto Final @zerozero.pt


Disponível em: zerozero

Recorde aqui todos os episódios do programa

Portugal
Bruno Moreira
NomeBruno Daniel Pereira Castro Moreira
Nascimento/Idade1987-09-06(36 anos)
Nacionalidade
Portugal
Portugal
PosiçãoAvançado (Ponta de Lança)

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