No mundo árabe não se fala de outra coisa por estes dias. O Al Hilal, comandado pelo português Jorge Jesus, está a uma vitória de atingir o recorde mundial. Os 27 encontros anteriores que envolveram a equipa de Ríade - sem a estrela maior, Neymar, caído por terra com uma rotura do ligamento cruzado anterior - terminaram todos da mesma forma: vitória de Rúben Neves e co.
O registo é fora da caixa, impressionante e deveras incomum. Incomum, mas não inédito. É que o Al Hilal só não detém já o recorde porque, em 2016, houve uma equipa que chegou primeiro às 27 vitórias consecutivas, em todas as competições, do que os sauditas. Mora em Oswestry, a pouco mais de 22km e cerca de 25 minutos de carro da cidade de Wrexham, e tem no The Venue - recinto modesto capaz de albergar apenas três mil almas - a sua fortaleza.
Falamos do The New Saints, vulgarmente TNS, fundado em 1959 e a maior potência do futebol do País de Gales. Só nos últimos dez anos foram conquistados oito campeonatos, quatro taças e cinco taças da liga, 17 de um total de 37 títulos nacionais que se contam no palmarés do clube, o melhor sucedido do país.
Vamos situar-nos temporalmente, de forma a que não se perca nesta história. O ano é 2016 e de 14 de agosto a 30 de dezembro, o TNS vive um momento absolutamente dourado, épico até mesmo para quem domina o futebol galês, com maior ou menor dificuldade há mais de uma década. São 27 vitórias consecutivas entre campeonato e taças e um novo recorde, superando os 26 triunfos consecutivos conseguidos pelo Ajax na década de 70 (com um tal de Johan Cruyff no plantel...).
No momento em que o recorde pode ser quebrado, quase oito anos depois, o zerozero foi conhecer um dos protagonistas da história galesa que por estes dias voltou a estar debaixo dos holofotes. Paul Harrison tem 39 anos, é natural de Liverpool - chegou a integrar o plantel dos reds entre 2003 e 2005 - e defendeu a baliza do TNS entre 2007 e 2022, ano em que decidiu pendurar as chuteiras e passar a ocupar as luvas com bolas substancialmente mais pequenas, as de golfe. Atualmente é funcionário do Royal Liverpool Golf Club e lida diariamente com uma modalidade que confessa adorar (País de Gales, golfe... temos a impressão que já vimos isto em algum lado).
«Nunca esperávamos ter conseguido. Na verdade, nem sequer sabíamos do recorde mundial até termos chegado por volta das 21 vitórias», recordou Harrison, em conversa com o nosso portal. Na hora de reviver um passado ainda não tão distante assim, o antigo guardião lembrou as dificuldades acrescidas a cada vitória e consequente aproximar da marca.
«Continuamos a encarar jogo a jogo. Ficou cada vez mais difícil, porque não jogámos tão bem nos últimos encontros até atingirmos o recorde. Fizemos apenas o suficiente. Mantivemos os mesmos 13, 14 jogadores durante esse período e isso deu-nos consistência», explicou-nos. Os ombros eram cada vez mais pesados com o aproximar de um registo histórico: «Os últimos jogos foram as nossas piores exibições e contra equipas que devíamos vencer. Querermos o recorde tornou tudo mais difícil.»
A 30 de dezembro de 2016, com Harrison na baliza, o TNS venceu na visita ao Cefn Druids por 0-2. 27 vitórias consecutivas. Missão cumprida. «Foi um alívio assim que o conseguimos. A partir daí, pudemos voltar à normalidade e continuar. Mas, na verdade, penso que nem jogámos muito melhor depois disso, mas julgo que pela fadiga causada por todo o esforço que fizemos», contou-nos.
Independentemente do contexto, acreditamos que vencer 27 partidas de forma consecutiva é tudo menos fácil. Por essa razão, talvez não fosse expectável que menos de oito anos depois estivéssemos numa situação onde o registo do TNS pode ser superado por outra equipa. Afinal, entre o recorde do Ajax e a série maravilhosa dos galeses passaram mais de 40 anos.
No entanto, esta terça-feira é um dia que pode colocar mais uma página de história no livro do desporto-rei. O Al Hilal vai a jogo, na segunda mão dos quartos de final da Liga dos Campeões da Ásia, no reduto do Al-Ittihad Jeddah. Não se adivinha tarefa fácil para a equipa de Jesus, mas a possibilidade de termos um novo recorde é real.
A nossa curiosidade não nos permitiu evitar a questão: tanto esforço para apenas oito anos no poleiro? Esperavam ser destronados tão cedo? «Como todos os recordes, este também existe para ser quebrado. Com o dinheiro a prevalecer nesta altura, vamos ter equipas que são demasiado boas para as suas ligas e taças domésticas. Acredito que o recorde possa ser quebrado de forma mais frequente daqui em diante», atirou.
Bem resolvido com esse assunto e completamente preparado para a eventualidade de ser ultrapassado pelo Al Hilal, Harrison não vai estar certamente na bancada do Al-Ittihad Jeddah, esta terça-feira. O desportivismo fala mais alto e as felicitações estão prontas para serem enviadas aos novos detentores do recorde, caso tal se venha a confirmar. «Como digo, os recordes existem para serem quebrados. Se o fizerem, os meus parabéns e será muito merecido, porque é uma coisa realmente difícil de se conseguir», concluiu.
O confronto entre Al-Ittihad Jeddah e Al Hilal está marcado para esta terça-feira. O pontapé de saída acontece às 19h00 e a equipa de Jorge Jesus entra em campo com uma vantagem de 2-0 no agregado.