«O Sérgio conseguiu tirar leite de pedra»: Derlei foi herói em Atenas e agora confia no antigo colega

Voltamos a pegar na máquina do tempo. Estamos em março de 2003 e, com o regresso aos títulos nacionais bem encaminhado, o FC Porto encontra o sempre complicado Panathinaikos nos quartos de final da então Taça UEFA. Um Panathinaikos cheio de grandes nomes e que conseguiu surpreender no velhinho Estádio das Antas, vencendo (0x1) a primeira mão com um golo do polaco Emmanuel Olisadebe. No fim dessa partida, um episódio que fica para a história, enquanto os jogadores gregos iam festejando com os seus adeptos.

Nada convencido pelo resultado da partida, José Mourinho interpela o português Chaínho e o técnico Sergio Markarían para os lembrar que a eliminatória ainda não tinha terminado. Era apenas o fim do primeiro jogo destes quartos de final. Fez o mesmo perante o Tribunal das Antas, pedindo calma aos mais de 40 mil presentes no estádio. A tarefa ia ser bem complicada, o FC Porto nunca tinha conseguido dar a volta a uma eliminatória europeia e o Panathinaikos vinha de uma incrível série de jogos europeus sem perder em casa. Mourinho sabia de tudo isso. Mas também sabia da qualidade da sua equipa.

Nessa equipa despontava um Ninja. Derlei vinha sendo um dos protagonistas dessa época 2002/03, marcando golos em catadupa. Fazia parte de uma equipa que vinha a marcar uma era no futebol português e europeu. E que conseguiria, no velhinho e apertado Apostolos Nikolaidis, fazer história após 120' de intensidade máxima. Foi sobre esse jogo (e não só) que Derlei falou ao zerozero, na antecâmara de mais uma missão que o Dragão tem em mãos. Agora em Lyon. E, tal como contra o Panathinaikos, há uma eliminatória para virar...

«Sabíamos que lá era muito mais difícil...»

zerozero (ZZ): Foi o herói da única remontada do FC Porto na Europa, em 2003. O que recorda dessa eliminatória com o Panathinaikos?

Derlei (DL): A situação é bem parecida com esta. No jogo aqui, tal como este com o Lyon, a equipa jogou bem e infelizmente os golos não saíram. O adversário conseguiu fazer o golo e segurar o resultado. Sabíamos que lá era muito mais difícil. O Panathinaikos ainda não tinha perdido nenhum jogo em casa nas competições europeias e sabíamos que a missão era muito difícil, mas sabíamos que tínhamos uma grande equipa e qualidade para conseguir fazer o 0x1 tal como eles fizeram aqui. A situação agora é a mesma. O FC Porto tem as mesmas condições que o Lyon para vencer lá 0x1 ou 0x2. São equipas com qualidade, mas o FC Porto já está habituada a estas andanças.

ZZ: Na altura foi o Derlei que marcou os dois golos…

DL: Sim, tive essa felicidade. Como estou sempre a dizer, ninguém joga sozinho. Geralmente os avançados têm mais oportunidades de brilhar porque jogam mais perto da baliza. Mas coletivamente se a equipa não estiver à altura, em todos os setores, dificilmente um avançado vai conseguir resolver. Individualmente, um jogador consegue desequilibrar uma partida desde que a equipa esteja equilibrada coletivamente.

ZZ: Era um FC Porto bem diferente deste. Encontra algumas semelhanças para este FC Porto?

DL: São equipas totalmente diferentes, até na forma de jogar. Mas a semelhança é a ambição, garra, determinação, aquilo que as equipas do Sérgio [Conceição] costumam ter. As equipas dele costumam ser o que o Sérgio era enquanto atleta. Bastante exigente, intenso. O FC Porto é isso desde sempre, joga sempre para vencer, independentemente do local.

ZZ: O Lyon também é uma equipa que traz muitas recordações à sua geração. E cada vez são mais as semelhanças entre as campanhas (Lazio, Lyon, eliminatória para virar, final em Sevilla). Vê este FC Porto a chegar à final da Liga Europa?

DL: Sim, tem todas as condições. São algumas coincidências, mas sabemos que no futebol e isso é rapidamente quebrado. O que nós entendemos, e felizmente para o FC Porto, é que tem equipa para chegar lá e ganhar 0x1, 0x2, outro resultado. E com todo o respeito pelo Lyon porque o FC Porto tem essa capacidade. Se a equipa nesse momento estivesse com dificuldades em Portugal, ou nas competições europeias como teve noutros anos… Este ano foi eliminado da Champions League praticamente no último minuto. Estavam quase qualificados naquele momento. A equipa tem qualidade, tem força mental para ultrapassar esses momentos menos felizes. O FC Porto está habituado a reviravoltas nestes casos.

ZZ: Este Lyon não é tão débil como se pensava... Se tivesse que dar algum conselho a Sérgio Conceição, qual seria?

DL: Não é frágil de forma alguma. Tem muitos jogadores internacionais pelos seus países, que luta por títulos. A diferença é que, tal como o FC Porto, pode ficar fora da Champions um ou outro ano. A equipa do Lyon está bem montada e não tenho como dar conselhos ao Sérgio. Mais que ninguém, conhece bem a casa, já conhecia antes e nestes anos como treinador, conhece tudo ao pormenor. Mesmo com a saída do Luis Díaz, conseguiu fazer com que a equipa continuasse a jogar ao mais alto nível, apesar de ter perdido, na minha modesta opinião, o melhor jogador da equipa. O que eu poderia dizer ao Sérgio é que ele tem todo o meu apoio para fazer o seu trabalho. E se o fizer, a equipa vai sair de lá com um resultado positivo.

Sérgio e Derlei partilharam balneário em 2004 ©FC Porto

DL: O Sérgio acabou por tirar ‘leite de pedra’, como costumo dizer. Foi um período difícil, a nível financeiro, tal como os clubes portugueses têm esses problemas às vezes. Mas ele conseguiu, conseguiu montar a equipa, ser campeão, e aos poucos foi resolvendo os seus problemas fora do campo e voltou ao normal. Deu ao Sérgio melhores condições em determinados períodos e elevou o patamar do FC Porto nestes quatro anos e devolver o clube ao mais alto nível.

ZZ: Consegue olhar para este Sérgio e lembrar-se daquele que partilhou balneário consigo?

DL: A equipa tem tudo aquilo que ele tinha como atleta. Muita exigência consigo próprio e com os companheiros, um jogador muito intenso, que não tem bola nem jogo perdidos, em que um segundo faz a diferença. A única diferença que vejo nestes quatro anos é que o Sérgio é muito mais duro, experiente, o que o faz ter tomadas de decisão mais acertadas. A experiência vai ajudando um treinador. Vejo-o muito mais tranquilo, porque ele consegue ver que o trabalho está a ser muito bem e a ser apreciado por todos.

ZZ: Para acabar, um desafio: quem acha que vai ser o Derlei desta eliminatória?

DL: [Risos] Não existem mais Derleis, tal como não há Decos, Jorge, Baías… Agora há outros grandes jogadores no FC Porto. A dupla Taremi – Evanilson, que jogam mais perto da baliza, geralmente podem ter mais oportunidades de marcar golos. Sabemos que é bastante difícil e o resultado de 0x1 já é importante e talvez numa bola parada… Vai ser mesmo muito difícil. As questões táticas vão ser decisivas, não se podem cometer erros. A equipa que for mais feliz em cumprir esses planos vai sair vencedora. Vou torcer para que o FC Porto consiga fazer o que tem feito nos últimos tempos e que cumpra à risca o que o Sérgio tem planeado.

🔵⚪ #OnthisDay O FC Porto venceu o Panathinaikos em Atenas, virou a eliminatória e apurou-se para as meias-finais da Taça UEFA de 2003 🙌🙌#FCPorto #OTD pic.twitter.com/nZibf22OjB

— FC Porto (@FCPorto) March 20, 2020