Sábado, dia 15, estava na Argentina, talvez a juntar os pertences para a aventura seguinte. No domingo, Ezequiel Schelotto viajou para Itália, onde já foi tão feliz, e na segunda-feira assinou pelo Barletta 1922, do quarto escalão do futebol transalpino. O zerozero já sabia da transferência, uma vez que, algures no processo de combinar esta mesma entrevista, quase tropeçou nesse furo.
Na terça foi oficializado e apresentado aos adeptos do novo clube, onde será capitão e parte integral de um projeto ambicioso. O que fez na quarta-feira? Talvez detalhes logísticos de (mais uma) mudança transatlântica, ou até mesmo uma sessão de dolce far niente, tão necessária num dos últimos dias de férias. Não sabemos, não perguntámos.
Quinta-feira, Schelotto estava já instalado na região de Apúlia quando o telefone tocou. Pediu-nos que a conversa não fosse além dos cinco ou dez minutos, mas, em crescente entusiasmo sobre a mesma, a disponibilidade multiplicou-se. Afinal, não foi uma entrevista sobre dias da semana, mas uma viagem pelo passado, presente e futuro de quem, aos 34 anos, já galgou o Mundo do futebol.
Esta é a PARTE I da entrevista. A metade que incide, em maior detalhe, sobre a passagem do Galgo por Portugal, onde representou o Sporting e formou, com pessoas como Jorge Jesus e Sebastián Coates, relações que guarda no peito.
Schelotto atende com boa disposição. Do lado de cá da ligação, um jornalista volta a passar a vista sobre as notas, onde estão vários temas e detalhes previamente traduzidos para espanhol, tal era o receio de deslizar para um desregrado portunhol em contexto profissional.
Antes de começar, e já com isso em mente, o jornalista antecipa-se e perde perdão por qualquer erro linguístico que possa surgir. Do outro lado, o ítalo-argentino reage numa fração de segundo. «Não, não!», diz, num impulso dialógico só ao alcance de atletas profissionais. «Fala comigo em português e eu respondo-te em espanhol». Perfeito! Seguimos...
zerozero: Duas temporadas ao serviço do Sporting, entre 2015 e 2017. Sete assistências em 43 jogos. Foi feliz em Lisboa?
Ezequiel Schelotto: Sim, claro. A verdade é que nos dois anos em que estive em Portugal fui muito feliz. No primeiro ano estivemos perto do título, lutámos até ao final. No segundo ano tive a possibilidade de jogar a Champions League. Também tenho muitas memórias dos meus colegas, dos adeptos... Os adeptos mandam sempre mensagens e dizem que têm saudades minhas, o que me deixa muito feliz.
zz: Sabias o que era jogar em grandes clubes, mas não a Champions... Qual é a sensação de uma estreia contra o Real Madrid, de ouvir o hino em Dortmund?
zz: Rescindiste com o Inter de Milão em agosto, mas só assinaste pelo Sporting no final de novembro...
ES: Na verdade foi muito difícil. Hoje, com 34 anos, não sei se teria rescindido, mas a verdade é que eu queria jogar futebol e que, para jogar mais, não podia ficar lá. Depois acho que foi no final de setembro que me ligou o Jorge Jesus. Lembro-me muito bem, estava em casa com a minha mulher.
zz: Lembras-te das palavras?
ES: Ele disse-me assim: 'Quero que venhas jogar para o Sporting. Vais ser um grande futebolista, mas não como extremo. Vais ser lateral direito'.
zz: E assim foi. Como era a tua relação com o Jorge Jesus?
ES: Creio que tenho uma excelente relação com ele. Sempre o procurei para conselhos, para ajuda, e se não fosse ele... eu nem sei se podia continuar a jogar! Gostava de encontrá-lo e dar-lhe um grande abraço.
ES: Não! O que ele queria sempre era só o que fosse melhor para a equipa, e ele sabia que eu podia dar sempre mais. Tem a sua maneira de falar, que é muito agressiva, mas é possivelmente o melhor treinador que tive na carreira. Um grande campeão. Só consigo dizer coisas positivas acerca dele.
zz: Qual foi a grande lição que te deixou?
ES: Ele falava do amor à camisola, exigia intensidade e que deixássemos tudo dentro de campo. Dizia que se fizéssemos isso, que estava sempre tudo bem. Passado seis ou sete anos, eu ainda tenho essas frases na cabeça. Quando eu terminar a carreira, gostava de ser treinador e ele vai ser a primeira pessoa a quem vou ligar para pedir mais conselhos.
zz: Na primeira temporada em Alvalade, jogaste com o Slimani. Depois, no segundo ano, ele saiu e foi substituído pelo Bas Dost. Parece ser o sonho de um lateral...
zz: E fora do campo, quem te marcou?
ES: Há dois jogadores que para mim foram muito mais que colegas de equipa. Falo do Seba, o Sebastián Coates, e do Bryan Ruiz, costa-riquenho. São muito importantes para mim e estão até hoje na minha vida.
zz: Nessa altura o Coates ainda era novo no clube, chegou pouco depois de ti, mas hoje é o membro mais antigo do plantel, capitão, e foi a grande figura da equipa que foi campeã em 2021. Que viagem, ou não?
zz: Disseste há pouco que hoje talvez não tivesses rescindido com o Inter. Isso é um arrependimento?
ES: Aproveito para explicar melhor. Eu gostava do Inter, era feliz, mas fui eu que quis sair e jogar mais. Dei-me bem em Portugal, ou não? Se não tivesse rescindido, é possível que nunca tivesse ido para o Sporting!
zz: E a saída do Sporting? Sabemos que não querias ir embora, pois estavas bem instalado com a tua filha, com um restaurante... Ficou alguma mágoa, seja com o clube ou com treinador?
ES: Não, não... Basta ir ver que eu joguei sempre, até ao último jogo. Ele [Jorge Jesus] fazia questão que eu jogasse sempre. A minha saída é uma decisão que tive de aceitar, mas acho que também foi difícil para ele dizer-me que tinha de ir. Nós respeitamo-nos muito.A chamada já contava meia hora de duração e já tinha passado por muitos temas bem distantes a Portugal e ao Sporting (para ler na PARTE II), quando chegou a hora do adeus. Aí, Galgo despediu-se nos seus termos:
«Quero aproveitar para deixar uma saudação ao Frederico Varandas e a todo o staff, incluindo o treinador que eu nunca cheguei a conhecer. Também ao Sebastián, claro, porque gosto muito dele e é importantíssimo para mim. Espero que o Sporting volte a ser campeão!»