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Zerozero falou com antigos jogadores da I Divisão

«O 25 de abril também pertence ao futebol»: vivências, histórias e implicações da revolução

É estreita e inegável, a relação entre o futebol e o 25 de abril. O desporto do povo, tão procurado hoje como nos dias em que a verdadeira liberdade era uma miragem, foi mais do que distração para aqueles que encontravam no interior de um estádio aquilo que seria a normalidade em 1974, depois do craveiro florir.

Esse ano histórico deu lugar a uma bem disputada edição do Campeonato Nacional. Tabela interessante, com apenas 16 alíneas e uma geografia diferente da atual...

No final da temporada, seis pontos separaram o quarto classificado, FC Porto, do vencedor, numa era em que a vitória ainda valia apenas dois pontos. O bronze caiu no peito do Vitória FC, orgulho maior de um distrito (Setúbal) que tinha, então, outros três emblemas primodivisionários - CUF, Barreirense e Montijo. Em segundo lugar, o Benfica de Eusébio.

Foi o Sporting que fez a festa e se anunciou campeão, nas ruas em que, menos de um mês antes, a canção da liberdade seguiu a revolução. Conquistaria ainda a Taça de Portugal, nessa mítica temporada que ficou marcada, também, pela bota de ouro de Hector Yazalde. Nem tudo correu bem ao leão, ainda assim.

No dia em que se celebra o fim da ditadura em Portugal, o zerozero conta como a história foi vivida ao nível do relvado, com a ajuda de dois jogadores que vestiam, então, de verde e branco. Uma camisola listada de forma horizontal, a outra vertical.

E depois do adeus à final europeia...

A mítica canção que serviu de primeira senha à revolução de abril, interpretada por Paulo de Carvalho, foi tocada pouco depois do adeus do Sporting à Taça das Taças.

O leão rumara à República Democrática Alemã para disputar um lugar na final dessa prova europeia, uma década depois da última presença, mas foi travado pelo FC Magdeburg por 2-1, no dia 24 de abril, depois de um empate (1-1) em Alvalade. Podia ter sido diferente, contou Carlos Pereira ao zerozero:

Jogo infeliz em solo germânico @Getty /
«Eliminámos equipas de gabarito, mas o Magdeburgo, pronto... Nós cá podíamos ter resolvido a situação, porque foi um massacre. Podíamos ter ganho com uma margem que nos daria tranquilidade, até falhámos um penálti. Depois fomos à Alemanha sem o Yazalde e o Dinis, e mesmo a acabar o [Fernando] Tomé fez o mais difícil e falhou o 2-2 que nos daria a passagem».

O antigo lateral esquerdo do Sporting pintou a imagem de uma deslocação dura - só para entrar na RDA foi preciso fintar algumas estratégias do adversário, que indicou a fronteira mais difícil de atravessar e um hotel «desconfortável, de condições inadequadas para uma equipa profissional».

Ainda assim, a viagem mais complicada seria o regresso a Portugal.

«Estávamos junto ao muro de Berlim, a tratar dos processos de passaporte, e enquanto esperávamos ouvimos as notícias de um golpe de estado em Portugal. Não demos a dimensão devida à situação, não a valorizámos». 

Uma viagem de autocarro para Frankfurt e depois um voo que partiu em direção a Lisboa, mas foi desviado para Madrid. «Chegámos a Espanha e os funcionários da TAP desenvolveram as informações da revolução. Informações distorcidas, de canhões e de guerra, que nos deixaram muito preocupados».

Parte da comitiva leonina

A equipa pernoitou num hotel limitado no número de quartos, o que deixou vários jogadores a dormir nas escadas, e no dia seguinte rumou a Portugal, quando o presidente João Rocha recebeu a autorização para que o autocarro atravessasse a fronteira. Foi em Elvas, num modesto restaurante, que a tranquilidade voltou:

«Tivemos acesso a um telefone fixo e percebemos que as coisas não eram assim tão graves, mas a viagem de Madrid para a fronteira foi horrível, porque tínhamos um mau cenário».

«O jogo com o Magdeburgo foi penoso, porque tínhamos todas as condições para ter ido a uma final europeia contra o AC Milan, mas este acontecimento superou toda a situação desportiva. Era algo familiar, que nos causava preocupação, e até chegarmos a Portugal foi muito difícil», recordou.

Depois da revolução, o Sporting venceu todos os jogos até ao final da «melhor temporada» da carreira de Carlos Pereira. O leão sagrou-se campeão em tempos de liberdade, antes de bater o Benfica na final da Taça (2-1 a.p.).

A opção de Octávio Machado

«Onde é que estava? Estava a preparar-me para ir para o treino. Tinha a rádio ligada em casa e ouvi os comunicados do 25 de abril, que nos diziam para não sair de casa. Não houve treino».

Octávio Machado
Vitória FC
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Assim começa o testemunho de Octávio Machado, então internacional português e figura do meio campo do Vitória FC, à conversa com o zerozero. «Foi um dia anormal, face ao que se vivia com as tropas na rua, e acompanhei pela televisão tudo aquilo que aconteceu. Lembro-me da alegria das pessoas na rua», completou.

Ser figura do emblema sadino em 1974 era algo muito maior do que aparenta hoje, para gerações mais jovens ou memórias mais frágeis. Tratava-se de um Vitória europeu, com selo de Pedroto. Vice-campeão em 72 e terceiro classificado nas duas temporadas seguintes, com uma ascensão que seria travada, indiretamente, no pós-revolução.

qEu sempre me senti livre. Eu fui sempre das minhas posições, de princípios que herdei da minha família e da minha terra. Continuei a ser livre e faço por isso, mas senti à minha volta, naturalmente, um maior respeito.
O golpe de estado, com tudo o que a consequente democracia englobou, foi um passo importante para a subida da qualidade de vida dos futebolistas e, mais tarde, para a carreira de Octávio Machado. O próprio explicou, recordando um tempo em que o final de contrato desportivo favorecia mais os clubes do que os atletas:

«O 25 de abril também pertence ao futebol, e teve implicações. Desde logo, o fim da lei de opção. Um grupo de jogadores no qual me incluía, com o advogado Dr. Jorge Sampaio, deu os passos para que os jogadores tivessem liberdade para escolher o seu clube no final do contrato. Não foi fácil, mas foi uma oportunidade para desenvolver o futebol português.

Enquanto isso acontecia, o Vitória FC rivalizava com o FC Porto para garantir, no mínimo, o último lugar do pódio no Campeonato Nacional. Um objetivo alcançado, muito devido a um empate entre as duas equipas (0-0) no primeiro jogo que o Bonfim recebeu após o 25 de abril.

Falamos do mesmo FC Porto ao qual Octávio se juntou um ano depois, com ajuda dos direitos pelos quais lutou...

«Não faria sentido nenhum, sendo parte do grupo que liderou o final da lei de opção, se recusasse a hipótese de sair no final do meu contrato. Fui convidado pelo Benfica, mas assumi o acordo verbal e optei pelo Futebol Clube do Porto. Uma opção de carreira. Mais tarde regressei a Setúbal sem que o clube tivesse de pagar qualquer contrapartida para isso». 

Portugal
Carlos Pereira
NomeCarlos Eduardo da Silva Pereira
Nascimento/Idade1949-02-23(75 anos)
Nacionalidade
Portugal
Portugal
PosiçãoDefesa (Defesa Esquerdo)

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