Amor. Há sentimento mais bonito do que este? Uma paixão que resistiu às inúmeras tempestades durante a última década, numa cidade que assistiu à queda do seu principal representante na Primeira Liga para os campeonatos não profissionais num sopro. Memórias que perduram no tempo, como aquela de 29 de abril de 2012, quando o clube entrou em campo na Marinha Grande apenas com oito jogadores, numa reta final de época que confirmou o pesadelo.
«Desde 1992, se falhei dez jogos da União de Leiria foi muito. Só por algum motivo muito grande de doença é que não vou e, felizmente, não tenho sido doente», acrescenta.
Uns deram as mãos ao clube e viveram de forma intensa todos os altos e baixos, com subidas de divisão fracassadas quase na meta, durante vários anos consecutivos, outros optaram pelo divórcio e acentuaram ainda mais a distância entre cidade e clube. Uma natural quebra de confiança que começa a dar sinais de retoma. As pessoas estão a voltar ao Dr. Magalhães Pessoa. De 100 passaram a 200, de 200 a 300, de 300 a 5638 e no último jogo já foram 7628, um recorde absoluto na Liga 3.
«É de arrepiar, de ficar mesmo com pele de galinha, ver tanta gente ali. Estamos habituados a ter 300-400 pessoas, que vão lá e nem conhecem os jogadores, e ver assim muitas pessoas é muito bom. Temos poucos sócios. Somos sempre os mesmos e já nos conhecemos uns aos outros, por isso acho importante motivar os miúdos desde cedo. Os pais oferecem camisolas do Benfica e Sporting, mas deviam oferecer da UD Leiria. Temos de aproveitar estas oportunidades», assinala.
«A cidade de Leiria merece que o seu clube esteja na Primeira Liga. Eu acho que a malta daqui gosta de bola e isso é fácil de perceber pela assistência do último jogo, e estou convencido que na segunda-feira vão estar mais de 10 mil. Só que realmente é pena essas pessoas aparecerem apenas nesta fase [de subida], mas, pronto, também nos cabe a nós, sócios ou Direção, aproveitar estes momentos para arranjar mais sócios. Pagamos 50 euros por ano e podemos ver os jogos todos, acho que isso não custa nada. Eu não sou cobrador, mas pago as cotas de muitas pessoas e depois elas dão-me o dinheiro», defende.
«Faço isto por paixão. É União até morrer!»
Há bilhetes para o jogo? Há autocarro para Setúbal? A cidade acordou e parece que ninguém quer ficar de fora desta história que voltou a colocar a UD Leiria nas notícias, pelas melhores razões, claro. O jogo contra a equipa B do SC Braga foi o quarto jogo com mais espectadores dos três principais escalões do futebol nacional e a expectativa é que a enchente seja ainda maior no próximo jogo em casa, marcado para esta segunda-feira, frente à UD Oliveirense.
Depois de ter feito parte da Direção de João Bartolomeu e de ter vivido alguns dos momentos mais altos da história do clube, Luís deixou-se seduzir pela paixão ao futebol e amor à UD Leiria para ser um elemento agregador no universo unionista.
«Há muita gente que me liga, muitas delas até de forma algo inesperada, a perguntar-me se arranjo bilhetes, pois querem apoiar a UD Leiria. Isto anima-me e temos de continuar a cativar as pessoas e a abrir mais a UD Leiria à cidade. Temos de mostrar às pessoas que clube e SAD estão unidos e só assim faz sentido. Isto não é o clube de A, B ou C. O clube é de toda a gente», defende.
Com os olhos postos na importância da formação, Luís tem mais um ano de mandato e quer deixar obra feita e cumprir a promessa de ir a Fátima a pé, em caso de subida: «É como se tratasse de uma nova era. A União de Leiria renasceu. É isso que eu penso.»
Os resultados têm ajudado ao aparecimento de novas pessoas, mas o trabalho que tem sido feito pela Direção do clube, SAD e jogadores do plantel sénior tem sido preponderante para esta tempestade perfeita. Visitas a escolas, instituições, bilhetes a preços simbólicos e campanhas de apoio a refugiados ucranianos têm marcado muito o dia-a-dia do clube, de aproximação clara à comunidade.
«É uma enorme satisfação ver que os adeptos estão com a equipa. Esta simbiose entre todos é muito importante e dá-nos aquela força extra para conseguirmos as vitórias. Além disso, tem sido muito gartificante ser capitão desta equipa», confessa o capitão João Dias, em conversa com o nosso jornal.O experiente defesa chegou a Leiria no verão de 2018 e tem sido um dos rostos desta nova União, ele que foi um dos que resistiu ao último grande problema, por conta do incumprimento da anterior SAD, que deixou os atletas com vários meses de salário em atraso.
«Ninguém pode apontar o dedo a quem saiu, porque estamos a falar de condições de trabalho muito difíceis. Eu senti que muitos dos colegas mais jovens se reviam em mim enquanto capitão e se tivesse abandonado eles também abandonariam. Aí senti que devia ficar com eles até ao fim, independentemente do que viesse a acontecer. Teria sido muito mais fácil chutar o balde, mas também percebi, pela força dos adeptos, que as pessoas iam fazer tudo para que o clube não acabasse. Felizmente tomei essa decisão», recorda.
Sobre a nova administração, não há dúvidas: «Notou-se uma clara melhoria em termos de organização e têm cumprido com as suas obrigações. Acho que o clube está capacitado de todas as condições para poder estar num patamar acima.»
A UD Leiria depende apenas de si para alcançar a subida de divisão e o presidente Luís Caetano acredita que vão estar mais de nove mil pessoas no estádio. E há outros tantos que acompanham à distância, como é o caso de José Carvalho, de 54 anos, emigrado na Alemanha há seis anos.
«É o clube do meu coração. São todos dos três grandes, mas eu sempre fui da UD Leiria», introduz, ao zerozero.
A pergunta é inevitável: vai ver o jogo? «Estou a trabalhar, no turno da noite, e tive de pedir ao meu patrão para entrar uma hora mais tarde. Agora não sei como vai ser o trabalho depois. Se ganharmos vai correr bem, se não ganharmos os meus colegas vão andar todos a toque de caixa [risos].»
A esperança regressou a Leiria e nós regressamos ao ponto de partida. O senhor Francisco, leiriense dos sete costados, dá o remate final:
«Já tenho chorado muito na bola. Neste momento não penso noutra coisa. Estou com muita esperança que nós este ano vamos subir. Eu até gosto da Liga 3, mas o nosso lugar não é aqui. Temos um bom presidente, malta humilde e acredito que daqui a dois aninhos podemos estar na Primeira Liga.»
A próxima batalha, recorde-se, está marcada para dia 25, feriado nacional, no estádio Dr. Magalhães Pessoa, a partir das 20 hoas.
0-2 | ||
Jaime Pinto 44' Michel Lima 83' |