Passaram-se seis meses desde que Carlos Xistra apitou um jogo profissional pela última vez. O juiz colocou um ponto final na sua carreira de 28 anos como árbitro e, em declarações à publicação trimestral da Associação de Futebol de Castelo Branco, fez um balanço de uma longa carreira, marcada por mais de 500 jogos.
Carlos Xistra, atualmente com 47 anos, iniciou a sua carreira de árbitro em 1992, num jogo de juniores da distrital de Castelo Branco. Sete anos depois, em 1999, foi promovido a árbitro de 1ª categoria e, mais tarde, em 2008, nomeado como árbitro internacional. Passaram-se 28 anos desde que Carlos Xistra trocou a bola pelo apito e são várias as memórias que guarda destas quase três décadas dedicadas à arbitragem...
Em entrevista, o antigo árbitro recordou o primeiro jogo que apitou, a primeira internacionalização e revelou ainda qual o jogo mais especial que teve o prazer de ajuizar.
Lembrança do primeiro jogo como árbitro principal: «Perfeitamente!... Um jogo de juniores, dia 19 de dezembro de 1992, no Tortosendo, AD Estação 4 x 1 Proença-a-Nova. Estava um bocado nervoso, como era natural, mas muito confiante. Sabia que conhecia as leis, não só pela experiência enquanto jogador, mas também pelo que tinha aprendido no curso».
1º jogo internacional: «Foi em 2008, num torneio de sub-19, na Eslováquia... É uma sensação de orgulho! Nós, para além de estarmos a representar a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), estamos também a representar Portugal. Como árbitros internacionais representamos o país. Aliás, ainda hoje, quando o Dr. Fernando Gomes entrega as insígnias, diz que os árbitros são “os internacionais” como são os jogadores. E que, quando entram em campo para representar a FPF, estão a representar a seleção nacional dos árbitros. É um orgulho muito grande por representar o país, por representar uma região e, no fundo, por representar a cidade da Covilhã».
Jogo em que tenha tido prazer de apitar: «Sim, o jogo da final da Taça de Portugal. É um jogo marcante. É um fim de semana diferente. Quando se diz que o jogo da final da Taça de Portugal é um jogo único, é verdade. Toda a envolvência à volta do jogo e do Estádio do Jamor, o facto das pessoas irem para lá às 7h e 8h da manhã, tudo é especial. É um prazer enorme estar ali e é esse um dos jogos em que nós, árbitros, nos sentimos realizados, e daí o facto de ter sido o jogo que mais me marcou na carreira».
Último jogo, FC Porto 6x1 Moreirense: «Senti uma sensação de dever cumprido. Dever cumprido porque fiz sempre muito mais do que aquilo que estava à espera. Quando tirei o curso, nunca imaginaria ser árbitro de terceira categoria, quando ainda existia a terceira divisão, nunca imaginaria que chegava lá. Quando cheguei à terceira categoria, nunca imaginei chegar à segunda categoria e cheguei passados dois anos. E quando cheguei à segunda, para ser sincero, já pensava que podia chegar à primeira categoria. A razão era simples, cheguei à segunda categoria com 23 anos e tinha pela frente mais 15/16 anos para lá chegar. Mesmo que descesse à terceira categoria, podia voltar à segunda e depois subir à primeira. Quando cheguei à primeira categoria nunca pensei ser internacional e fui. E como internacional nunca pensei que pudesse alcançar jogos que alcancei e, portanto, foi sempre um bocadinho a sensação de que estava a fazer mais do que imaginaria ser possível. A minha sensação no momento desse último apito foi de dever cumprido, porque fiz sempre mais do que aquilo que estava à espera».
Sobre o atual panorama da arbitragem, Carlos Xistra falou também sobre a introdução do videoárbitro. O juiz reconheceu a importância desta ferramenta, mas chamou a atenção para o impacto negativo que a reversão das decisões pode ter na prestação do árbitro, atribuindo responsabilidades à legislação.
Introdução do VAR e o «novo vilão»: «Veio e veio para ficar. O problema do VAR é só um, é a mudança do “mau da fita”. Quando não havia VAR, o “mau da fita” era sempre o árbitro; após a implementação do VAR, ou há dois “maus da fita”, dois meios “maus da fita”, ou então só um, o VAR. Mudou o “vilão” do filme. A verdade é que se formos a analisar friamente, o VAR veio corrigir muitos erros, mas tal como estes existiam antes de haver VAR, continuam a existir com a presença dele. Quando o erro é corrigido, o erro deixa de ser notícia. O VAR já corrigiu e vai continuar a corrigir muitos erros e muitas decisões que teriam efeito no resultado, mas não será notícia, porque isso (a decisão correta) não faz eco. O que faz eco são os erros do árbitro, independentemente do VAR. Acredito que o VAR nunca vai ter aquele protagonismo positivo que seria expectável, porque nunca vão dar ênfase às boas decisões. Por isso, até parece que o VAR não veio alterar nada...».
Conforto do árbitro com a introdução do VAR: «Sente-se, ainda que não se sinta tão confortável quanto as pessoas possam pensar e que deveria ser. O que acontece é que a partir do momento em que os árbitros retificam uma decisão, são negativamente influenciados na sua nota e a partir daí o seu comportamento ao nível do jogo pode não ser o melhor. Por exemplo, uma pessoa que está a fazer um exame de condução, e sabe a meio do exame que vai reprovar, porque cometeu um erro, a sua concentração e discernimento já não vão ser iguais até ao fim do exame. Pode não cometer mais nenhum erro, mas o foco, a atenção e a concentração já não estão no máximo, e já não está na plenitude das suas capacidades. Com o árbitro acontece algo assim. Eu quando era árbitro sentia um bocadinho isso, apesar de já ter a experiência que tinha».
Por último, Carlos Xistra respondeu àquela questão que todos os dias dá muito que falar entre os adeptos. Será o árbitro x ou y deste ou daquele clube? O antigo árbitro é claro: «Ninguém é árbitro sem gostar de futebol e ninguém gosta de futebol sem gostar de um clube, é uma verdade de La Palisse!». Porém, a carreira acaba por falar mais alto...
«Os árbitros sempre tiveram clube até serem árbitros, nomeadamente até chegarem à primeira categoria. Tiveram!... À medida que a carreira de um árbitro vai subindo de patamar, o clube do qual os árbitros eram adeptos acaba por esfumar-se, apagando-se definitivamente quando é alcançada a primeira categoria. Os árbitros o que querem é acertar, especialmente quando estão na primeira categoria, seja com o clube A, B ou C, porque não há outra forma, não outra maneira de fazer isto. É como em tudo na vida, a partir do momento que temos de tomar decisões e estamos numa posição equitativa, seja em que profissão for, não podemos fazer opções só porque este ou aquele é nosso amigo, ou porque gostamos mais ou gostamos menos. Temos de realizar o nosso trabalho da forma mais isenta possível. O Árbitro é menos adepto de um clube quanto mais sobe na carreira», concluiu o antigo juiz que apitou 288 jogos no principal escalão do futebol português».
Confira, neste link, a entrevista na íntegra concedida à Associação de Futebol de Castelo Branco.
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