De volta para o seu aconchego. Portugal não traiu o Mundial, entregou-se aos braços deste confidente, deste amante que visita de quatro em quatro anos. Não o engana desde 1998, e não podia ser a Macedónia do Norte a criar equívocos na relação.
Esta noite, a Seleção Nacional vai dormir um bocadinho melhor. Fechar os olhos e sonhar com as 1001 noites no Médio Oriente, as fantasias mais sórdidas no campo de futebol, o beijo daquele mês em que todos os dias são domingo.
Não nos enganemos. Não é uma Seleção Nacional viril, em todo o seu esplendor, aquela que comprou o bilhete para o Catar. É uma equipa em reconstrução, em evidentes dúvidas existenciais, mas uma equipa que ainda dá garantias. E alegrias.
Na noite do Dragão, de boémia nas bancadas e algum bom futebol na relva, elevaram-se dois nomes: Bruno Fernandes pelos dois golos decisivos e Pepe por continuar a ser Pepe. Aos 39 anos. Um gigante.
Vale a pena, aliás, investir algumas palavras no momento do 2-0.
Quando Portugal não sabia se havia de acelerar, e procurar o golo da contenção, ou se seria mais avisado encolher-se num bloco médio/baixo - e até o bom do Cristiano ergueu os braços a reclamar não se sabe o quê com o selecionador -, Pepe fez mais uma recuperação notável, pegou nos colegas ao colo e arremessou-os numa transição rápida. Jota cruzou, Bruno marcou.
Portugal é muito superior à Macedónia. Só uma noite de acasos ou de desinspiração absurda seria capaz de roubar o Mundial a Cristiano e companhia. Não foi o caso.
Sem ser brilhante, a Seleção ganhou bem. Mereceu o direito de mergulhar nos braços de um velho cúmplice.
Há uma condição que distingue as grandes seleções das demais. Antes da riqueza tática, dos soldados da fortuna ou dos níveis de trabalho. Chama-se talento e abunda nesta Seleção Nacional.
Podemos discutir se esse grau de talento é devidamente explorado por Fernando Santos. É discutível ver Bernardo Silva a pegar na bola junto dos dois centrais e Diogo Jota tão escondido à esquerda, mas a verdade é que a habilidade natural dos portugueses encontra nesta «geração de ouro» - expressão do seu treinador - intérpretes de excelência.
E são esses os intérpretes que disfarçam muito do que não funciona. A Macedónia incomodou? Nem por sombras. Organizou-se bem, foi sólida até ao 1-0 e cometeu um erro gravíssimo (Ristovski, ex-Sporting) nesse momento decisivo. Aí, Cristiano serviu muito bem e Bruno encheu-se de fé.
Cristiano. É difícil avaliar o melhor português de sempre. Entrou vivo, a vibrar com o povo, mas depois perdeu-se em amuos com os colegas e em passes errados e desajustados. Quis mais do que na quinta-feira, exigiu mais de si, mas Portugal pede O Cristiano, O Ronaldo, mais futebol e menos sinais de insatisfação.
Cristiano Ronaldo vai ao quinto Mundial da carreira. Vai estar onde os grandes têm de estar. Não pode é perder-se em reações menores.
Pepe. O quarentão de Maceió, lá do outro lado do Atlântico, é ainda o melhor central português. E um dos melhores do mundo. A covid-19 não o deita abaixo, os problemas físicos são um ligeiro empecilho, Pepe é provavelmente o mais influente desta equipa.
Não pelo que contribui no ataque organizado, naturalmente, mas pelo que dá ao jogo e aos companheiros. Pepe é uma injeção de juízo e ambição, um shot de competitividade, uma inspiração profunda de querer.
A exibição de Pepe na casa que adora, o Dragão, foi perfeita. Imaculada. Com ele atrás, Portugal defende e ataca melhor, comporta-se como um gentleman se o jogo exige etiqueta e um guerreiro se os duelos passam a arenas de sangue.
Portugal vai ao Mundial pela sexta vez consecutiva e muito deve a Pepe. Com ele a comandar o quarteto defensivo, qualquer selecionador fica mais descansado. Imaginamo-lo num tapete mágico a caminho das suas 1001 noites no Médio Oriente.
Por Pepe, e pelos camaradas, esta noite todo o Portugal dorme um bocadinho melhor. As insónias nunca fizeram bem a ninguém.
Juntar Bernardo Silva a Bruno Fernandes, com João Cancelo muito participativo na segunda parte e João Moutinho a pensar mais do que os outros, dará quase sempre bom resultado. Bons momentos com bola, ainda que demasiado intermitentes.
Sentimos a Seleção Nacional encurralada e hesitante. Arriscar o 2-0 ou defender o 1-0? O segundo golo surgiu no momento certo e matou as dúvidas.